Após a redemocratização e a primeira eleição presidencial realizada no Brasil, diferentes perfis de candidatos foram eleitos e chegaram ao Palácio do Planalto. Do sociólogo Fernando Henrique Cardoso (FHC), eleito em 1994 e reeleito em 1998, ao capitão reformado Jair Bolsonaro (PL), escolhido em 2018, passando pelo metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, que presidiu o Brasil por dois mandatos e pela ex-guerrilheira Dilma Rousseff, destituída no decorrer de sua segunda gestão, todos compartilham de um mesmo fato: nunca haviam sido eleitos para nenhum cargo no Executivo, seja como prefeitos ou governadores de Estado.
O único mandatário a chefiar o Planalto pós-impeachment do atual senador Fernando Collor (Pros-AL), FHC havia disputado a prefeitura de São Paulo contra Jânio Quadros em 1985, mas saiu derrotado. No legislativo, o líder tucano foi empossado senador após eleger-se como suplente de Franco Montoro em 1978 e assumir a cadeira em 1983. Reelegeu-se em 1986. Lula, por sua vez, concorreu à Câmara dos Deputados e chegou a Brasília em 1986 com votação recorde. Dilma não disputou nenhuma eleição antes do embate presidencial e Jair Bolsonaro ocupou a cadeira de vereador do Rio de Janeiro de 1989 a 1991 e de deputado federal por 28 anos, entre os anos de 1991 e 2019.
Em contrapartida, candidatos que já ocuparam a máquina pública no âmbito municipal ou estadual não costumam ter a preferência da maioria do eleitorado. No total, 18 candidatos já haviam ocupado a cadeira do Executivo antes de se lançarem na disputa pelo Planalto. Em 1994, três postulantes ao cargo de chefe máximo do país já tinham experiências em prefeituras ou governos do Estado: Esperidão Amin, Leonel Brizola e Orestes Quércia. Na eleição seguinte, apenas Ciro Gomes já havia comandado uma máquina pública. Em 2002, Anthony Garotinho e Ciro, novamente, já haviam liderado uma cidade ou Estado. No próximo pleito, Cristóvão Buarque e Geraldo Alckmin foram os veteranos do Executivo. Em 2010 e 2014, apenas José Serra e Aécio Neves, respectivamente, já haviam ocupado a cadeira de mandatário. Na última escolha popular, vencida por Bolsonaro, houve o maior número de candidatos com experiência no Executivo: Fernando Haddad, que disputou o segundo turno com o atual presidente, Alvaro Dias, senador pelo Podemos, Geraldo Alckmin, que deve ser lançado como vice de Lula no pleito de outubro deste ano, e o pedetista Ciro Gomes.
Para a professora de Ciência Política na Fundação Escola de Sociologia e Política (FESPSP) e doutora em Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Tamara Ilinsky Crantschaninov, um dos pontos que podem explicar esse movimento do eleitorado na preferência por políticos com passagens pelo Legislativo ao Executivo é a busca por outsiders, ou seja, alguém que não pertence a determinado grupo. “A gente sempre confia que alguém que esta fora desse sistema vai trazer uma solução mágica para os nossos problemas. Temos essa tradição. Começa com o próprio Collor, [João] Dória quando chega à Prefeitura de São Paulo também foi eleito com essa retórica. Fernando Henrique, por exemplo, é o príncipe da Sociologia. A eleição do Lula é muito paradigmática, ele ascende do chão de fábrica, que se identifica com o histórico de luta dos trabalhadores. Bolsonaro é outro perfil, é uma pessoa que se coloca contra o sistema”, disse em entrevista à Jovem Pan.
A especialista avalia que a visão do eleitorado com a política é de uma atividade “contaminada”, vista como algo ruim, um sistema de barganha e de corrupção. “Um ambiente de toma lá dá cá”, resume. Outro ponto a ser levado em questão é a diferença de exposição durante o tempo de mandato nos cargos. A professora ressalta que prefeitos e governadores são pessoas que estão em maior evidência que deputados federais, estaduais ou vereadores, além de estarem sob forte fiscalização dos Tribunais de Contas. “O Fernando Haddad, na eleição para a Presidência, com certeza, as menções que a ele foram feitas eram maiores do que se ele tivesse sido deputado e apresentado alguns projetos de lei”, argumenta.
Se as pesquisas de intenção de voto estiverem corretas, a tendência é que, mais uma vez, nenhum candidato que já tenha comandado uma prefeitura ou um governo estadual consiga chegar ao Palácio do Planalto a partir de janeiro de 2023. Levantamento divulgado pelo Ipespe nesta sexta-feira, 25, mostra que os únicos postulantes que romperam a casa dos 10% são Luiz Inácio Lula da Silva (43%) e Jair Bolsonaro (26%). Ciro Gomes, Simone Tebet, João Doria e Eduardo Leite, que já passaram pelo poder Executivo, registram, somados, 12% da preferência do eleitorado.
Confira os candidatos que já passaram pelo Executivo e perderam as eleições presidenciais:
1994:
– Esperidão Amin: prefeito de Florianópolis (1989-1990) e Governador de Santa Catarina (1983-1987)
– Leonel Brizola: prefeito de Porto Alegre (1956-1958), governador do Rio Grande do Sul (1959-1958) e do Rio de Janeiro (1983-1987 e 1991-1994)
– Orestes Quércia: prefeito de Campinas (1969-1967) e governador de São Paulo (1987-1991)
1998:
– Ciro Gomes: prefeito de Fortaleza (1989-1990) e governador do Ceará (1991-1994)
2002:
– Anthony Garotinho: prefeito de Campos dos Goytacazes (1989-1992 e 1997-1998) e governador do Rio de Janeiro (1999-2002)
– Ciro Gomes: prefeito de Fortaleza (1989-1990) e governador do Ceará (1991-1994)
2006:
– Cristovam Buarque: governador do Distrito Federal (1995-1999)
– Geraldo Alckmin: prefeito de Pindamonhangaba (1977-1982) e governador de São Paulo (2001-2006)
2010:
– José Serra: prefeito de São Paulo (2005-2006) e governador de São Paulo (2007-2010)
2014:
– Aécio Neves: governador de Minas Gerais (2003-2010)
2018:
– Fernando Haddad: prefeito de São Paulo (2013-2017)
– Alvaro Dias: governador do Paraná (1987-1991)
– Geraldo Alckmin: prefeito de Pindamonhangaba (1977-1982) e governador de São Paulo (2001-2006 e 2011-2018)
– Ciro Gomes: prefeito de Fortaleza (1989-1990) e governador do Ceará (1991-1994)
2022 (até o momento):
– Ciro Gomes: prefeito de Fortaleza (1989-1990) e governador do Ceará (1991-1994)
– João Doria: prefeito de São Paulo (2017-2018) e governador de São Paulo (2019-2022)
– Simone Tebet: prefeita de Três Lagoas (2005-2010)
– Eduardo Leite: prefeito de Pelotas (2013-2017) e governador do Rio Grande do Sul (2019-2022).
Fonte: JovemPan