28 de fev. de 2020

A POLÍTICA DE ABERTURA COMERCIAL E AS ZPES

Helson Braga, Ph.D. Presidente da ABRAZPE (22/02/2020) 

Durante evento ocorrido em São Paulo, no último dia 19/02/2020, o secretário especial de Comércio Exterior, Marcos Troyjo, delineou a política de abertura comercial do governo e fez algumas afirmações corretas e outras que merecem reparos, especialmente sobre o papel das zonas de processamento de exportação (ZPEs), nesse processo. Está correta, por exemplo, a ênfase em acordos comerciais regionais como o celebrado entre o MERCOSUL e a União Europeia, bem como a tentativa de entrar para a OECD. Como se sabe, a essência desses acordos é a redução (eventualmente, a eliminação) das barreiras tarifárias e não-tarifárias que afetam o comércio recíproco. Implicam, portanto, em abertura comercial restrita aos membros do bloco. O aparato protecionista é mantido com relação às importações provenientes de países extrabloco. Igualmente correta é a busca de acordos bilaterais, que são também uma forma de abertura comercial, porém limitada, como o nome indica, aos dois parceiros envolvidos. Não se percebe nas palavras do secretário nenhuma intenção em se promover uma (verdadeira) abertura comercial, unilateral e não-discriminatória (envolvendo qualquer país), que é essencial para introduzir pressão competitiva na economia, como forma de induzir maior eficiência produtiva. Mas isso significa confrontar interesses estabelecidos e zelosamente defendidos por entidades da indústria e certas áreas da academia e do governo. A estratégia de priorizar acordos regionais ou bilaterais tem sido, historicamente, uma forma de limitar e postergar a redução da proteção à nossa indústria contra a concorrência internacional. O argumento é de que as concessões só devem ser outorgadas como contrapartida de acesso a mercados (preferencialmente, “grandes mercados compradores”, como sugere o secretário), sem o que o país perderia poder de negociação. Ou seja, nunca de forma unilateral e não-discriminatória. Outro argumento, nessa mesma linha de raciocínio, é de que a abertura generalizada só deveria ser implementada depois de removidos os fatores normalmente associados ao “custo Brasil”, isto é, quando eliminarmos (ou reduzirmos significativamente) nossos gargalos logísticos, reduzirmos os tributos, os juros e a burocracia. Além disso, 26/02/20 2 os acordos comerciais tomam tempo para negociar e implementar - e este é mais um motivo para explicar a nossa preferência por acordos comerciais. Estes argumentos têm sustentado, por décadas, a nossa opção estratégica pelo atraso e pelo fechamento da economia. Do lado dos reparos a serem feitos, o mais importante é quanto às lições a serem extraídas da experiência da Coreia do Sul e da China, em como utilizar inteligentemente a abertura comercial como instrumento de política de desenvolvimento. Uma extensa literatura mostra que a export-led strategy adotada por aqueles países foi operada precisamente pelas ZPEs (ou, genericamente, zonas econômicas especiais), mecanismo que permite conciliar a necessidade de estimular de imediato as exportações com a preservação de uma estrutura de proteção, a ser tratada separadamente, pois requer um processo de negociação e de implementação longo demais para servir às urgências do presente. Até por que adianta pouco ter acesso a mercados e não conseguir penetrá-los por falta de competitividade. Essas zonas garantiram o status de livre comércio (essencialmente, liberdade de importação de insumos e bens de capital) indispensável para atrair investimentos estrangeiros e dar competitividade às suas exportações, de uma forma compatível com a preservação de margens adequadas de proteção à sua indústria, cuja exposição à concorrência internacional obedeceria a critérios e ritmos próprios. O sucesso dessa estratégia exportadora dependeu da competitividade proporcionada pelo status de livre comércio e não de acesso preferencial a mercados negociado no âmbito de acordos comerciais. Referindo-se especificamente ao Brasil, o secretário considera “pouco produtivo” criar ZPEs “sem acordos com compradores de peso” e que elas “dão benefícios fiscais e cambiais às indústrias instaladas”. Esta declaração comporta duas observações. A primeira, é que “compradores de peso” costumam também ser “vendedores de peso” e que, portanto, uma liberalização recíproca, no âmbito de um acordo comercial, poderia simplesmente “varrer” a indústria do parceiro menos competitivo. Esse temor explica boa parte da nossa resistência à frustrada negociação da ALCA, que exporia a indústria brasileira a um confronto direto, sem anteparo, com a indústria americana. A segunda observação é que não é verdade que as ZPEs dão incentivos às indústrias já instaladas. Seus incentivos só estão disponíveis para empresas novas, dado que se destinam a estimular o investimento e não somente a aumentar as margens de lucros de empresas existentes. Note-se ainda que as ZPEs não proporcionam incentivos 26/02/20 3 fiscais e cambiais que já não estejam disponíveis para as empresas existentes voltadas para as mesmas finalidades. Há estudos comparativos dessas alternativas. Uma terceira observação tem a ver com o papel desempenhado pelas ZPEs na estratégia de abertura dos países do leste asiático, mencionada pelo secretário. Em primeiro lugar, ZPEs são um instrumento de estímulo ao comércio exterior pelo lado da oferta das exportações (proporciona condições para a indústria nacional ser mais competitiva no mercado internacional) e não do lado da demanda (dos países de destino). Não depende, portanto, de acesso preferencial a mercados externos (ou um “grande comprador”) a ser negociado no âmbito de acordos comerciais. Claro que se esse acesso for concedido, tanto melhor, mas o essencial é entender que as ZPEs são uma medida unilateral, não-discriminatória, que não requer a prévia celebração desses acordos. A estratégia exportadora dos países asiáticos deu certo porque, com as ZPEs, eles impulsionaram suas exportações e não precisaram fazer concessões a países mais avançados, como seriam obrigados a fazê-lo no contexto de um acordo comercial. Eles conseguiram, de imediato, melhorar a competitividade das suas exportações (pelo acesso a matérias primas e bens de capital a preços internacionais), enquanto escolhiam o momento e a estratégia mais adequada para liberalizar suas importações – que, de novo, precisa ser negociada e toma tempo. Uma última observação, suscitada pelas declarações do secretário, é que a abertura comercial é uma providência essencial para dar consistência à política econômica de feição liberal do governo atual, e, nesse sentido, estão corretas as tentativas de negociação de acordos bilaterais e regionais, mas o mais importante é começarmos a implementar uma estratégia de abertura não-discriminatória (que pode perfeitamente ser feita em paralelo à celebração de acordos comerciais) e entendermos corretamente as boas lições da experiência internacional, como é, tipicamente, o caso das ZPEs. Isso pode ser facilitado pela existência de uma vasta literatura sobre os aspectos teóricos e práticos das estratégias disponíveis.

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