Acaba de passar pela
unidade de protocolo de objetos e situações sem chances de recuperação ou sem
serventia, pra finalmente ganhar dentro de mais alguns meses ou anos uma grossa
camada de poeira, aquele que foi um dos mais falados e cantados, como se dizia
no meu tempo, acidentes geográficos do Piauí, a lagoa do Portinho, na divisa
entre as cidades de Parnaíba e Luiz Correia. Se bem que mesmo todo mundo
admirando nunca se teve notícia de que alguma coisa estava sendo feita pra lhe
garantir a sobrevivência.
Deu sinais de que
precisava de ajuda e resistiu o quanto pode, mas mesmo com toda essa cantoria
no seu pé do ouvido agora é morta, feito Inêz de Castro. Agora está naquela
parte da casa, e a cidade é uma casa ampliada, a despensa ou a casinha no fundo
do quintal pra onde se rebolam todas as
coisas que tiveram alguma utilidade pra família, assim feito um jarro velho com
a aseia quebrada, uns tamboretes de apenas três pernas, uma televisão sem os botões
de controle, umas mesas que foram retiradas da sala porque não prestavam mais por serem pequenas ou grandes e a família
está crescendo ou diminuindo.
A partir dali, a partir
daquele marco entre o presente e o passado, igual a fronteira entre a Grécia e
a Turquia, a coisa agora é poeira e esquecimento. Mas no Piauí existe uma
região, no norte, aonde vamos encontrar esta importante unidade de sua
história. Tem um nome e uma finalidade especiais. Unidade de Registro de
Objetos e Situações sem Chances de Recuperação ou sem Serventia. Já disse tudo.
Tudo em quanto foi sonho maluco, dinheiro público jogado fora, promessa de
políticos mancomunados com empresários ladrões, muitas obras inacabadas e
outros tantos de coisas que todo mundo há de lembrar ou está lembrando.
Aqui não se está nem
enumerando pelo começo, mas pelo que dá pra recordar. E até peço a ajuda de
quem possa ordenar e acrescentar mais coisas. Mas Parnaíba já teve fábricas de
beneficiamento de castanha de caju, Zona de Processamento de Exportação, Clube
dos Trabalhadores, Ferroviário, Estrada de Ferro Central do Piauí, Rádio
Educadora, voos internacionais, cobertura de ponto de ônibus, fábrica de pilar
arroz, manjuba, Country Clube, Cine Delta, Estádio Petrônio Portella, Moraes
S/A, Vegetex, Esplanada da Estação, Ipecea, Esnisa, transporte urbano de
qualidade, Beira Rio, Igara Clube, AABB. Belga, Rio Grandense, manga de foice,
azeitona, ingá. Também teve Marimbá, caju azedo, pitanga, Morros da Mariana...
Agora é a vez da lagoa
do Portinho. Vai pro grande armário do esquecimento e do descaso. Igual aquela
olhada com o rabo de olho quando se vai ao quintal dar uma mijada e se quer dar
uma espiada no que ficou da vida passada dentro de casa. Conhecido entre a
molecada e pelos desocupados de plantão de “já teve”. Vai fazer companhia com o
porto de Luiz Correia, a Belamina, a urbanização da lagoa do Bebedouro, praça
da Graça, o bumba- meu boi, marujada, quadrilhas de São João, o Porto das
Barcas, Cine Éden, Cine Ritz. Tem é coisa. O armário velho tá precisando de outros
maiores, pois está abarrotado e ainda vai chegar mais coisa.
Pádua Marques
Jornalista e escritor
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