A Justiça Militar da União, criada em 1º de abril de 1808, pelo príncipe regente Dom João VI, comemora seus 211 anos. Após a independência, e com a Constituição de 1823, o Conselho Supremo Militar e de Justiça não sofreu modificações consideráveis. Sequer foi mencionado no título 6º da referida Carta, que tratava do Poder Judiciário, razão pela qual permaneceu desempenhando as mesmas funções durante todo o Império, não tendo sofrido modificações quanto a sua estrutura ou sede.
Promulgada a Constituição de 24 de fevereiro de 1891, o novo sistema estabeleceu consideráveis modificações na estrutura e na organização do Poder Judiciário, instituindo, no contexto dessas modificações, o Supremo Tribunal Federal (STF) como a Corte de mais alta instância do país. Entretanto, através do Decreto nº 149, de 18 de julho de 1893, o Conselho Supremo Militar e de Justiça foi extinto, criando-se, em seu lugar, um foro especial para o julgamento de militares, cuja denominação foi Supremo Tribunal Militar.
Integrado, inicialmente, por 15 membros, sendo oito do Exército, quatro da Marinha e três juízes togados, seus membros eram vitalícios, e aqueles que provinham do Império, seriam despojados de seus antigos títulos nobiliárquicos, pois o referido decreto assegurava a denominação genérica de “ministro” para os membros da Corte.
O novo tribunal não tardou a se tornar autônomo. Desde a sua instituição, em 1808, tinha a presidência exercida pelo chefe da nação; primeiro Dom João VI, seguido por Dom Pedro I e Dom Pedro II. Depois, na República, na qual os seus dois primeiros presidentes também o foram do STM, marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto (ainda com a denominação de Supremo Tribunal Militar), assumiu a presidência do órgão o marechal José Xavier de Noronha Camões de Albuquerque Sousa Muniz, conhecido no Império como o marquês de Angeja.
Entre outras atribuições, era de sua competência “julgar em segunda e última instância todos os crimes militares, como tais capitulados na lei em vigor”, assim como estabelecer a forma processual militar enquanto a matéria não fosse regulada por lei. A partir da Constituição de 16 de julho de 1934, o Supremo Tribunal Militar e os tribunais militares inferiores foram considerados órgãos de justiça especializados. Criava-se, assim, a Justiça Militar da União, a exemplo de outros estados europeus, sobretudo aqueles que foram palco das ações da guerra de 1914.
No Brasil, ainda sob o impacto da Revolução de 1930 e da revolta constitucionalista de São Paulo, ocorrida dois anos depois, e não menos sob o impacto do reinício de antigas hostilidades na Europa, a Constituição de 1934 traz como novidade o fato de a Justiça Militar, através do Supremo Tribunal Militar, passar a ter competência para julgar civis em crimes contra a “segurança externa do país ou contra instituições militares”.
Com o advento do Estado Novo, instituído pela Constituição de 1937, decretada pelo presidente Getúlio Vargas em 10 de novembro, a Justiça Militar manteve-se com as mesmas atribuições, e o Supremo Tribunal Militar não sofreu modificações quanto a sua estrutura e sede.
Contudo, pelo Decreto-Lei nº 925, de 2 de dezembro de 1938, a Justiça Militar e seu órgão de mais alta instância foram reestruturados a partir da instituição do Código da Justiça Militar, surgido nesse mesmo ano. Em um de seus artigos, o código dispunha sobre a composição e a competência do Supremo Tribunal Militar. Esse órgão passava a ser integrado por 11 juízes vitalícios, a exemplo do STF, com o título de ministros, nomeados pelo presidente da República e escolhidos na seguinte proporção: quatro generais efetivos do Exército, três almirantes efetivos da Marinha e quatro civis.
