O Ministério Público Federal (MPF) defendeu que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) conduza a ação penal contra o governador do Piauí, Wellington Dias, por crime ambiental decorrente do rompimento da Barragem de Algodões I. O fato aconteceu em 2009, enquanto Wellington era governador do estado. Ele foi eleito para o Senado em 2010 e, em 2014, voltou ao cargo de governador, sendo reeleito em 2018. Para o MPF, quem deve conduzir a ação é o STJ, ainda que o crime sob análise tenha acontecido em mandato anterior e não consecutivo de Dias no mesmo cargo. A posição foi apresentada em contrarrazões em agravo a recurso extraordinário proposto pelo governador.
A Barragem de Algodões I rompeu em 27 de maio de 2009, causando a morte de nove pessoas. Além disso, deixou 1.047 desalojados e 953 desabrigados, com 203 casas danificadas e outras 385 destruídas. A enxurrada atingiu cerca de 1,15% do total da Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra da Ibiapara, poluindo rios que cortam a unidade de conservação e destruindo a vegetação nativa e plantada nas margens. A população ficou sem água, e o desabastecimento chegou a durar dias em algumas comunidades.
Wellington Dias e a então presidente da Empresa de Gestão de Recursos do Piauí (Emgerpi), Lucile Moura, respondem a ação penal pelas mortes e foram denunciados também por crime ambiental. A ação apura a responsabilidade dos dois pelos delitos de dano em Unidades de Conservação (art. 40 da Lei nº 9.605/98) e de poluição, como resultado de tornar área imprópria para a ocupação humana e de interromper o abastecimento público de água de uma comunidade (art. 54, §2º, I e III, da Lei nº 9.605/98). Segundo o MPF, eles sabiam dos defeitos da barragem bem antes do rompimento, mas não fizeram nada para resolver o problema.
Em 2006, três anos antes da tragédia, Wellington Dias pediu R$ 595 mil ao Ministério da Integração para obras de manutenção da barragem e para o conserto de diversos defeitos detectados, mas usou o dinheiro para outros fins. Dois anos depois, em agosto de 2008, Luciele Moura constatou infiltração, erosão e sinais evidentes de sangramento da barragem. Apesar disso, ela só tomou providências para contratar empresa de engenharia para fazer o reparo dos problemas em maio de 2009, apenas 21 dias antes do rompimento. A omissão dos dois contribuiu de forma dolosa para a tragédia, segundo o MPF.
Prerrogativa de foro
O processo pelo crime ambiental foi desmembrado, para que o STJ analisasse apenas a parte relativa ao governador. Mas logo depois, no julgamento de questão de ordem, a Corte Especial do STJ reconheceu sua incompetência para examinar o caso. A conclusão foi de que a manutenção do foro depois de um hiato – no qual Wellington exerceu mandato de senador, seguido de novo mandato como governador – seria “um privilégio pessoal, não albergado pela garantia constitucional”. Os autos foram enviados para a Justiça de primeira instância, e o governador apresentou diversos recursos contra essa decisão.
Para o MPF, o agravo em recurso extraordinário proposto pelo governador não deve ser aceito, já que a peça não está corretamente fundamentada. No entanto, no mérito, o MPF é a favor da manutenção do foro no STJ para o caso. A subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo lembra que o STJ é competente para processar e julgar crimes cometidos por governadores durante o mandato e em razão das funções inerentes ao cargo, o que é justamente o caso. Segundo ela, o papel institucional da prerrogativa é de servir como instrumento para a garantia do livre exercício de cargos, funções e mandatos institucionalmente relevantes.
A subprocuradora-geral cita parecer do MPF em recurso anterior do governador, no qual a instituição concorda com a posição do recorrente. A argumentação afirma que, na análise de ação penal similar, o STF não fez restrição à prerrogativa de foro para situações em que os fatos imputados tenham se dado em mandato anterior e já terminado, quando o acusado volta a exercer o mesmo cargo. Assim, o foro se mantém, apesar do hiato, como forma de garantir a eficiência e a eficácia da prestação jurisdicional e as garantias decorrentes do mandato, ainda que não consecutivo.
Fonte: AsCom/MPF