Prof. Dr. Geraldo Filho – 12/07/2019
Como prometi farei considerações breves sobre marxismo cultural e análise de governo, tomando como inspiração temas de pesquisa que fazem parte da minha vida de professor universitário e pesquisador. Assim, não se assustem com titulo a primeira vista estranho!
O Martelo se refere a um livro do final da Idade Média e início da Moderna, O Martelo das Feiticeiras (1484), escrito por dois frades dominicanos e inquisidores, Heinrich Kramer e James Sprenger, cujo objetivo era orientar como identificar, processar, julgar e punir as feiticeiras e bruxos que habitavam a imaginação do mundo cristão no fim da era medieval.
No livro há um alerta para a capacidade do Diabo se travestir no que não é, negando sua essência e afirmando a aparência. Assim, o inquisidor, ao interrogar um suspeito de bruxaria se ele acreditava no Demo e ele respondesse que não... coitado, estaria assinando a sentença! Pois negar significava confessar sua crença!
O marxismo cultural nasceu antes da 2ª Guerra, com o criador do Partido Comunista Italiano, Antonio Gramsci e depois encontrou guarida no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, Alemanha. Preso por Mussolini, na cadeia ele escreveu sua obra máxima, Os Cadernos do Cárcere, série de teorizações que reorientavam os caminhos da luta comunista para a conquista do poder do Estado, o que o colocou em rota de colisão com a ortodoxia teórica do marxismo, naquela época representada pelo Partido Comunista da União Soviética, liderada por Lênin e depois Stalin, afinal haviam feito a revolução/golpe de estado em 1917, na Rússia. Pela ousadia, Gramsci se tornou no âmbito do movimento comunista internacional um herege.
No entanto, ele estava certo! Gramsci percebeu que dificilmente se repetiria no mundo capitalista ocidental da Europa e das Américas as condições para a tomada de poder pelas armas como a que aconteceu na Rússia Czarista. No Brasil, por ex., os comunistas tentaram em 1935 e se preparavam em 1964 para tal e perderam.
Aplicando a doutrina da arte da guerra à política revolucionária ele relegou a segundo plano a guerra de movimentos (poder das armas) e enfatizou a guerra de posições (o poder das ideias). O caminho para o poder do Estado deve ser agora percorrido com a penetração das ideias marxistas naquilo que Gramsci denominou sociedade civil, ou seja, instituições educacionais, religiosas, profissionais, de imprensa, políticas e estéticas (culturais, no sentido artístico). O objetivo é corroer a democracia liberal burguesa por dentro, usando os princípios democráticos contra ela!
Por exemplo, em nome da liberdade do livre pensar e se expressar se estimula a formação de um “espírito crítico” (como se todo ser não fosse necessariamente crítico “in nato”, pois obrigatoriamente avalia tudo que como fenômeno lhe atinge, de tomar um copo d’água a degustar um fino prato!), que orienta desde cedo crianças e jovens com cérebros imaturos em evolução (segundo a neurociência cognitiva e comportamental, amadurecimento total em media só lá pelos 30!) a se posicionar sobre o mundo, fornecendo-lhes como parâmetro de codificação o par heurístico (explicativo, não necessariamente com base concreta e empírica) simples dominante/dominado, opressor/oprimido, maioria/minoria, incluído/excluído.
Com efeito, aquilo que é identificado com ou reflete as formas de pensar, agir e sentir das tradições que formaram o mundo ocidental (portanto, nossas cabeças!) como a filosofia e a política greco-romana, a teologia judaico-cristã católica e protestante, o liberalismo econômico e o racionalismo científico passa a ser sistematicamente relativizado e questionado como formas de dominação e opressão dos comportamentos!
