2 de out. de 2014

A INVASÃO DAS ONÇAS DE PAPEL


Por:Pádua Marques(*)
A gente que costuma andar por aí de noite procurando algum divertimento em bares, botecos, churrascarias e motéis deve ficar com as butucas dos olhos bem abertas porque de hoje até domingo de madrugada o que mais se pode encontrar por estes subúrbios é gente de cócoras pelas esquinas esperando a passagem dos carros, cada qual mais possante e silencioso e, que a esta altura andam cheios de onças. Nada daquele felino que faz tanto medo em caboclo e em caçador, mas as famosas e desejadas cédulas de cinquenta contos de réis.
Ninguém num adiantado desses da hora se meta a besta ou inocente em fazer beiço ou se fingindo de moco ou de cego pra não entender do que estou falando. De hoje até domingo de madrugada uma verdadeira Arca de Noé vai se enfiar por estes subúrbios distribuindo agrados praquele eleitor miserável e que já se acostumou a vender seu voto por uma onça de papel ou outra cédula de maior ou menor valor. Digo isso sem medo de errar porque sempre foi assim e não é dessa vez que vai ser diferente. O agrado de uma onça pra este aqui, uma indicação de consulta médica praquele mais na frente, um par de pneus de bicicleta ou de moto pra outro e a promessa de uma colocação de emprego pra uma filha ou sobrinho em caso do candidato ser eleito. Não é assim mesmo? Me diga se estou mentindo?

Coisa de não dar na vista. E como deve aparecer gente pra receber estes agrados. É o mesmo que está botando leite em pires pra gato. O bicho vem pelo faro feito rato procurando onde está escondido o queijo. Todo mundo sabe que esta situação acontece toda época de eleição. A cobra dá o bote porque sabe que a presa está faminta. E quanto mais se coloca isca pro peixe mais ele belisca. Povo pobre e sem tino de civilidade é desse jeito. Pro candidato espírito de porco, ladrão da consciência dos mais humildes é o momento certo. E ninguém se engane que este negócio de comprar voto de gente pobre em subúrbio vai ser apenas dentro das próximas horas. A coisa vem de longe. 
E eu imagino a cena. Aquelas mulheres e homens carregando meninos no tuntum espetando o couro grosso dos cascos pelos cacos de vidro ou pelos troncos de pés de sabiás naquele desespero de pegar algum trocado pra no outro dia completar a feira. Outras mais na frente arriscando pisar numa carniça, uma merda de vaca ou de porco pra se humilhar mais lá na frente com a mão esticada tentando alcançar uma cédula de valor qualquer. E vem carro de tudo em quanto é lugar, principalmente vindos do Maranhão e das cidades da redondeza. 
Candidatos e políticos que vem entregar os agrados longe das vistas de outros conterrâneos fingindo umas reuniões em fundo do quintal. Eu acho que esta decisão da Justiça Eleitoral de proibir os comícios com grandes shows artísticos acabou abrindo portas e dando cobertura pra este negócio de comprar voto na periferia. Claro que esse negócio existia também na época dos comícios com shows artísticos, mas pra quem conhece as armas de alguns candidatos a coisa era diferente. Mas que a gente fique atenta pra não esbarrar de repente numa madrugada dessas com alguns carros carregados de onças de papel.

(*)Pádua Marques é escritor e jornalista

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