Helson Braga, Ph.D.
Presidente da ABRAZPE
(22/02/2020)
Durante evento ocorrido em São Paulo, no último dia 19/02/2020, o secretário
especial de Comércio Exterior, Marcos Troyjo, delineou a política de abertura
comercial do governo e fez algumas afirmações corretas e outras que merecem
reparos, especialmente sobre o papel das zonas de processamento de exportação
(ZPEs), nesse processo.
Está correta, por exemplo, a ênfase em acordos comerciais regionais como o
celebrado entre o MERCOSUL e a União Europeia, bem como a tentativa de entrar
para a OECD. Como se sabe, a essência desses acordos é a redução (eventualmente, a
eliminação) das barreiras tarifárias e não-tarifárias que afetam o comércio recíproco.
Implicam, portanto, em abertura comercial restrita aos membros do bloco. O aparato
protecionista é mantido com relação às importações provenientes de países extrabloco.
Igualmente correta é a busca de acordos bilaterais, que são também uma forma de
abertura comercial, porém limitada, como o nome indica, aos dois parceiros
envolvidos. Não se percebe nas palavras do secretário nenhuma intenção em se
promover uma (verdadeira) abertura comercial, unilateral e não-discriminatória
(envolvendo qualquer país), que é essencial para introduzir pressão competitiva na
economia, como forma de induzir maior eficiência produtiva. Mas isso significa
confrontar interesses estabelecidos e zelosamente defendidos por entidades da
indústria e certas áreas da academia e do governo.
A estratégia de priorizar acordos regionais ou bilaterais tem sido, historicamente, uma
forma de limitar e postergar a redução da proteção à nossa indústria contra a
concorrência internacional. O argumento é de que as concessões só devem ser
outorgadas como contrapartida de acesso a mercados (preferencialmente, “grandes
mercados compradores”, como sugere o secretário), sem o que o país perderia poder
de negociação. Ou seja, nunca de forma unilateral e não-discriminatória.
Outro argumento, nessa mesma linha de raciocínio, é de que a abertura generalizada
só deveria ser implementada depois de removidos os fatores normalmente associados
ao “custo Brasil”, isto é, quando eliminarmos (ou reduzirmos significativamente)
nossos gargalos logísticos, reduzirmos os tributos, os juros e a burocracia. Além disso,
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os acordos comerciais tomam tempo para negociar e implementar - e este é mais um
motivo para explicar a nossa preferência por acordos comerciais. Estes argumentos
têm sustentado, por décadas, a nossa opção estratégica pelo atraso e pelo fechamento
da economia.
Do lado dos reparos a serem feitos, o mais importante é quanto às lições a serem
extraídas da experiência da Coreia do Sul e da China, em como utilizar
inteligentemente a abertura comercial como instrumento de política de
desenvolvimento.
Uma extensa literatura mostra que a export-led strategy adotada por aqueles países foi
operada precisamente pelas ZPEs (ou, genericamente, zonas econômicas especiais),
mecanismo que permite conciliar a necessidade de estimular de imediato as
exportações com a preservação de uma estrutura de proteção, a ser tratada
separadamente, pois requer um processo de negociação e de implementação longo
demais para servir às urgências do presente. Até por que adianta pouco ter acesso a
mercados e não conseguir penetrá-los por falta de competitividade.
Essas zonas garantiram o status de livre comércio (essencialmente, liberdade de
importação de insumos e bens de capital) indispensável para atrair investimentos
estrangeiros e dar competitividade às suas exportações, de uma forma compatível com
a preservação de margens adequadas de proteção à sua indústria, cuja exposição à
concorrência internacional obedeceria a critérios e ritmos próprios. O sucesso dessa
estratégia exportadora dependeu da competitividade proporcionada pelo status de
livre comércio e não de acesso preferencial a mercados negociado no âmbito de
acordos comerciais.
Referindo-se especificamente ao Brasil, o secretário considera “pouco produtivo”
criar ZPEs “sem acordos com compradores de peso” e que elas “dão benefícios fiscais
e cambiais às indústrias instaladas”. Esta declaração comporta duas observações. A
primeira, é que “compradores de peso” costumam também ser “vendedores de peso” e
que, portanto, uma liberalização recíproca, no âmbito de um acordo comercial,
poderia simplesmente “varrer” a indústria do parceiro menos competitivo. Esse temor
explica boa parte da nossa resistência à frustrada negociação da ALCA, que exporia a
indústria brasileira a um confronto direto, sem anteparo, com a indústria americana.
A segunda observação é que não é verdade que as ZPEs dão incentivos às indústrias já
instaladas. Seus incentivos só estão disponíveis para empresas novas, dado que se
destinam a estimular o investimento e não somente a aumentar as margens de lucros
de empresas existentes. Note-se ainda que as ZPEs não proporcionam incentivos
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fiscais e cambiais que já não estejam disponíveis para as empresas existentes voltadas
para as mesmas finalidades. Há estudos comparativos dessas alternativas.
Uma terceira observação tem a ver com o papel desempenhado pelas ZPEs na
estratégia de abertura dos países do leste asiático, mencionada pelo secretário. Em
primeiro lugar, ZPEs são um instrumento de estímulo ao comércio exterior pelo lado
da oferta das exportações (proporciona condições para a indústria nacional ser mais
competitiva no mercado internacional) e não do lado da demanda (dos países de
destino). Não depende, portanto, de acesso preferencial a mercados externos (ou um
“grande comprador”) a ser negociado no âmbito de acordos comerciais. Claro que se
esse acesso for concedido, tanto melhor, mas o essencial é entender que as ZPEs são
uma medida unilateral, não-discriminatória, que não requer a prévia celebração desses
acordos.
A estratégia exportadora dos países asiáticos deu certo porque, com as ZPEs, eles
impulsionaram suas exportações e não precisaram fazer concessões a países mais
avançados, como seriam obrigados a fazê-lo no contexto de um acordo comercial.
Eles conseguiram, de imediato, melhorar a competitividade das suas exportações
(pelo acesso a matérias primas e bens de capital a preços internacionais), enquanto
escolhiam o momento e a estratégia mais adequada para liberalizar suas importações –
que, de novo, precisa ser negociada e toma tempo.
Uma última observação, suscitada pelas declarações do secretário, é que a abertura
comercial é uma providência essencial para dar consistência à política econômica de
feição liberal do governo atual, e, nesse sentido, estão corretas as tentativas de
negociação de acordos bilaterais e regionais, mas o mais importante é começarmos a
implementar uma estratégia de abertura não-discriminatória (que pode perfeitamente
ser feita em paralelo à celebração de acordos comerciais) e entendermos corretamente
as boas lições da experiência internacional, como é, tipicamente, o caso das ZPEs.
Isso pode ser facilitado pela existência de uma vasta literatura sobre os aspectos
teóricos e práticos das estratégias disponíveis.
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