Para complicar ainda mais, o músico abusava do álcool e tomava remédios regularmente para controlar a ansiedade. A reportagem é de Valmir Salaro e Robinson Cerântula.
Santos, litoral paulista, sexta-feira, final de tarde. Graziela mostra como o marido, o roqueiro Chorão, ficava na varanda do apartamento à espera do pôr do sol. “Ele gostava muito de ver, ele falava assim: Grazi, quando você quiser alguma coisa, muito mesmo, pede pra Deus no pôr do sol, que o sol vai levar teu recado”, conta Graziela.
Foi no apartamento que Graziela e Chorão viveram os últimos dez anos. O casal estava separado há quatro meses. Ela foi morar perto dos pais. Chorão vivia de hotel em hotel, na cidade de São Paulo. Quando queria ficar isolado tinha um endereço certo: um apartamento, também na capital paulista, onde foi encontrado morto, na madrugada da última quarta-feira.
Domingo passado, três de março. Às 6h17 da tarde, Chorão chega ao condomínio, na zona sul de São Paulo. A imagem mostra o roqueiro com uma mala. Ele estava num hotel do centro e decidiu voltar para o apartamento, onde costumava ficar sempre sozinho.
Segunda-feira, dia 4, 13h51. O segurança Vitor Vasconcelos chega para buscar Chorão. Dezoito minutos depois, os dois entram no elevador. Lá fora, seguem até o carro. Chorão caminha aparentemente tranquilo. É a última imagem que a polícia tem até agora do cantor vivo.
Quarta-feira, dia 6. Preocupados com o silêncio de Chorão dentro do apartamento, o segurança Vitor e o motorista do cantor, Kleber Atalla, chegam ao prédio às 4h26 da madrugada. Com uma chave, abriram a porta e encontraram Chorão caído na cozinha.
“Abrimos a porta do apartamento, me deu aquela sensação, fui entrando, eu virei assim na cozinha, eu já vi as duas pernas deles esticadas assim, que ele estava de bruço, falei: Vitão, o cara ta caído na cozinha, pelo amor de Deus”, conta o motorista.
As imagens feitas logo em seguida, mostram os dois saindo às 4h35 da madrugada. Nove minutos depois, voltam com a polícia. O delegado e PMs sobem e constatam que Chorão está morto.
Em Santos, Graziela, a mulher do cantor, recebe a notícia de que o marido havia morrido.
“Quando eu abri a porta era a minha mãe e a minha irmã. Olha... Assim... eu fiquei em choque assim, sei lá quanto tempo”, conta Graziela.
Pela primeira vez, Graziela abriu as portas da casa onde ela e Chorão viveram por dez anos. “Quando a gente casou, que a gente comprou esse apartamento, a gente falava ‘a gente está no céu’, porque a gente, era uma realidade tão distante para nós e a gente criou uma estrutura de vida aqui com os nossos gatos, o filho dele convivia conosco”, declara a viúva.
No apartamento, fotos e troféus registram os bons momentos do casal e da banda Charlie Brown Junior. “Esse aqui é um dos Grammys que ele ganhou, 2010”, mostra Graziela.
Em três cadernos e em uma agenda estão os maiores tesouros deixados pelo cantor Chorão. Segundo a Graziela, ele deixou escrita a maioria das canções, algumas inéditas.
Repórter: Grazi, porque é tão importante o que está escrito aqui, à mão, e que foi deixado pelo Chorão pra você?
Graziela: Porque aqui tem ele na forma mais pura de se expressar, que é quando ele escrevia, e liberava tudo o que ele pensava, momentos únicos de inspiração.
Mas nos últimos tempos, a relação do casal foi abalada. Motivo: cocaína.
Graziela: Às vezes eu tinha que pegar pesado e eu falava : ‘Alexandre, eu não vou aguentar isso!’.
Repórter: Mas ele usava droga aqui dentro de casa?
