Colunistas aqui e ali se ocupam de
denunciar o que chamam “marcarthismo” na cultura, na imprensa e no pensamento.
A escolha da palavra já indica um alinhamento ideológico de origem. O senador
americano Joseph Raymond McCarthy (1908-1957) tornou-se célebre pelo combate
aos comunistas. Logo, os que vêem o tal “macarthismo” no Brasil acusam uma
suposta patrulha “de direita” no país. Questionar as regras estúpidas do Prêmio
Jabuti — que, finalmente, mudaram — e a concessão de láureas a um mau escritor
como Chico Buarque seria, então, expressão desse “macarthismo”. Afinal, Chico
se diz de esquerda; sendo assim, seus críticos só podem ser de extrema direita.
Como jamais será criticado pela própria esquerda por causa do compadrio, tem-se
que o homem deve ficar acima de qualquer juízo, como nem Jesus Cristo almejou
ou conseguiu. Até o capilé oficial para Maria Bethania declamar “Batatinha,
quando nasce…”, naquele misto de emocionalismo e condoreirismo carcará, tem de
ser aceito pela brasileirada. Algumas pessoas seriam dotadas, parece, se uma
inata superioridade moral, que as tornaria aptas a enfiar a mão nos cofres
públicos ou a desafiar critérios elementares da lógica.
De fato, o que está em baixa no país é
a liberdade de expressão. Ainda convivemos mal com esse fundamento da
democracia. Na semana passada, participei de um seminário no Instituto
Millenium sobre o tema. Tratei dos malefícios da patrulha “politicamente
correta”, que é a forma mais perversa de censura porque feita, em tese, em
defesa das “minorias exploradas”. Estamos diante do que seria a “Exceção
Moral”, vale dizer: todos amamos a liberdade, à direita e à esquerda, dos
liberais aos socialistas; em tese, vigoram os artigos 5º e 220º da
Constituição. Mas calma, lá! No caso dos “oprimidos”, bem…, no caso dos
oprimidos, há a “exceção moral”: para defendê-los, é aceitável que
se violem esses artigos em nome da reparação histórica — ou sei lá que
diabo se queira argumentar.
Esse juízo perturbado já chegou ao
Supremo Tribunal Federal. O ministro Ayres Britto, na sessão que decidiu o
marco inicial da aplicação da Lei do Ficha Limpa, afirmou com todas as letras:
“Os direitos individuais estão sendo usados para esvaziar os direitos
coletivos”. É mentira! Está acontecendo o oposto: os direitos coletivos —
“cotas”, por exemplo — estão sendo usados para esvaziar os direitos
individuais. Todos eram iguais perante a lei. Não são mais. Pois bem. Leiam o
que informa a Folha Online. Volto em seguida:
*
A
Assembléia do Piauí cancelou na manhã de hoje a apresentação da peça “Fique
Frio” depois que um de seus atores postou no Facebook comentários que foram
considerados ofensivos. A peça estava marcada para acontecer na noite desta
sexta-feira no teatro da Assembléia. O cancelamento foi determinado pelo
deputado Fábio Novo (PT), presidente em exercício da Assembléia. Na noite de
ontem, a ator Marauê Carneiro publicou em seu perfil a frase “Estamos em
Teresina, do Piauí, se o mundo tem cu, o cu é aqui”. O comentário foi apagado.
“Tive que cancelar. Pessoas ligaram
protestando. No Estado só se comenta isso”, afirmou o deputado. Fábio Novo
disse ainda que, se a peça fosse apresentada, seria uma desmoralização do
Legislativo. Segundo a assessoria do ator, o comentário foi uma brincadeira
inspirada em uma música do humorista Juca Chaves. Carneiro também pediu
desculpa pelo ocorrido. “Inclusive foi um próprio piauiense (gente boa e bem
engraçado, por sinal) que me contou essa historia num delicioso restaurante da
cidade”, afirma o ator em carta.
Para o deputado, a desculpa do ator
piorou a sua situação. “Lamento que isso tenha acontecido.” A produção da peça,
que tem como ator principal o global Kayky Brito, afirma que vai negociar com a
Assembleia o cancelamento do aluguel do teatro. Segundo a produtora, parte dos
ingressos já foi vendida. No Facebook, uma comunidade que já conta com mais de
740 pessoas promete fazer uma “ovada” no ator no aeroporto da cidade.
Voltei
Sei pouco sobre o Piauí, confesso, além daqueles índices do IBGE, nada
abonadores. A primeira referência, pra mim, é o poeta mais elaborado do século
20: Mário Faustino, um gigante. Nesse quesito, entendo, nada se iguala ao
Piauí. É o primeiro! A segunda, numa outra faixa, é o letrista Torquato
Neto. O fato é que boa parte dos piauienses tem motivos para achar aquele
estado um “cu”, tomado o substantivo como metáfora de coisa ruim. Aliás, boa
parte dos paulistas tem motivos para dizer o mesmo de São Paulo; boa parte dos
cariocas, o mesmo do Rio, assim como os mineiros, de Minas, e, obviamente, os
brasileiros, do Brasil!
“Ah, piauiense pode falar mal do Piauí;
paulista, de São Paulo, e carioca, do Rio, mas gente de fora tem de ficar
quieta!” Por quê? Aliás, há um troço curioso nesses casos: quanto mais adversas
são as condições de vida para boa parte da população, mais se açula o espírito
bairrista, mais as pessoas se zangam com a crítica, mais defendem o
indefensável.
Não, eu não acho que a linguagem
empregada pelo tal ator seja a melhor possível, não como expressão, sei lá, de
uma crítica orientada segundo os critérios da economia política. Mas era só um
cidadão dizendo suas bobagens no Facebook, como fazem milhões de pessoas hoje
em dia. É claro que algumas pessoas podem se zangar com isso e também têm o
direito de se expressar. No limite, podem tentar organizar um boicote à sua
peça. É coisa típica de caipira ressentido, mas vá lá… Proibir, no entanto,
como fez o deputado petista, a apresentação do espetáculo? Aí estamos diante de
uma manifestação típica de ditaduras.
E aqueles que pretendem promover uma
“ovada” contra o ator? Bem, entendo que se trata de uma agressão e, como tal,
de um crime. Mas que, se realizada, tende a ser tolerada, quem sabe em nome da
“liberdade de expressão”… Se essa gente está brava, deveria é se esforçar para
deixar claro que o Piauí não é um “cu” no que se refere, ao menos, aos direitos
fundamentais garantidos pela Constituição.
Eu nem sei quem é esse tal Marauê. Sei
que o deputado petista Fábio Novo se comporta como um dinossauro, um censor, um
agente da ditadura. A única coisa que caberia a um democrata seria garantir a
segurança para a apresentação da peça. O teatro até poderia estar às moscas,
como conseqüência da revolta de alguns piauienses. Os indignados poderiam
demonizar o ator à vontade no Facebook, demonstrando, se quisessem, que nada há
no mundo tão bom quanto Teresina…
Há, sim, uma tentação macarthista no
Brasil. Inventamos o macarthismo do bem, o macarthismo da inclusão, o
macarthismo da igualdade, o macarthismo da justiça social, o macarthismo dos
oprimidos. Em nome desses valores, se preciso, o Brasil censura, discrimina,
sataniza…
O general Figueiredo mal sabia como
estava revelando a alma de certos democratas quando indagado sobre o que faria
se alguns setores, no país, reagissem mal à abertura democrática. Ele não teve
dúvida: “Eu prendo e esfolo”. Muita gente respirou aliviada. Se é assim, então
a abertura é pra valer…
Por Reinaldo Azevedo
Edição Blog do Pessoa