Prof. Dr. Geraldo Filho – UFDPar (08/07/2023)
Depois das últimas eleições presidenciais dei um tempo nos vídeos do meu Canal de Youtube e nos artigos para este renomado Blog. O resultado, como imaginei, trouxe retrocesso político (volta da velha prática de cooptação por corrupção dos partidos) e perigo para a boa condução da economia (aumento das despesas públicas irresponsáveis e alta carga de impostos), além da perseguição a liberdade de expressão, que demonstra a falta de apreço da esquerda pela democracia (como previsto na sua teoria, a esquerda usa a democracia para se eleger com o objetivo de em seguida aboli-la).
Diante desse quadro sombrio, restou o desânimo! Confirmava-se o ciclo cármico do atraso que faz o país se autossabotar quando vai bem! É como se fosse um gordo em um spa, que faz dieta de dia e à noite assalta a cozinha! Assim, segue o Brasil no caminho para o fracasso, em desfavor das gerações futuras.
No entanto, semana passada, em três situações distintas, encontrei pessoas que me surpreenderam ao confessarem que assistiam a meus vídeos e liam meus artigos. E mais, perguntaram por que havia parado e quando voltaria a gravar e a escrever!
Na mesma semana, depois da grata surpresa, vivi experiência original: fiz parte do corpo do júri do Tribunal de Justiça do Piauí, em Parnaíba, sob a condução da competente e simpática Magistrada Dra. Juíza Maria do Perpétuo Socorro Ivani de Vasconcelos. No decorrer dos trabalhos, a verve do intelectual público começou a voltar!
Julgava-se um caso no qual a vítima foi alvo de tentativa de homicídio, mas não foi isso que reanimou o velho espírito liberal (no sentido britânico)-conservador! O contexto que antecedeu a perpetração do crime foi que chamou minha atenção e me levou para as profundezas da alma humana e para algumas considerações sociobiológicas.
Nas imediações de um mercado tradicional de Parnaíba, há alguns anos, em um fim de semana, houve um forró, no qual a vítima passou a noite bebendo e amanheceu o dia, seguindo para o mercado (que também era seu local de trabalho, descarregando mercadorias) para tomar um caldo numa lanchonete. Estava, como se diz na gíria dos bares e feiras populares, de “virote”! Enquanto a atendente esquentava o caldo pediu uma cerveja para bebericar, foi quando se aproximou um dos acusados do crime e começou a incomodá-lo, pedindo dinheiro para uma dose de cachaça e oferecendo um óculos como troca, desencadeando os eventos que terminaram na tentativa de homicídio.
Durante o debate entre a Promotoria e a Defesa na minha memória desfilava a tradição liberal-conservadora, que se desenvolveu na Inglaterra em torno do direito do indivíduo à vida, à propriedade e a liberdade de pensamento. Os três são consagrados em leis, porém no exercício deles o indivíduo pode reivindicar um quarto, este não escrito: o sagrado direito de ser deixado em paz, seja pelo governo, pelos criminosos (perturbadores da ordem pública) ou pelos chatos da vida!
Então reflito sobre o individuo, que naquele contexto da instituição jurídica é a vítima. Pouco estudo, trabalho braçal, uma visão muito limitada do mundo. Quais suas aspirações, prazeres, frustrações?! Provavelmente toscas e certamente difíceis de ele próprio elaborá-las com racionalidade ponderada! Será que ele matutava sobre elas às 9h da manhã, ressacado da noitada e ainda bebendo, esperando um caldo?! Talvez, mas ele tem direito a elas, e mais, tem o direito de ser deixado em paz com elas.
Pessoas podem torcer o nariz para as extravagâncias do excesso de álcool e da virada de noite, mas ele não importunou ninguém, no final estava quieto no seu canto remoendo a vida diante de um copo. Por que ele deveria ter a tranquilidade perturbada por alguém que queria uma propriedade (dinheiro) que era dele? Por que ele deveria ter a vida colocada em risco por alguém que não tendo o desejo extorsivo atendido atentou contra sua existência?
Mesmo um indivíduo simples tem o direito de autodeterminar sua trajetória existencial! Isso significa que as pessoas devem exercitar a prática civilizada de se importarem com as próprias vidas! É verdade que nas cidades as pessoas dependem umas das outras, porém, observem, elas se relacionam mediadas pelas instituições sociais e papeis conferidos por essas. Terminada a interação os envolvidos voltam para seus interesses privados. No decorrer do julgamento, eu e outros desempenhamos o papel social de jurados, promotor, defensor e juíza. Encerrada a audiência, voltamos para nossas vidas particulares.
É no âmbito da vida privada onde nasce e mora o individuo, um complexo bipolar esculpido pela herança biológica (genética) e pelos condicionantes sociais, que eu defini como: a expressão espiritual mediante os genes em sua relação com o ambiente cultural. Esta bipolaridade é tensa, pois traduz a existência em sociedade como um entrecruzamento de interesses potencialmente conflituosos, por isso viver é perigoso!
Eis a razão singela para se deixar as pessoas em paz! Nelas há uma guerra interior permanente entre desejos e regras comportamentais que geralmente paralisam os sonhos por inibição ou temor. Isso já é suficiente para infernizar a cabeça de qualquer um!
Ainda aparece, para atazanar, um governo querendo acabar com os preconceitos e promover o amor pela humanidade! Um sonho infantil de quem tem muitas feridas de criação e que como adulto não conseguiu curá-las (eu desconfiava de que a esquerda e quem a apoia era feita por gente que não amadureceu, hoje eu tenho certeza!)! Os preconceitos resultam das experiências individuais, são idiossincráticas, fazem parte do conflito interior que consome cada pessoa, o que não pode é fazer propaganda (proselitismo) deles em prejuízo de alguém. Os tenha, mas fique calado!