10 de mai. de 2011

“O poeta é um fingidor”?

            A resposta é simples: Não! Desde a sua mais remota origem, embebida na Grécia Antiga, nunca o foi, e se hoje o é, não se deve a uma tradição grandiosa, que é tão arcaica e bela quanto a origem da música, mas de uma corruptela ou má interpretação que contraria os famosos versos de Pessoa, em “autopsicografia”: “O poeta é um fingidor. / Finge tão completamente / que chega a fingir que é dor / a dor que deveras sente [...]”. A leitura atenta desses versos, e a interpretação sintáxica da estrofe, são capazes de constatar que a sentença inicial faz uso do recurso de alta repercussão estrófica, para, em seguida, ser anulada pelas sextilhas que se lhe seguem em voz contrária, antítese versal. O resultado, pois, é de um trecho caracterizado por uma antinomia lógica que propõe, no campo do raciocínio, a dialética em seu sentido puro, investida de um jogo de opostos que desvencilha a proposição de verdadeira para falsa e de falsa para verdadeira, num movimento contínuo que, ao final, compreende a resolução impressa pelo português: O poeta, como fingidor, desdiz-se ao “fingir que é dor a dor que deveras sente”.

            Sabedor dos estudos concernentes à filosofia, o autor de “Mensagem” empreendeu contribuição incitativa aos estudos de Petrus, Hispanus e Paulus Venetus, que se debruçaram, na Idade Média, em volta da estrutura lógica da conhecida, e observada desde a Antiguidade, Antinomia Cretense: “Um cretense diz: ‘Todos os cretenses são mentirosos’”.      

            Vejamos o que nos traz até aqui: O fingimento poético, hoje tão falado e denunciado por uma série de escritores, críticos e entusiastas das letras é, na realidade, uma grande ilusão, tanto no aspecto criativo quanto sentimental. Na esfera dos sentimentos, que é a mais comum no ambiente da poesia, fica impossível produzir algo sem o conhecimento de causa – o poeta só exprime o que a vida lhe consentiu, eis uma regra fundamental, óbvia... E diferente do que muitos julgam, o poeta não nasce poeta, ele se faz, a vida o faz, os experimentos, os tormentos, as desilusões; dizer que o poeta nasce feito é, não quiçá, uma idealização romântica do século XIX, hoje obsoleta e desprestigiada... Sendo esta arte um ofício antigo, não bastavam os fatos da vida para que o poeta fosse poeta, nem tampouco que elencasse ideias concretas e palavras aleatoriamente, como bem o faz uma certa corrente de seguidores da vanguarda, antes disso era necessário obedecer e atuar dentro de uma regra, sempre, em sequência, aperfeiçoando-a, como fora durante toda antiguidade clássica, problemática esta contrária ao que muitos pensam, e nunca vencida pelo tempo: “[...] os problemas da literatura hoje discutidos por todos possuem uma relação de continuidade objetiva com as questões estéticas colocadas em sua época pelos gregos e pelos renascentistas [...]”, afirmou, corroborando com o nosso pensamento, uma das mais celebradas personalidades da teoria e crítica literárias do século XX, o húngaro György Lukács. O motivo da obediência à regra traz no mais remoto âmago da questão, a sensibilização da forma que, como tal, “determina o que a coisa é e como ela vai desenvolver-se”, afirmou o filósofo Carlos Roberto Cirne-Lima, portanto, “As formas existem desde sempre, pois são elas as forças ordenadoras da ordem do cosmos. Antes do cosmos existir, portanto, elas já existem”, concluiu.

            Se o poeta não finge, o leitor muito menos, afinal, não se sente o que se expressa em arte, mas o que já está impresso no próprio interior, na elementar carga emotiva que cada ser possui; esta, sim, é a verdadeira poesia, “A poesia está em nós”, já dizia Massaud Moisés, e por “está em nós” é que “a imagem poética não está sujeita a um impulso. Não é o eco de um passado. É antes o inverso: com a explosão de uma imagem, o passado longínquo ressoa de ecos e já não vemos em que profundezas esses ecos vão repercutir e morrer”, na concepção de Gaston Bachelard. O leitor, ou observador, não sente os sentimentos do artista, o que ocorre é que através da arte ele os contempla para, então, sentir os seus – o grau de sensibilidade é ditado pela intensidade das experiências: “[...] la poesía no comunica lo que se siente, sino la contemplación de lo que se siente”, nos reforça o crítico espanhol Carlos Bousoño.

            No berço da poesia a concepção de arte tinha um sentido bastante diferente do que entendemos hoje. A começar, todo artista era, de fato, e verdadeiramente, um artífice, no sentido profissional da palavra, em favor de uma realidade em um dado momento – tecelão das letras. E esta importância não era vã: A poesia exercia um papel fundamental na sociedade grega de tal maneira que através dela os cidadãos colhiam os prazeres, as crenças e os conhecimentos do mundo, papel este bem desempenhado quando se avalia que sua manifestação antecede, e serve de alicerce, tanto à filosofia quanto ao círculo, hoje frondoso, das ciências.