Cria-se uma permanente sensação de mal-estar entre os jovens com a sociedade, que se tornam rebeldes sem saber qual a razão! A primeira grande manifestação desse estado de consciência foram os movimentos juvenis nas universidades da França e Estados Unidos no final dos anos 60. Para os comunistas aqueles eventos comprovaram as teses de Gramsci, que a partir de então se tornaram hegemônicas no âmbito do marxismo.
As formas tradicionais do belo, do bom e do justo, que incrustadas na natureza humana são expressas pela grande tradição civilizatória do Ocidente ao longo de 2500 anos começam a ser “desconstruídas”, passando a ser “politicamente correto” depreciar o belo para lisonjear o feio; rebaixar o bom e o sublime da extraordinária obra de arte clássica para valorizar o entretenimento mequetrefe daqueles que não têm talento; desmoralizar os juízos justos, mesmo quando demasiadamente evidentes, com o intuito de justificar a ignomínia do crime! Isto tudo aparece no discurso dos jovens como “ter atitude”; como procura de um “mundo melhor” e “menos desigual, sem preconceito”; ou como luta para “salvar o planeta”!
É a vitória da estratégia de Antônio Gramsci! Por meio das táticas de ocupação das instituições da sociedade civil ela promove sua ruína, conseguindo desacredita-las para os jovens, ao terem sua percepção cognitiva distorcida (dissonância cognitiva). Assim, a saga de aproximadamente 125 gerações de antepassados (geração com base em 20 anos) que viveram e morreram para construir o mundo que vivemos é lançada ao lixo! E o mais grave, descartada por gerações que desde os anos 60 têm um qualidade de vida muitas vezes melhor do que seus bisavós e avós. Como resultados da dissonância cognitiva não conseguem enxergar e valorizar as boas condições nas quais vivem e nem a luta dos ancestrais que lhes legaram esta boa vida, sendo, portanto, absolutamente míopes e egoístas, por terem sua perspectiva histórica calculadamente deturpada.
Portanto, quando vi a deputada federal do PDT (partido esquerdista criado por Leonel Brizola, de convicções políticas arcaicas), Tábata Amaral, 25 anos, incensada pela mídia televisiva (em particular a Globo) como a musa da renovação política à esquerda, dizer veementemente na tribuna da Câmara que esse negócio de esquerda e direita está ultrapassado e que essa história de “marxismo cultural” nas escolas, universidades e imprensa não existe veio à memória o alerta dos inquisidores do Martelo das Feiticeiras diante dos suspeitos de bruxaria: o Diabo se disfarça de ingênuo e santo e nega o que ele é! Exatamente o que apregoa o marxismo de Gramsci, até que todas as instituições estejam suficientemente corrompidas para serem então controladas por um partido único e hegemônico.
A imprensa, que vem sendo minada e controlada desde os anos 60, como já mostrei em outros artigos aqui mesmo, com a vitória de Jair Bolsonaro deixou explícita sua contaminação!
A boa ciência sociológica e política se faz comparando instituições entre as sociedades, buscando identificar as causas do sucesso e fracasso de cada uma e os impactos sobre os indivíduos que as compõem. Disso decorre o conhecimento de que toda transição de governo, mesmo numa sociedade muito mais madura politicamente e organizada administrativamente requer um período de adaptação para aqueles que chegam, tanto no nível federal, como no estadual e municipal. É mais do que razoável supor que nesse processo se cometam erros e algumas peças sejam trocadas, nada de anormal! No entanto, a imprensa, desde que Jair Bolsonaro assumiu esmiúça rotineiramente as ações adotadas no Palácio e nos Ministérios, a procura de erros e de quem foi demitido ou trocado de lugar, para vender isso como uma crise de governo!
Bem, tudo isso poderia se justificar como exercício da profissão de repórter se os mesmos procedimentos investigativos tivessem sido adotados com esmero para todos os governos anteriores, por ex., como os do PT desde 2003! Onde estava a imprensa quando se arquitetou o maior esquema de corrupção sistêmica da história recente, espalhado pelos principais ministérios e empresas estatais, com o objetivo de financiar por décadas o projeto de poder do partido?! Onde estava a imprensa quando Sérgio Cabral (aliado de Lula e do PT) replicou o modelo no Rio de Janeiro, conseguindo a proeza de quebrar um estado da federação só com a corrupção?!
