Um oásis de oportunidades se abre no Brasil com o hidrogênio verde. Em entrevista exclusiva ao Meio, Fernanda Delgado, diretora executiva da Associação Brasileira da Indústria de Hidrogênio Verde, oferece uma visão abrangente sobre o combustível do futuro e seu papel fundamental na transição energética do país para fontes mais sustentáveis.

A especialista destaca a importância estratégica do hidrogênio verde na matriz energética brasileira, seus desafios e o potencial econômico e social desta indústria emergente.

Sobre o Piauí, Fernanda aponta que o Estado tem as condições para se tornar um dos maiores polos de produção, contribuindo para a redução da emissão de carbono.

Com um trabalho bem encaminhado em âmbito local, a diretora da ABIHV ressalta os desafios que precisam ser superados, como: a criação de um ambiente regulatório favorável e investimentos em infraestrutura.

Principais mercados

Os principais mercados consumidores identificados são na América Latina, Europa e Ásia, com países como Alemanha, França, Holanda, Espanha, Japão, China e Coreia do Sul liderando a demanda. O crescimento desses mercados, impulsionado pelo compromisso com a descarbonização, promete ser um forte estímulo para a indústria do hidrogênio verde, tanto no Brasil quanto globalmente.

O papel do H2V na transição energética

Delgado explica que o hidrogênio verde, produzido pela eletrólise da água usando energia de fontes renováveis, como solar e eólica, está se posicionando como um vetor energético essencial, capaz de consumir a abundante energia renovável do Brasil. Este processo, além de gerar baixas emissões de carbono, permite o armazenamento de energia e a descarbonização de processos industriais pesados, fundamentais para atingir metas de redução de emissões globais.

“A cadeia produtiva do hidrogênio verde se caracteriza por uma produção descentralizada, permitindo que as instalações sejam localizadas próximas às fontes de energia renovável e reduzindo as perdas de transmissão. Ou seja, todas essas características o interligam profundamente com a transição energética em curso e a descarbonização – no Brasil e no mundo”.

Desafios e avanços na produção em larga escala

A diretora aponta a regulamentação do setor como um desafio crucial, mencionando o avanço significativo com a aprovação do Projeto de Lei 2308/2023 no Parlamento brasileiro. A lei, que agora tramita no Senado, busca fornecer um marco regulatório que estimule investimentos e o desenvolvimento do setor no Brasil. Comparando com outros países, Delgado ressalta a necessidade de políticas de incentivos regulatórios e financeiros para tornar o hidrogênio verde mais competitivo.

Potencial de R$ 800 bi em arrecadação no Brasil

A integração do hidrogênio verde ao mercado de créditos de carbono é vista como uma alavanca para sua competitividade e crescimento. No Brasil, onde o mercado de créditos ainda está se desenvolvendo, essa integração pode ser crucial, aproveitando as vantagens competitivas do país em energia renovável. Delgado também destaca o potencial socioeconômico da indústria, com a expectativa de gerar quase R$ 800 bilhões em arrecadação governamental e um impacto significativo no PIB nacional, além de promover o desenvolvimento regional e a geração de empregos.

Confira a entrevista completa com Fernanda Delgado:

Meio – Como o Hidrogênio Verde se posiciona em relação a outras fontes de energia renovável, como solar e eólica, em termos de eficiência e viabilidade para a transição energética?

Fernanda Delgado – O hidrogênio verde é um vetor energético que consumirá essa energia renovável eólica e solar que o Brasil produz. É sempre bom destacar que o hidrogênio verde tem um papel que transborda a matriz energética, ele é matéria prima para processos que precisam reduzir a pegada de carbono.

Esse hidrogênio na verdade é produzido pelo processo de eletrólise da água, utilizando a eletricidade vinda de fontes renováveis, como a solar ou a eólica. Na eletrólise, a água (H2O) é dividida em hidrogênio (H2) e oxigênio (O2). Nesse processo, o hidrogênio resultante é considerado “verde” quando a energia elétrica usada é gerada sem a emissão de gases que contribuem para o efeito estufa – nesse ponto, ele se conecta às fontes de energia solar e eólica.