Graziela: No final, sim! E, no meu pensamento era o que? Eu prefiro ele aqui do que ele longe. Só que chegou um determinado momento que ele começou a sair de casa para usar, para eu não ver, para eu não brigar com ele.
Repórter: Isso de quanto tempo para cá?
Graziela: Mais punk assim, mais pesada começou de um ano e meio para cá.
Repórter: Ele usava diariamente cocaína?
Graziela: Ele não usava diariamente. Ele dava uns intervalos de dois, três dias.
Chorão chegou a passar por um tratamento médico durante dois meses. Mas voltou para as drogas.
“Essa droga ela tem uma capacidade, parece que a pessoa está... Parece que é o corpo, mas tem outro ser ali. As reações são outras, o jeito é outro, o olhar é outro, tudo outro, é ruim”, declara Graziela.
A situação ficou mais grave. Graziela pensou numa última saída: internar o marido contra a vontade dele, a chamada internação compulsória. Mas, para isso, ela precisava de uma autorização da Justiça. E a família de Chorão conseguiu.
“Era uma coisa que eu estava me odiando por fazer. Eu falava: ‘gente, como que eu vou pegar ele’. Eu falava: ‘não me interessa se ele vai me odiar para sempre’, eu falei para o filho dele: ‘não, não me interessa se teu pai pode me odiar pra sempre. Mas se isso for salvar a vida dele, não interessa! Que ele me odeie então para sempre’”, conta.
Mas Graziela não conseguiu convencer a direção do hotel onde ele estava na época, que precisava retirá-lo de lá. “O pessoal que trabalhava no hotel, o mensageiro, o gerente, todo mundo gostava muito dele e uma dessas pessoas falou: ‘olha, não, eu não vou deixar, porque vocês não estão fazendo certo’. Eu falei: ‘querido, você não sabe do que você está falando. Por favor!’ Aí ele falou assim: ‘não vou permitir’!
Chorão não foi para uma clínica e continuou com a cocaína. O casal, que já estava dando um tempo, ficou ainda mais distante. "As pessoas o protegiam porque todo mundo achava que eu estava exagerando, então eu sei porque eu falhei... A gente fala: ‘Então por que que eu não voltei no dia seguinte?’ Você está entendendo, por que eu não enfrentei tudo? Eu sou um ser humano também, eu também achei que eu ia ter outra chance e eu não tive”, conta a viúva.
No meio do sofrimento, Graziela faz um desabafo. Diz que pessoas muito próximas ao cantor ajudavam a manter o vício dele. “Existiam esses facilitadores, mas ele também tinha as corridas dele, que ele ligava para fulano de tal, pessoas que eu nem faço ideia. Ele conseguia, ele arrumava um jeito“, declara Graziela. “Interessa à investigação buscar saber de que forma ele conseguia essa droga, quem era esse fornecedor de drogas para o Chorão”, diz Elizabete Sato.
No apartamento, foram achados remédios e um pó branco na bancada da cozinha, além de dois saquinhos numa suíte do imóvel, que a polícia suspeita que seja cocaína. O segurança que trabalhou ao lado do cantor por oito anos confirma que Chorão costumava usar a droga, principalmente nos últimos meses.
“Ele ultimamente usava com muita frequência. Não usava na minha frente. Sabia que ia usar, mas ele saía e voltava”, conta o segurança. Graziela afirma que Chorão usava um coquetel mortal, remédio contra a ansiedade, bebida e cocaína. “Ele vivia com uma coisa rebatendo a outra. E é claro que organismo nenhum ia aguentar”, diz a viúva.
Chorão foi velado e enterrado em Santos. Lá tinha duas paixões além da música: o time da cidade e o skate. “Que isso sirva de lição. Para essa molecada não achar que droga é brincadeira, que é fácil, que é só uma curtição, porque não é, não é, não é... É muito sério, é muito pesado e traz muito sofrimento para todas as pessoas que estão em volta”, conclui Graziela.
Fonte: G1
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