É ingenuidade atribuir a cegueira da imprensa somente às gordas verbas de publicidade que cevaram televisões, revistas e jornais no período! A infiltração ideológica do marxismo cultural nas redações fez de maneira eficiente e eficaz o seu trabalho, como está acontecendo com a revista Veja há dois anos.
Como consequência, toda a ânsia da imprensa por cobrar resultados do governo de Jair Bolsonaro desde os primeiros dias, sem cogitar o período de adaptação natural que para o Brasil se aceita 06 meses; sem aduzir a renovação do Congresso que só começa a trabalhar para valer depois do carnaval (coisas do Brasil!); sem ponderar a tarefa monumental de corrigir erros e vícios dos últimos 30 anos, como o nefasto “presidencialismo de coalizão”, expressão asséptica inventada por Fernando Henrique para entregar ministérios e estatais para os partidos da famosa “base do governo”, modo legal e legítimo de governar, porém fertilíssimo para a cultura da corrupção, haja vista o “mensalão” e o “petrolão” de Lula... deve ser compreendida como uma guerra ideológica clara contra o governo, movida pela ameaça as “posições” conquistadas nas instituições da sociedade civil pela estratégia marxista cultural gramsciana, que orienta a esquerda em geral.
Fosse uma cobrança verdadeira e honesta por resultados de governo não se assistiria aos comentaristas da Globo e da Globonews repetirem dia após dia que o governo está imobilizado, sem destacar como conquistas a Reforma da Previdência que está para ser aprovada; a Reforma Tributária que já começou a tramitar; o sensacional Acordo de Comércio MercoSul/União Europeia; o Decreto de Liberdade Econômica; a recuperação da infraestrutura com os poucos recursos disponíveis executada pelo genial Ministro Tarcísio Gomes de Freitas; a intensificação do combate ao crime organizado com Sérgio Moro, etc.
Porém, contra a ansiedade hipócrita da imprensa por resultados imediatos em poucos 06 meses de governo, sem apontar um único ponto positivo, nada como a boa pesquisa acadêmica séria. Estudando sobre a história da China e suas transformações políticas e econômicas (tema de pesquisa recorrente explorado por mim nos cursos de Administração e Contábeis), em particular as relações com o mundo, no livro Sobre a China (2011), do legendário Secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger, descobri a seguinte avaliação do velho Chanceler, ainda vivo e ativo aos 96 anos, portanto conhecimento e experiência sobre alternância de governos não lhe faltam:
“Como resultado dos limites de mandato, toda indicação presidencial até o nível de vice-secretário assistente é trocado pelo menos de oito em oito anos – uma mudança de equipe envolvendo pelo menos 5 mil posições-chave. Os sucessores têm de atravessar um prolongado processo de sabatina. Na prática, existe um vácuo durante os primeiros nove meses do governo eleito, que é obrigado a agir por improviso ou por recomendação do pessoal que permaneceu no cargo, conforme ele se ajusta para exercer sua própria autoridade. O inevitável período de aprendizado é complicado pelo desejo do novo governo de legitimar sua ascensão ao poder alegando que todos os dilemas herdados são culpa da política do predecessor (...). A continuidade de política se torna uma consideração secundária, quando não uma pretensão que provoca ressentimento.” (Kissinger, 2011: 367)
Notem, Kissinger está falando para os Estados Unidos, uma república democrática política e administrativamente amadurecida por mais de dois séculos de regularidade na alternância de governos, sem interrupção! Imaginem então como analisar comparativamente o Brasil! É preciso, portanto, boa ciência e seriedade contra a má fé ideológica da maior parte da imprensa.