O Supremo pode, pois, dar um peteleco na Constituição ou usurpar competências do Congresso? Bem, meus caros, já fez isso em outras situações. Não seria inédito. Abaixo, lembro apenas os casos mais ruidosos:
– União civil gay: o Parágrafo 3º do Artigo 226 da Carta é explicito: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre O HOMEM E A MULHER como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. O Supremo entendeu que “homem” não quer dizer “homem” e que “mulher” não quer dizer “mulher”. Sim, eu defendo a união civil homossexual, assinaria petições e até participaria de protestos. Mas não defendo que se viole a Constituição. O Supremo legislou.
– prisão em segunda: o Inciso LVII do Artigo 5º é claro: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Trânsito em julgado quer dizer inexistência de recurso. Não quer dizer mais. O Supremo autoriza a prisão a partir da condenação em segunda instância. Legislou.
– aborto – o Inciso II do Artigo 128 do Código Penal define: “Não se pune o aborto praticado por médico se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.” Em 2012, o STF acrescentou uma terceira possibilidade: aborto de anencéfalos. Legislou. Neste ano, a Primeira Turma do tribunal, liderada por Roberto Barroso, perdeu qualquer pudor: não se pune aborto nenhum até o terceiro mês de gestação. O Supremo Legislou.
– medidas cautelares – inexistem medidas cautelares para parlamentares na Constituição. Essa foi uma invenção do ministro Teori Zavascki no caso Eduardo Cunha. Os outros toparam. Até porque as ditas-cujas, previstas no Artigo 319 do Código de Processo Penal, são alternativas à prisão e só podem ser impostas quando aquela poderia ser decretada, caracterizando-se, no entanto, como medida excessiva. Logo, se não cabe a prisão do parlamentar, não podem caber as medidas substitutivas.
– cotas raciais – Diz o caput do Artigo 5º, o dos direitos fundamentais, que é cláusula pétrea: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (…)”. O que entendeu o Supremo? Que a forma de estabelecer essa tal igualdade era dispensando tratamento desigual a negros e brancos. Por isso, considerou as cotas “constitucionais”.
Cito apenas os casos mais evidentes. Há outros. Nesta quinta, outra barbaridade, de consequências imprevisíveis, pode ser votada no tribunal: a restrição do foro especial, que é matéria disciplinada pela Constituição.
É o Supremo legislando.
É o Supremo tomando o lugar do Poder Legislativo.
Tudo isso poderia estar nos conduzindo à maravilha. Mas está? Com Lula e Bolsonaro no segundo turno?
Sim, caberia ao Parlamento reagir a esse estado de coisas. Mas onde estão os Varões de Plutarco, né?
Por Reinaldo Azevedo