Entre outras atribuições, o Supremo Tribunal Militar deveria, segundo o referido Decreto-Lei, “processar e julgar originariamente os ministros do mesmo tribunal, o procurador-geral e os oficiais-generais do Exército e da Armada; processar e julgar as petições de habeas-corpus, quando a coação ou ameaça emanasse de autoridade militar, administrativa ou judiciária”, o que deu à Corte, pela primeira vez, competência para o exame do instituto do habeas-corpus: “julgar os conflitos de jurisdição suscitados entre os conselhos de Justiça Militar; eleger seu presidente e vice-presidente; elaborar seu regimento interno; e consultar, com seu parecer, as questões que lhe foram afetas pelo presidente da República sobre economia, disciplina, direitos e deveres das forças de terra e mar e classes anexas”.
Com a volta do país à democracia e ao estado de direito, a Constituição de 18 de setembro de 1946 não modificou a organização da Justiça Militar. Contudo, os constituintes de 1946 decidiram efetuar uma mudança na denominação, de modo que o Supremo Tribunal Militar passou a denominar-se Superior Tribunal Militar (STM).
Como nas constituições anteriores, competia à Justiça Militar processar e julgar, nos crimes militares definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes eram assemelhadas. Mais uma vez, esse foro especial podia estender-se aos civis, nos casos que a lei determinasse, para a repressão de crimes contra a segurança externa do país ou contra as instituições militares. Como nas cartas que a precederam, a Constituição de 1946 deixou para o legislador ordinário a tarefa de elaborar as leis que tratavam da organização do tribunal.
A partir do movimento político-militar de abril de 1964, ampliou-se o poder jurisdicional da Justiça Militar e o Ato Institucional nº 2 (AI-2), de 27 de outubro de 1965, enfatizou sua competência na questão da segurança nacional, sob a ótica da existência de um “inimigo interno”. Cabia ainda ao STM processar e julgar os civis, nos casos determinados pela lei, em crimes contra as instituições militares. Porém, o artigo referente à competência da Justiça Militar para o julgamento de civis, tradicionalmente repetido nas constituições republicanas, sofreu uma significativa modificação, pois o tribunal não mais cuidava do julgamento de crimes contra a “ameaça externa”, passando a julgar os crimes contra a “segurança nacional”, noção mais genérica que englobava a ideia de ameaça interna.
Ao STM foi atribuída a competência para o julgamento dos governadores de estado e de seus secretários nesses mesmos crimes, jurisdição que cabia anteriormente aos tribunais de justiça dos estados, momento em que tenta-se dar ao tribunal a feição de um instrumento de luta pela implementação do projeto político do movimento militar inaugurado em 1964. O AI-2 dispôs ainda sobre a composição do STM, que passou a ser constituído de 15 membros vitalícios, nomeados pelo presidente da República depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal. Do total de juízes, três deveriam ser escolhidos entre os oficiais-generais da ativa da Marinha, quatro entre os oficiais-generais da ativa do Exército, três entre os oficiais-generais da ativa da Aeronáutica e cinco entre civis, o que trouxe, pela primeira vez, a obrigatoriedade da presença da Aeronáutica na composição da corte.
Depois da promulgação da Constituição de 1988, o STM voltou a ter o caráter de corte especializada, visto que lhe foram retiradas as atribuições de coloração política. Desse modo, os governadores e seus secretários voltaram a ser julgados com base nas constituições estaduais e pelos tribunais de justiça dos estados.
Nos festejos comemorativos de sua criação, o STM promove a entrega de Comendas da Ordem do Mérito do Judiciário Militar (OMJM), condecorações que serão entregues no próximo dia 28 (28/03/19) a diversas autoridades, entre as quais o Presidente da República, Jair Bolsonoro, o Vice-Presidente, General Antônio Hamilton Mourão e os Comandantes das Forças Armadas: Ilques Barbosa Júnior (Marinha); Edson Pujol (Exército) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica).
Assim, ao completar 211 anos sob a presidência do ilustre ministro Marcus Vinícius Oliveira dos Santos, o STM está de parabéns, tanto pela capacidade e lhaneza de conduta de seus membros, como pelo equilíbrio que mantém em suas decisões, símbolo de manutenção da justiça, ordem e paz social.
O Brasil reconhece e se congratula com seus 211 anos de existência, registrados na alma do nosso povo e nos anais de nossa História. Parabéns STM.
*Baltazar Miranda Saraiva, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA).