Prof. Dr. Geraldo Filho (UFPI)
Estudos recentes de biologia e psicologia evolutivas, em conjunto com a neurociência, estão consolidando tese que tem capacidade explicativa para começar a entender de maneira original problemas de natureza psíquica e social que afligem os humanos há pelo menos 200 anos.
Esses estudos convergem para afirmar que o cérebro do homem moderno, que surgiu por volta de 70 há 30 mil anos (nossa espécie homo sapiens tem aproximadamente 300 mil anos, de acordo com atualização recente), período conhecido como a “grande explosão criativa”, está adaptado ao contexto social e ecossistêmico no qual emergiram as tribos caçadoras e coletoras.
O aparecimento da agricultura e da pecuária em regiões distintas há pelo menos 14 mil anos fixou os humanos em pequenas aldeias, embriões das futuras cidades. Porém, até as Revoluções Industriais do século XIX, que traçaram o modo de viver do mundo contemporâneo, as populações habitavam majoritariamente o meio rural (grandes cidades do mundo antigo como Roma, Constantinopla, Persépolis ou o Cairo foram exceções, a maioria do povo, nos impérios dos quais estas cidades foram capitais, vivia nos campos).
No entanto, a partir das Revoluções Industriais inverteu-se o habitat humano. As cidades cresceram enormemente, com a célere migração rural/urbana. Os países em processo de industrialização assistiram ao surgimento de megalópoles com milhões de indivíduos, espremidos em espaços exíguos e travando relações cada vez mais impessoais, orientadas, sobretudo, pelas funções que cada qual desempenha na intensa divisão social e especialização do trabalho que organiza o mundo urbano.
O problema é que o cérebro sapiens, adaptado há mais ou menos 299.800 anos para viver em um mundo de paisagens vastas, com pouca população (estima-se que uma tribo caçadora e coletora tinha entre 80 a 120 indivíduos), cujas principais atividades consistiam em caçar, pescar, colher frutos e vegetais e, depois, com a evolução, fazer roças e criar animais em pequenas povoações, não teve capacidade e nem tempo para acompanhar e, consequentemente, se adaptar, às velozes transformações desencadeadas pelo processo de industrialização e urbanização.
Criou-se a situação paradoxal na qual um cérebro adaptado a um mundo que não existe mais se encontra solto em outro cujo ambiente lhe é completamente adverso e desafiador, que lhe impõe desafios à sobrevivência praticamente todos os dias durante a vida toda! Isso, evidentemente, tinha de cobrar um preço alto para a saúde psíquica e social dos humanos.
Assim, já nos primeiros anos da era industrial o alcoolismo, a prostituição e o consumo de drogas, com todas as mazelas que acompanham esses problemas, como o crime, devastaram os bairros pobres das superlotadas cidades, constituindo o que a sociologia chamou de “a questão social”.
Claro que de lá para cá muito se fez em termos de saúde individual e coletiva (políticas públicas preventivas) para amenizar ou sanar a morbidade desse fenômeno. Os indivíduos já não morrem em larga escala como decorrência de condições miseráveis. Porém, se a proteção social desenvolvida pelo estado (em menor ou maior grau, variando em cada país industrial) garante a sobrevivência e até mesmo prolonga a longevidade (criando graves déficits de financiamento previdenciário, tão difícil de ser compreendido!), por outro lado, não resolve as dificuldades mais profundas e subjetivas da alma (ou mente) humana, sustentada por um cérebro adaptado ao mundo simples das paisagens naturais (bucólicas) do passado ancestral, no qual a vida dos humanos girava e se resolvia em torno do núcleo familiar.
De acordo com o filósofo inglês Roger Scruton, o objetivo da ética pedagógica aristotélica é fazer florescer a saúde e a felicidade no humano. O cuidado “com” e o adestramento “do” corpo animal permite a manifestação da saúde; por sua vez, criar a possibilidade para que as boas propensões inatas ou adquiridas possam se desenvolver sem constrangimentos permite a manifestação da felicidade. Ambas, saúde e felicidade conduzem o humano a deixar de ser apenas “mais um” como indivíduo e se torne “um” como ser singular, ou seja, como pessoa.
Ao que parece, o mundo contemporâneo cuidou somente da primeira parte, isto é, do corpo. Por uma questão de descompasso, não foi capaz de cuidar da segunda. A velocidade das mudanças tecnológicas nos dois últimos séculos (200 anos) e o impacto no cotidiano das pessoas, aprisionadas nas cidades – que na verdade é o palco de suas curtas vidas – arrasou a saúde mental de um cérebro que tem características resilientes, certamente, mas não com a elasticidade e plasticidade suficiente para acompanhar sem danos terríveis a vertigem das transformações permanentes. Transtornos comportamentais diversos, depressões e pensamentos suicidas habitam a alma humana contemporânea. O sentimento de vazio e inadaptação ao mundo, junto com a imagem negativa que enxergam de si ao olhar o espelho, provavelmente se escondem por detrás da alegria ilusória com a qual milhões de jovens se entregam ao consumo desenfreado de drogas pesadas.
