Nos
últimos dias causou polêmica declarações do Governo Bolsonaro sobre
universidades federais brasileiras, em particular acerca de cursos de filosofia
e sociologia mantidos por estas instituições. Em resumo, as críticas afirmam
que estes cursos produzem mais militantes políticos do que profissionais do
conhecimento científico, objetivo primordial de uma universidade, sobretudo
quando os salários dos professores são financiados pelos “pagadores de impostos”,
que só para lembrar vai do mais humilde trabalhador ao mais rico empresário.
Provocando
incômodo no meio acadêmico as declarações do Governo revelaram a parte visível
e trágica de um problema que não é novo, cuja origem retrocede aos anos 40 do
século passado, quando as ciências sociais (sociologia e antropologia, só
depois a ciência política) começaram a se consolidar como disciplinas
acadêmicas no Brasil.
Naquela
época, Donald Pierson, sociólogo americano convidado para ajudar a implantar a
sociologia científica na universidade, insistia para que os alunos se ativessem
à objetividade dos fatos, orientada pela observação sistemática e descrição
precisa e numa boa coleta de dados empíricos. Assim, se evitaria a paralisia
interminável e relativista imposta pelo debate de ideias abstratas e,
sobretudo, deveria fortalecer o sociólogo contra a sedução das ideias
políticas.
Donald
Pierson estava correto, porém seu receio tomou forma! No decorrer das décadas a
sociologia e a antropologia foram perdendo rigor acadêmico, que é o resultado
de pressupostos epistemológicos sólidos e métodos de pesquisa empírica testados,
e, progressivamente, cederam espaço para teorias que passaram a se chamar
“narrativas”, comprovando assim, ironicamente, sua falta de contato com a realidade
dos fatos e dos dados, uma vez que qualquer um pode “narrar” qualquer coisa a
seu critério e gosto, sem se submeter à frieza da ciência feita com
profissionalismo.
Na
virada do século e do milênio, o alerta de Donald Pierson ecoava por meio de
Elisa Reis (1999) e Héctor Leis (2000). Ambos deploraram a corrosão do prestígio
científico e da relevância acadêmica das ciências sociais. Eu diria da maior
parte das ciências sociais, para resguardar aqueles que em minoria trabalham
como cientistas sérios.
Para
Elisa Reis, as ciências sociais se perderam no relativismo das análises, chegando
ao extremo de colocar sob suspeição a validade de suas próprias observações e
métodos, tudo se tornando uma questão de ponto de vista! Abdicou-se, assim, da
procura pela verdade, pois afinal essa tal de “verdade” não passava do viés
etnocêntrico do observador! Elisa percebeu que isto era um mergulho profundo no
irracionalismo “pós-moderno”, que tudo dissolve (“desconstrução”) em um mar de
indeterminação!
Por
outro lado, Héctor Leis identificou que as ciências sociais no Brasil abraçaram
alegremente a função de ciências da moral, procurando impor à sociedade as
visões de mundo inerentes às suas crenças políticas! Deixou-se de lado assim a
“regra de ouro” básica da sociologia científica: olhe para o mundo como ele é,
não como você gostaria que ele fosse!
Este
é o contexto cultural propício para o surgimento de militantes radicais e
obtusos: relativismo de pontos de vista, onde tudo pode ser verdade ou não e
nada pode ser criticado seriamente; e disseminação de utopias, sem nenhuma base
histórica ou empírica, como projetos de sociedades justas e harmoniosas.
O
que Donald Pierson percebeu nos anos 40 era o perigo de uma ideologia política “sem”
base científica se apresentar como teoria política “com” base científica, como
fez o marxismo, transformando as ciências sociais numa fábrica de militantes de
esquerda. De fato, Florestan Fernandes que foi inicialmente seu aluno promissor
aos poucos se afastou do grande mestre americano, na medida que se tornava um
dos principais divulgadores do marxismo nas ciências sociais brasileiras.
Sintomaticamente, o mesmo Florestan Fernandes ajudaria a fundar o PT nos anos
80!
Mas
o que difere ciência de uma ideologia?! O respaldado da ciência na objetividade
dos fatos e na rigorosa coleta empírica dos dados, deixando de lado o que é
especulação a respeito do que não existe. Esta separação é suficiente para
explicar por que o caminho tomado pelas ciências sociais nas universidades
chegou àquela situação caracterizada por Reis e Leis.
O
marxismo professado por Florestan Fernandes e gerações de sociólogos
influenciadas por ele em torno da USP, da qual faz parte Fernando Henrique
Cardoso, por exemplo, estava fundamentado numa especulação elaborada a partir
de uma ficção, portanto em algo inexistente (uma utopia): a existência de uma
sociedade socialista que se transformaria numa sociedade comunista!
Ora,
isto nunca existiu em nenhum contexto da história humana, o que significa que
gerações e gerações de professores e jovens estudantes acreditaram tolamente numa
ficção, que se vende como teoria científica mas não passa de uma ideologia
vulgar, pois contraria um critério epistemológico fundamental de
cientificidade: estar lastreada numa realidade concreta, empiricamente
constatável.
Recentemente,
no mês de abril, houve um debate nos Estados Unidos entre um teórico marxista
esloveno, Slavoj Zizek, e um psicólogo evolutivo liberal canadense, Jordan
Peterson. A primeira parte do debate (disponível no Youtube com legendas) foi
sobre ciência e ideologia.
Jordan
Peterson utilizou o Manifesto Comunista (de 1848) de Karl Marx e Friedrich
Engels, no qual se encontra a síntese do pensamento dos dois sobre a história
das sociedades, do capitalismo e do socialismo e destruiu todas as teses
defendidas, demonstrando que não passam de abstrações ficcionais, pois não
correspondem nem à história das sociedades e nem à realidade da natureza humana,
além de não possuírem enraizamento na hierarquia organizacional biológica das
espécies.
Por
exemplo, sociedades igualitárias como as propagadas pelo socialismo, que
deveriam evoluir para o comunismo, são abstrações ficcionais! Pois não há
relatos documentados ou comprovados de experiências societárias duradouras
desse tipo; além disso, não há descrições regulares de espécies com vida social
igualitária. Por consequência lógica, toda a teorização marxista sobre o mundo
fica comprometida, pois seus argumentos refletem mais os desejos dos autores do
que a crua realidade dos fatos!
Portanto,
professores e jovens alunos de ciências sociais que continuam a repetir por
décadas as velhas tolices marxistas veiculadas como teses, como bons
militantes, estão presos numa armadilha temporal (“loop”) preparada há uns 170
anos, que promete o paraíso mas entrega a miséria da ditadura e da fome, como
Venezuela, Cuba e Coréia do Norte representam de maneira eloquente!
A
propósito, como falei de ideologia, alerto aos leitores para que fiquem atentos
ao uso do conceito por jornalistas, notadamente da Globo e da Folha de São
Paulo. Eles procuram passar a mensagem de que o Governo Bolsonaro representa
uma ideologia que pretende substituir outra, a dos governos de esquerda do PT!
Isto é uma ação tática do chamado “marxismo cultural”, igualar concepções
teóricas científicas adversárias com ele mesmo sob a rubrica “ideologia”, com o
objetivo de rebaixa-las e “dissolve-las” na indiferenciação! Mas, voltarei a
isto no próximo artigo, no qual tratarei o “marxismo cultural”, fiquem espertos
com a diferença estabelecida entre ciência e ideologia: a realidade concreta
como base empírica!
Prof. Dr. Geraldo Filho (UFPI/UFDPar)