O hidrogênio verde se destaca por seu potencial como alternativa energética sustentável por diversas razões. Primeiramente, pelas baixas emissões de carbono envolvidas no seu processo de produção. Além disso, o armazenamento de energia é um fator vantajoso, uma vez que o hidrogênio verde pode ser usado para armazenar energia produzida por fontes variáveis, como a solar e a eólica. Quando há um excesso de energia disponível, ela pode ser usada para produzir hidrogênio, que posteriormente pode ser armazenado e utilizado. Outro aspecto é poder descarbonizar processos produtivos que precisam reduzir suas metas de emissões como o aço, fertilizantes, refino de petróleo, por exemplo, oferecendo uma alternativa de descarbonizaçao. Por fim, a cadeia produtiva do hidrogênio verde se caracteriza por uma produção descentralizada, permitindo que as instalações sejam localizadas próximas às fontes de energia renovável e reduzindo as perdas de transmissão. Ou seja, todas essas características o interligam profundamente com a transição energética em curso e a descarbonização – no Brasil e no mundo.

Meio – Quais são os principais desafios técnicos e econômicos para a produção em larga escala de Hidrogênio Verde? Como esses desafios estão sendo enfrentados atualmente? Como a legislação atual no Brasil e em outras partes do mundo apoia ou dificulta o desenvolvimento do setor de Hidrogênio Verde e a sua integração ao mercado de créditos de carbono?

Fernanda Delgado – Atualmente, o desafio maior é o da regulamentação do setor. No final de 2023, foi aprovada no Parlamento brasileiro a primeira versão do Projeto de Lei que regulamenta a cadeia produtiva do Hidrogênio Verde (PL 2308/2023). Atualmente, está em tramitação no Senado Federal. Este é um passo muito importante na construção de um marco regulatório que garantira segurança para os investimentos, e para o desenvolvimento do Hidrogênio Verde no país. Isso abre caminho para estabelecer o Hidrogênio Verde como vetor energético, possibilitando que o país comece a atingir seus objetivos de uma indústria com processos produtivos mais verdes. Essa construção de um arcabouço legal viabiliza a competitividade do Hidrogênio Verde no país, e é o primeiro passo para que o Brasil seja líder da descarbonização, para trazer projetos sólidos, sustentáveis e sofisticados, de ordem nacional e internacional. Porém, ainda existem avanços significativos que podem ser feitos nessa etapa final de tramitação, para mecanismos que estimulem o desenvolvimento da indústria, como incentivos regulatórios e financeiros, para deixar o Hidrogênio mais competitivo. É importante mencionar que outras formas de energia tiveram também um apoio, um estímulo, creditício, financeiro, tributário, no início do adensamento das suas cadeias produtivas. Promover a demanda, promover a competitividade é justo e pertinente para um amadurecimento tecnológico e um estímulo e adensamento da cadeia produtiva do hidrogênio verde.

Em relação a outros países, já existem movimentações para a organização dessa cadeia produtiva com incentivos fiscais para empresas que investem na produção, uso e comercialização do Hidrogênio Verde, o que pode incluir redução de impostos, crédito fiscal e isenções fiscais. Além disso, muitas linhas de crédito e subsídios diretos e indiretos estão disponibilizadas. São exemplos de legislações mais avançadas: a Estratégia Europeia do Hidrogênio, que estabelece a meta de produzir 10 milhões de toneladas de Hidrogênio Verde até 2030, incluindo medidas para incentivar o investimento no setor, como a criação de um mercado de carbono para o Hidrogênio Verde; e o Plano de Infraestrutura Bipartidária dos Estados Unidos, que inclui US$ 8 bilhões para investimentos em Hidrogênio Verde, além de medidas para promover a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias de Hidrogênio Verde.

Meio – Como a integração do Hidrogênio Verde ao mercado de créditos de carbono pode influenciar a competitividade e o crescimento desse setor no Brasil e globalmente?

Fernanda Delgado – A geração de créditos de carbono pela produção de Hidrogênio Verde pode tornar a indústria ainda mais atrativa, gerar uma nova fonte de receita para as empresas do setor. Além disso, os créditos podem ser usados para compensar emissões de gases de efeito estufa em outras partes da economia, reduzindo a necessidade de investimentos em tecnologias de captura e armazenamento de carbono. Essa integração torna o Hidrogênio Verde mais competitivo em relação a outros vetores, especialmente combustíveis fósseis, que emitem gases de efeito estufa, e aumenta a atratividade do setor para investidores, impulsionando o crescimento do mercado global.

No Brasil, o mercado de créditos de carbono está em fase de desenvolvimento, e a promessa de um futuro mercado regulado. A integração do Hidrogênio Verde a esse mercado pode ser determinante para o desenvolvimento do setor no país, aproveitando as vantagens competitivas do Brasil na produção de energia renovável, que incluem a abundância de fontes renováveis e a logística favorável para o atendimento de diversos mercados internacionais.