O grande biólogo americano Edward Wilson, com seu poder de observação excepcional, demonstrou a falta de sintonia entre o cérebro e o mundo das megalópoles ao constatar que ao se solicitar às pessoas, em países diferentes, para descreverem ambientes nos quais gostariam de viver, o resultado foi surpreendente! A maioria, quase unanime, detalhou um mundo de paisagens campestres, com rios, lagos, árvores, animais pastando, sol; ou então praias tranquilas, mar azul, pássaros a voar, etc. Isto não poderia ser simples coincidência! Wilson concluiu que o cérebro dos humanos contemporâneos se ressente da ausência do seu mundo original, para o qual evoluiu lentamente como um dos ramos do gênero homo (isso no trajeto de uns 2 milhões de anos).
Neste mundo de 200 anos, no qual nosso cérebro ainda é um alienígena, os países que melhor resolveram o descompasso evolutivo – reduzindo o sofrimento devido ao desencontro existencial dos indivíduos – foram aqueles cujas sociedades desenvolveram-se relativamente coesas, mediante instituições que integraram os indivíduos, como pessoas, no corpo social.
Isso se faz quando as instituições estimulam a lealdade das pessoas ao corpo social da qual fazem parte, reproduzindo nas sociedades complexas o respeito primitivo dos antigos caçadores e coletores à tribo. O sistema educacional, nesse sentido, desempenha importante papel integrador, ao semear nos jovens cérebros o respeito à coletividade, ao bem público. É admirável como os americanos devotam respeito ao hino e à bandeira, como também ao sistema de justiça, que lhes confere o sentido de justiça e proteção; o mesmo vale para os japoneses, os alemães, os ingleses, etc. No fundo é o sangue tribal que corre nas veias!
Infelizmente, quando olhamos para o Brasil, o sentimento é de decepção! As instituições que foram se fortalecendo para desempenhar o papel de integração e coesão social, como a educação, durante o Período Vargas (1930-45) e depois durante o Período Militar (1964-85) – em um país que se tornou “moderno” sendo, no entanto, de base agropecuária, com baixa agregação tecnológica (basicamente sustentada em grandes extensões de terra) – sistematicamente, desde o movimento comunista de Luis Carlos Prestes nos anos 30 até o PT dos dias de hoje, vêm sofrendo com a corrosão de ideias desagregadoras, geralmente propagadas por pessoas ressentidas com a vida, que não satisfeitas em viverem no seu próprio inferno existencial (no qual sofrem de inveja com o sucesso dos outros), tudo fazem para levar consigo toda a sociedade.
A ideia de luta de classes como força motriz das transformações históricas, por exemplo, só poderia ser desenvolvida por um cretino infeliz que não conseguiu enxergar que competição e cooperação são partes integrantes da natureza humana. Assim, ao contrário de propagar a ideia de que o empresariado é uma classe que não trabalha (portanto não é “trabalhadora”) e está sempre preparada para explorar os trabalhadores (operários e camponeses), poderia ter explicado que ambos cooperam para a mesma finalidade: a sobrevivência de cada um em particular e da coletividade como um todo. É claro que aqui e ali surgem exageros na relação capital e trabalho, porém o progresso das sociedades demonstrou que com o tempo as disfunções vão sendo corrigidas e superadas, pois é crucial para a dinâmica da sociedade capitalista que no final todos saiam ganhando.
Assiste-se no Brasil a desagregação de todas as instituições, incapazes de manter a lealdade das pessoas ao corpo social, do qual formam a essência. A prova é a inação da sociedade face à dizimação dos seus cidadãos por homicídio; a liberdade dada a um bandido que corrompeu o aparelho de estado e ainda ameaça a sociedade com candidatura à presidência; a decadência de nossa cultura musical, degradada pela subcultura de letras abaixo da vulgaridade e coreografias cuja única finalidade é rebolar a bunda; o acirramento de sentimentos preconceituosos que dividem as pessoas, com o pretexto de combater os preconceitos (onde já se viu campanha tão infantil se exigindo RESPEITO, quando se sabe que RESPEITO não se exige e obriga, mas se conquista!), etc.
Eis a razão para a perdição mental na qual vivem os brasileiros! A quem vai se amar e a ser leal, a quem vai se respeitar?! Talvez uma das experiências mais elementares do estilhaçamento da coletividade, da consciência pública, seja o trânsito. Pelo menos três vezes por semana caminho na Avenida NSa. de Fátima em direção a Academia Metha, no percurso passo em frente a UESPI e a dois postos de combustível, ironicamente, tudo a poucos metros do Detran! Pois bem, ali se testemunha um mundo de transgressões: carros e motos descendo tranquilamente na contramão, seja para entrarem à esquerda na universidade, seja para virarem à direita no Detran! Colocam em risco não apenas suas vidas (provavelmente um inferno de desejos frustrados!), mas principalmente a vida das outras pessoas, que nada têm a ver com sua deficiência cognitiva mental, que lhes impossibilita a compreensão do que seja o espaço público, do que seja coletividade.
A fragilidade da disciplina familiar, cuja hierarquia da autoridade paterna e materna foi destruída pela critica esquerdista da família tradicional (a família patriarcal burguesa, como os marxistas adoram chamar!); a debilidade da disciplina na escola, cuja hierarquia da autoridade dos diretores e professores foi destruída pela crítica pedagógica esquerdista; somando-se a cérebros desencontrados do seu contexto original, eis uma explicação possível e plausível para o grande hospício no qual o Brasil se transformou e do qual os jovens mais lúcidos, em desespero, fazem tudo para abandonar, tomando o caminho de volta para Portugal!