            A poesia era mais que um repositório de razão e ensino, através de seu néctar os gregos sintetizavam a seriedade, a honestidade e as ponderações de vida. Expressar, portanto, o que exatamente se sentia era mais que uma descrição, era um subsídio para o estudo do próprio comportamento humano e sua respectiva moral. Dito isto, percebemos que para alcançar seus ideais, a poesia revestia-se de objetivos, e estes se preocupavam, naturalmente, com a verdade, um dos aspectos sociais, além da própria cultura, que unificou, neste sentido, tantas cidades-estado politicamente distintas.

O poeta, assim sendo, se forma e o é quando transcende as barreiras da parca visão e se faz, por sua própria natureza, crítico da sociedade que o assiste, quando não atemporal. Ele sente as dores do mundo e vislumbra os acontecimentos do amanhã, sempre carregado de um espírito denunciador, nostálgico, e, não quiçá, absurdo, como diria Camus, pois é nele, e só nele, que o poeta, o prosador, o artista..., enfim, consegue contemplar o novo, desfazendo-se da mesmice; a receita é clara e denunciadora: Para entender o mundo e a arte (ler “poesia” como sinônima), que é uma fagulha transgredida do pensamento, se é necessário ter “Ouvidos novos para uma música nova. Olhos novos para o mais distante. Uma consciência nova para verdades que até hoje permaneceram mudas”, já dizia Nietzsche; que o diga Rimbaud: “[...] é preciso ser vidente, se fazer vidente [...] O Poeta se faz vidente por meio de um longo e refletido desregramento de todos os sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele procura ele mesmo, ele esgota nele todos os venenos, para só guardar as quintessências”, estas são umas das poucas características que traduzem o “ser poeta” vidente na acepção rimbaudiana do vocábulo, de cujo limite está descrever ao invés de desvendar soluções aos fatos do futuro, “o poeta não é obrigado a colocar nas mãos do leitor a solução histórica futura dos conflitos que ele descreve”, sabiamente pontuou, encerrando esta sentença, o filósofo e crítico literário marxista Frederich Engels.

Retomando o quesito anterior, que põe em discussão a confiabilidade historicista da poesia, podemos citar um clássico exemplo: Troia, descrita há três milênios na épica “Ilíada” de Homero, até o final do século XIX era tida como cidade mitológica, crença essa vencida quando escavações dirigidas pelo alemão Heinrich Schiliemann comprovaram a sua existência e a de diversos outros sítios arqueológicos micênicos no litoral da antiga Ásia Menor, hoje Turquia, confirmando, em defesa do antigo poeta, a veracidade das narrativas. Este fato, por si, demonstra, mais uma vez, na poesia, seu registro e caráter autênticos...

Como se pode ver, a poesia, além de preocupada com os fatos, crenças, sentimentos e sociedade, não excluía, de igual maneira, as abstrações: O artista era livre para sonhar e tecer fios de uma para-realidade compreendida através dos mitos que foram, durante muitos séculos, os elementos antecessores da ciência. E é neste ponto que, para conhecimento de sociedades antigas, ela difere da própria história, tendo o filósofo Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C.), assim, se expressado: “[...] uma descreve o que aconteceu, outra o que poderia ter acontecido. Por conseguinte, a poesia é algo de mais filosófico e sério que a história; pois a poesia fala-nos daquilo que é universal e a história daquilo que é particular”. A poesia, neste caso, não só está adiante de uma narrativa neutra e amorfa, mas traduz, através dos elementos de vivência, princípios, tendências e conhecimento universal, a verdade a partir de um prisma lógico e, ao mesmo tempo, artístico, por isso mais humano, mais real, em verdade ao sentido filosófico, como o apontado pela ideia aristotélica, e diferente a uma verdade contemporânea, ligada, apenas, a particularidades e nada mais. A história já sabedora disto, hoje, revela-se com uma nova tendência, não excluindo, pois, em seus estudos, a literatura como peça fundamental para a montagem da maquete do entendimento historiográfico.

Se o poeta agora, depois de tantos anos, décadas, séculos, milênios..., se tornou um fingidor, não foi por falta de opção, mas de apuramento...



Parnaíba, 13 de janeiro de 2011.

Daniel C. B. Ciarlini
danielcastellobranco@hotmail.com

6 comentários:

  1. Poeta, você postou sua arte no blog errado!!!

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  2. isso é pra um jornal e nao pra um blog,nao temos tempo aqui pra lermos poetas.tem que ser coisas breves .kkkkkkkkkkk

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  3. Carlson meu caro, ao abrir o seu blog me deparei com um texto quilométrico, de imediato pulei- o pois é impossível alguém parar para ler um artigo tão grande e sem interesse para à maioria dos seus leitores, fica pareçendo aqueles posts idiotas e esquizofrênicos do "vira-lata alemão". Sejamos mais sucintos e mais interessantes. Obrigado.

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  4. Ler este artigo maravilhoso é um deleite para o espírito. Agradeço e parabenizo o Senhor Daniel C. B. Ciarlini e o Senhor Carlson pela publicação.

    O poeta é um fingidor.
    Finge tão completamente
    Que chega a fingir que é dor
    A dor que deveras sente.

    Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
    Não há nada mais simples.
    Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
    Entre uma e outra todos os dias são meus.

    (Fernando António Nogueira Pessoa. Lisboa, 13 de Junho de 1888 - 30 de Novembro de 1935)

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  5. Também acho que a culpa é do prefeito,como sempre! kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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