Meio – Quais são os impactos socioeconômicos esperados da expansão da indústria de Hidrogênio Verde, tanto em termos de geração de empregos quanto de desenvolvimento regional?

Fernanda Delgado – Segundo os estudos da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde, a partir do momento em que a regulamentação do setor estiver encaminhada, e começarem a sair do papel os primeiros dos 57 MOUs atualmente em discussão no país, estimam-se quase 800 bilhoes de reais de arrecadação para todas as esferas do governo até 2050. Isso gera um impacto de quase sete trilhões de Reais no PIB nacional (impactos diretos, indiretos e afetos). São os números de um estudo contratado pela ABIHV. Naturalmente que os estados do Nordeste que estiverem mais capacitados – em termos de instalações, mão de obra, infraestrutura e facilidades fiscais – incluindo o Piauí, poderão usufruir mais de perto deste montante expressivo de investimentos.

Meio – Quais são os principais mercados consumidores potenciais para o Hidrogênio Verde? Como o crescimento desses mercados pode impulsionar a demanda por créditos de carbono associados a projetos de produção de Hidrogênio Verde?

Fernanda Delgado – Os mercados consumidores do Hidrogênio Verde brasileiro estão em várias escalas, locais, regionais e mundiais. Na América Latina, há um grande mercado potencial para o Hidrogênio Verde, especialmente em países como Chile, Argentina e Colômbia, que estão em desenvolvimento industrial acima dos demais países do continente. Na Europa, alguns países possuem características que os tornam potenciais consumidores do Hidrogênio Verde do Brasil. São os casos da Alemanha, que possuem um forte compromisso com a descarbonização e metas ambiciosas para o uso de Hidrogênio Verde; a França, que apresenta uma ampla infraestrutura de transporte de gás natural que pode ser adaptada para o Hidrogênio Verde; a Holanda, país com investimentos em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de Hidrogênio Verde; e a Espanha, que tem um grande potencial para o uso de Hidrogênio Verde no transporte e na indústria. Também se destacam, em termos globais, os países asiáticos como Japão, China e Coreia do Sul, que vão demandar alto consumo de Hidrogênio Verde em seus processos produtivos.

No entanto, um dos aspectos mais relevantes da produção de hidrogênio verde é o atendimento ao mercado interno, pois este vetor energético tem um enorme potencial para impulsionar a descarbonização da economia e gerar diversos benefícios, a exemplo da descarbonização da indústria (pela substituição de combustíveis fósseis e a redução de emissões),  a geração de energia limpa (com o armazenamento de energia renovável e a geração de energia em áreas remotas, não abastecidas por energia elétrica convencional), além da mobilidade sustentável (que inclui a oferta de combustível para veículos e o abastecimento de frotas públicas). Também se inclui nesses benefícios o desenvolvimento regional, com a criação de novos polos industriais em regiões com grande potencial para geração de energia renovável e a geração de emprego e renda, impulsionando especialmente regiões menos favorecidas.

Meio – O Piauí tem um projeto ambicioso de hidrogênio verde, o Estado está entre os destaques nacionais na busca por uma produção em larga escala?

Fernanda Delgado – O Piauí tem um enorme potencial para se tornar um dos principais polos de produção de Hidrogênio Verde no Brasil. O estado possui os recursos naturais, com ventos e incidência solar altamente favoráveis; o apoio do governo, que tem demonstrado grande interesse no desenvolvimento da produção de H2V no estado e declarado a intenção de estabelecer um hub produtivo, além de aprovar leis que concedem incentivos fiscais para empresas; além da presença de empresas de destaque para que isso seja possível. No entanto, ainda há alguns desafios que precisam ser superados, como a criação de um ambiente regulatório favorável, a redução do custo de produção (que na realidade envolve toda a cadeia produtiva, não se restringindo ao Piauí), e os investimentos em infraestrutura específica para o transporte e armazenamento do vetor energético. Outrossim, importa mencionar que os projetos de hidrogênio verde só vão se materializar com uma política industrial (e ambiental) que proporcione segurança jurídico-financeira para os investidores primeiros entrantes tomadores do maior risco. Incentivos iniciais e temporários são imprescindíveis para a criação dessa indústria. Em congregando todos esses esforços, o estado poderá se tornar um dos principais produtores de hidrogênio verde do país, contribuindo significativamente para a redução das emissões de carbono e para o desenvolvimento econômico regional.