Prof. Dr. Geraldo Filho – UFDPar (12/08/2023)
Depois de algum tempo, revisitando a obra de Gilberto Freyre, o maior sociólogo brasileiro, reli Sobrados e Mucambos, livro que deu continuidade a Casa Grande e Senzala, no qual o autor descreveu a formação da sociedade brasileira a partir do encontro dos troncos civilizatórios português, indígena e africano, cujo resultado foi uma sociedade mestiça, de estrutura social e política patriarcal e econômica agropecuária.
Em Sobrados e Mucambos, Freyre descreveu a transformação dessa sociedade predominantemente rural em urbana, apontando como o processo de mudança refletiu na arquitetura das cidades.
Durante o Período Colonial e Imperial as casas-grandes senhoriais dominaram o cenário rural. Nas cidades as casas-grandes se mantiveram como símbolos de poder mediante a arquitetura dos sobrados e mansões das famílias tradicionais. No entanto, o desenvolvimento da sociedade industrial no decorrer do séc. XX, com características tipicamente urbanas, dentre as quais a funcionalidade da moradia – assinalando uma nova estrutura social, política e econômica – impactou na arquitetura senhorial, levando a degradação progressiva dos antigos sobrados e mansões, fato largamente comprovado em diversas cidades nas quais se encontram com facilidade muitos deles abandonados, em ruínas, ou adaptados (prova do desprestígio!) para repartições públicas, como escolas, clínicas, delegacias e abrigos.
A casa-grande, como os sobrados e mansões, além de projetados para representar o poder político e econômico (status) também buscavam exprimir a solidez e a continuidade da família, expressando-se através de linhagens parentais que se estendiam por gerações, que encontravam e renovavam os laços de afinidade em aniversários, saraus e almoços nos fins de semana, durante todo o ano. O espetáculo do abandono e o rebaixamento da beleza dos velhos casarões pela decoração vulgar das burocracias públicas foi um golpe fatal nas pretensões humanas de permanência, nem que fosse a da memória.
Isso me levou a algumas reflexões sobre famílias, empresas e sucessão. Famílias e empresas com regularidade parecem repetir a pretensão de permanência no tempo dos velhos casarões. Nas famílias os pais lutam por suas vidas, pelo seu bem-estar, mas em regra procuram dar o melhor para o futuro dos filhos, e até aonde podem alcançar, aos netos. Nas empresas os fundadores (muitos pais ou mães) trabalham bravamente para erguê-las e levá-las ao sucesso, vários sacrificam a vida pessoal e familiar procurando bater as metas autoimpostas, no horizonte futuro imaginam o comando dos herdeiros. Eles estão errados?! Não, estão corretos!
Constituir família e organizar uma empresa necessariamente traz estas obrigações e desafios, porém, como sociólogo e pesquisador de neurociência cognitiva e comportamental, sei que há um componente enorme de frustração na vida humana! Portanto, para homens e mulheres que são chefes de família ou lideres empresariais é importante refletir sobre o processo no qual estão envolvidos. Sobretudo porque famílias e empresas, dado a condição da finitude humana, são processos temporais, passageiros e fugazes.
É provável que pais e empresários que exercitem autoanálise na direção proposta concluam que pouco cotrole têm sobre o que acontece nas suas vidas, sobremaneira as eventualidades negativas, que fazem sofrer e decepcionam. No caso particular da sucessão familiar e empresarial, ou seja, de quem continuará a conduzir as famílias e as empresas é comum noticias sobre transições geracionais dramáticas, que dissolvem laços afetivos entre irmãos e parentes e acarretam falências de grupos empresariais consolidados.
Assim, diante da impossibilidade de controlar o que acontece “com” a vida dessas pessoas a neurociência sugere controlar o que acontece “nessas” vidas, isto é, como elas devem reagir ao enfrentarem eventualidades frustrantes. O objetivo é treinar a mente para escolher dentre várias perspectivas as melhores para superar ou se adaptar às experiências negativas, geradoras de sofrimento. Para famílias e empresas, os pais e fundadores, para manterem saúde mental razoável ao longo dos anos devem se desapegar delas considerando a perspectiva temporal.
Para as famílias, os pais não controlarão as trajetórias biográficas dos filhos, podem influenciá-los sem dúvida, mas não podem regular para sempre quem deles se aproxima. Resta a esperança que lembrem de suas melhores orientações e de que tenham a sorte de encontrar pessoas boas que os amem e evoluam junto com eles. Olhem para o passado, muitos a quem vocês amaram já foram, avós, pais, amigos... em breve também vocês não estarão mais, provavelmente habitem outras dimensões, incognoscíveis para a mente humana presa na carne. Sua memória viverá por um tempo na lembrança dos filhos, mas esmaecerá nos seus descendentes! Portanto, desapeguem, todos somos passageiros da temporalidade. Em termos práticos: não tenha filhos, tenha um filho só ou no máximo dois, sua felicidade futura agradece por não assistir a uma guerra por herança (por menor que seja) que a tantas famílias destruiu!
Para as empresas, os fundadores devem reconhecer que nem sempre os herdeiros de sangue serão os melhores sucessores no comando. Muitos não têm talento para os negócios e ganham posições na hierarquia administrativa por serem filhos, em geral esses são tipos esbanjadores; outros têm talento, mas casam errado, pois estando cegos pela paixão esquecem de que casamento é um contrato que envolve patrimônio e de que há um tipo que se chama “com separação de bens”; muito poucos têm talento genuíno e não cometem tolices! Portanto, desapeguem, muitos grupos empresariais faliram pela falta de coragem dos fundadores em desagradar os herdeiros. Em termos práticos: é prudente contratar uma administração profissional, tendo os herdeiros como controladores e beneficiários dos lucros, sua felicidade futura agradece por não assistir à ruína daquilo que por tanto tempo lutaram!