6 de dez. de 2014

Rendeiras dos Morros da Mariana ganham fama ao levar artesanato colonial da Ilha Grande às passarelas

Peças feitas por domésticas fazem sucesso em vários países da Europa. Arte é repassada há gerações pelas rendeiras de Ilha Grande, litoral do Piauí.

Ex-primeira-dama Marisa Silva já usou peças
 produzidas pelas rendeiras do Piauí.
A arte de trançar fios de algodão ou seda é ensinada de mãe para filha há mais de três séculos no bairro Morros da Mariana, na cidade de Ilha Grande, Litoral do Piauí. Mulheres de pescadores, donas de casa e até matriarcas da família viram na renda uma oportunidade para lucrar. Para fabricar as peças, as artesãs utilizam o bilro que é uma técnica trazida pelos portugueses na era colonial. O sucesso do artesanato ultrapassou fronteiras e atualmente é reconhecido nos principais eventos de moda do país e do exterior, além de vestir famosos como atriz Cláudia Raia e a ex-primeira dama Marisa Letícia, mulher do ex-presidente Lula.

A confecção delicada e complexa é reflexo da vida tranquila na localidade, cujo nome se refere a rendeira Mariana Alexandro Viana, uma das primeiras moradoras da região no século 17. A renda de bilro é fonte de complemento orçamentário, de distração e elo entre as mulheres que marcam a história do Nordeste e o Morros da Mariana.

Cláudia Raia e Celulari compraram vestido
das rendeiras para sua filha Sophia
As rendas são feitas em cima de uma almofada recheada com palha de carnaúba, onde é colocado um desenho que serve como molde para o trançado dos bilros. Para fazer o bordado, as rendeiras utilizam pedaços de madeira colados a um coco típico da região conhecido como 'tucum'. (veja no vídeo acima)

Enquanto os maridos saem cedo para pescar, as artesãs se dedicam aos afazeres domésticos e ao artesanato. Com paciência e maestria, seguem fazendo a renda da mesma forma que outras muitas gerações de mulheres de sua família já faziam, mas elas atualizaram essa arte acrescentando os fios de seda a tradicional linha de algodão.

Isa Maria apesar da idade continua com a
técnica de trançar fios
A aposentada Isa Maria da Luz, 78 anos, contou ter aprendido o artesanato aos 10 anos e que na sua época era comum várias meninas se reunirem na calçada para fazerem renda. "Nesse tempo é que tinha muita produção. Quando chegava próximos aos festejos, as garotas faziam ainda mais renda para juntar dinheiro e comprar um vestido de ir na festa", lembrou.

Apesar da idade, a artesã Isa Maria (foto ao loado, declarou continuar com a técnica que lhe ajudou a criar sozinha os 10 filhos.

"Ainda hoje eu faço pelo costume de não ficar parada. Trabalhei em colégio durante um tempo, mas foi a renda que sempre esteve comigo. Fazia a noite com luz da lamparina, porque gostava de fazer e precisava completar o dinheiro de casa", declarou Isa Maria.

Socorro Reis e o estilista Valter Rodrigues no
São Paulo Fashion Week
Outra que não larga mão do bordado é a empregada doméstica Laura Maria da Costa Sousa, 58 anos. Ela começou a fazer renda aos 9 anos com sua mãe e, mesmo com outro emprego, reserva todo o horário da tarde para o artesanato. "Não tenho muito tempo para fazer meus bordados, mas quando consigo fico até a noite. Não sei viver sem minha renda, amo muito o que eu faço", disse emocionada.

Reconhecimento
Somente em 1993 a arte do bilro ganhou força com a criação da Associação das Rendeiras do Morros da Mariana e a construção da Casa das Rendeiras que possui 120 integrantes. Para a presidente Socorro Reis, um local fixo para as artesãs possibilitou o trabalho em grupo e facilitou o acesso dos compradores, aumentando as vendas.

Trabalho das rendeiras fizeram sucesso
no São Paulo Fashion Week
"Decidimos formar primeiro um grupo porque as rendas do Morros da Mariana sempre foram bastante procuradas e os turistas tinham dificuldade em encontrar as casas das rendeiras. Logo depois ganhamos do governador da época a casa para ser sede da associação e desde o início várias artesãs se registraram, atualmente somos 120 rendeiras",contou Socorro Reis.

No grupo cada artesã tem o seu kit de trabalho com almofada, bico e linha. O salário varia de acordo com a produção individual ou em conjunto, onde as rendeiras só devem pagar a mensalidade de R$ 5 para a manutenção da associação.

"Aqui nós expomos nosso trabalho e vendemos. Às vezes, um vestido é feito por três pessoas ao mesmo tempo e o dinheiro é dividido entre elas. É um trabalho lento e para quem gosta de verdade, pois não é todo mundo que tem paciência. Outro dia uma senhora de 92 anos veio aqui querendo fazer renda, eu entreguei o material para ela e tem feito bastante. Ficou muita animada", explicou a presidente.

Outro fator importante no impulso dessa produção foram as ações que inovaram o design das rendas e as introduziram no circuito de moda. Ainda segundo Socorro Reis, antes o trabalho das rendeiras era fazer apenas bico e renda em metro, com o tempo e melhoria na técnica começaram a produzir vestidos de noiva, blusas e acessórios como mantas, colares e brincos.

"Nesse trabalho conhecemos muitas pessoas importantes como o estilista Valter Rodrigues. Ele ficou sabendo do nosso artesanato, veio fazer um trabalho conosco e nos convidou para participar do São Paulo Fashion Week de 2001. Na época, fizemos muitas reportagens para jornais importantes e ficamos mais conhecidas a partir daí", lembrou.

A presidente da associação disse também que o estilista chegou a retornar ao Piauí depois do desfile, levou algumas peças das rendeiras para São Paulo e através dele veio outros trabalhos para famosos como o vestido de batizado da Sophia Raia Celulari, filha da Claudia Raia e Edson Celulari, a roupa de posse da ex-primeira dama Marisa Letícia, de peças para estilistas da Holanda e outros países da Europa.

Da redação do Jornal da Parnaíba
Por Catarina Costa/G1 PI, em Ilha Grande

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