4 de mai. de 2019

Ciência e ideologia: entre a verdade e a ficção!


Nos últimos dias causou polêmica declarações do Governo Bolsonaro sobre universidades federais brasileiras, em particular acerca de cursos de filosofia e sociologia mantidos por estas instituições. Em resumo, as críticas afirmam que estes cursos produzem mais militantes políticos do que profissionais do conhecimento científico, objetivo primordial de uma universidade, sobretudo quando os salários dos professores são financiados pelos “pagadores de impostos”, que só para lembrar vai do mais humilde trabalhador ao mais rico empresário.

Provocando incômodo no meio acadêmico as declarações do Governo revelaram a parte visível e trágica de um problema que não é novo, cuja origem retrocede aos anos 40 do século passado, quando as ciências sociais (sociologia e antropologia, só depois a ciência política) começaram a se consolidar como disciplinas acadêmicas no Brasil.

Naquela época, Donald Pierson, sociólogo americano convidado para ajudar a implantar a sociologia científica na universidade, insistia para que os alunos se ativessem à objetividade dos fatos, orientada pela observação sistemática e descrição precisa e numa boa coleta de dados empíricos. Assim, se evitaria a paralisia interminável e relativista imposta pelo debate de ideias abstratas e, sobretudo, deveria fortalecer o sociólogo contra a sedução das ideias políticas.

Donald Pierson estava correto, porém seu receio tomou forma! No decorrer das décadas a sociologia e a antropologia foram perdendo rigor acadêmico, que é o resultado de pressupostos epistemológicos sólidos e métodos de pesquisa empírica testados, e, progressivamente, cederam espaço para teorias que passaram a se chamar “narrativas”, comprovando assim, ironicamente, sua falta de contato com a realidade dos fatos e dos dados, uma vez que qualquer um pode “narrar” qualquer coisa a seu critério e gosto, sem se submeter à frieza da ciência feita com profissionalismo.

Na virada do século e do milênio, o alerta de Donald Pierson ecoava por meio de Elisa Reis (1999) e Héctor Leis (2000). Ambos deploraram a corrosão do prestígio científico e da relevância acadêmica das ciências sociais. Eu diria da maior parte das ciências sociais, para resguardar aqueles que em minoria trabalham como cientistas sérios.

Para Elisa Reis, as ciências sociais se perderam no relativismo das análises, chegando ao extremo de colocar sob suspeição a validade de suas próprias observações e métodos, tudo se tornando uma questão de ponto de vista! Abdicou-se, assim, da procura pela verdade, pois afinal essa tal de “verdade” não passava do viés etnocêntrico do observador! Elisa percebeu que isto era um mergulho profundo no irracionalismo “pós-moderno”, que tudo dissolve (“desconstrução”) em um mar de indeterminação!

Por outro lado, Héctor Leis identificou que as ciências sociais no Brasil abraçaram alegremente a função de ciências da moral, procurando impor à sociedade as visões de mundo inerentes às suas crenças políticas! Deixou-se de lado assim a “regra de ouro” básica da sociologia científica: olhe para o mundo como ele é, não como você gostaria que ele fosse!

Este é o contexto cultural propício para o surgimento de militantes radicais e obtusos: relativismo de pontos de vista, onde tudo pode ser verdade ou não e nada pode ser criticado seriamente; e disseminação de utopias, sem nenhuma base histórica ou empírica, como projetos de sociedades justas e harmoniosas.

O que Donald Pierson percebeu nos anos 40 era o perigo de uma ideologia política “sem” base científica se apresentar como teoria política “com” base científica, como fez o marxismo, transformando as ciências sociais numa fábrica de militantes de esquerda. De fato, Florestan Fernandes que foi inicialmente seu aluno promissor aos poucos se afastou do grande mestre americano, na medida que se tornava um dos principais divulgadores do marxismo nas ciências sociais brasileiras. Sintomaticamente, o mesmo Florestan Fernandes ajudaria a fundar o PT nos anos 80!

Mas o que difere ciência de uma ideologia?! O respaldado da ciência na objetividade dos fatos e na rigorosa coleta empírica dos dados, deixando de lado o que é especulação a respeito do que não existe. Esta separação é suficiente para explicar por que o caminho tomado pelas ciências sociais nas universidades chegou àquela situação caracterizada por Reis e Leis.

O marxismo professado por Florestan Fernandes e gerações de sociólogos influenciadas por ele em torno da USP, da qual faz parte Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, estava fundamentado numa especulação elaborada a partir de uma ficção, portanto em algo inexistente (uma utopia): a existência de uma sociedade socialista que se transformaria numa sociedade comunista!

Ora, isto nunca existiu em nenhum contexto da história humana, o que significa que gerações e gerações de professores e jovens estudantes acreditaram tolamente numa ficção, que se vende como teoria científica mas não passa de uma ideologia vulgar, pois contraria um critério epistemológico fundamental de cientificidade: estar lastreada numa realidade concreta, empiricamente constatável.

Recentemente, no mês de abril, houve um debate nos Estados Unidos entre um teórico marxista esloveno, Slavoj Zizek, e um psicólogo evolutivo liberal canadense, Jordan Peterson. A primeira parte do debate (disponível no Youtube com legendas) foi sobre ciência e ideologia.

Jordan Peterson utilizou o Manifesto Comunista (de 1848) de Karl Marx e Friedrich Engels, no qual se encontra a síntese do pensamento dos dois sobre a história das sociedades, do capitalismo e do socialismo e destruiu todas as teses defendidas, demonstrando que não passam de abstrações ficcionais, pois não correspondem nem à história das sociedades e nem à realidade da natureza humana, além de não possuírem enraizamento na hierarquia organizacional biológica das espécies.

Por exemplo, sociedades igualitárias como as propagadas pelo socialismo, que deveriam evoluir para o comunismo, são abstrações ficcionais! Pois não há relatos documentados ou comprovados de experiências societárias duradouras desse tipo; além disso, não há descrições regulares de espécies com vida social igualitária. Por consequência lógica, toda a teorização marxista sobre o mundo fica comprometida, pois seus argumentos refletem mais os desejos dos autores do que a crua realidade dos fatos!

Portanto, professores e jovens alunos de ciências sociais que continuam a repetir por décadas as velhas tolices marxistas veiculadas como teses, como bons militantes, estão presos numa armadilha temporal (“loop”) preparada há uns 170 anos, que promete o paraíso mas entrega a miséria da ditadura e da fome, como Venezuela, Cuba e Coréia do Norte representam de maneira eloquente!

A propósito, como falei de ideologia, alerto aos leitores para que fiquem atentos ao uso do conceito por jornalistas, notadamente da Globo e da Folha de São Paulo. Eles procuram passar a mensagem de que o Governo Bolsonaro representa uma ideologia que pretende substituir outra, a dos governos de esquerda do PT! Isto é uma ação tática do chamado “marxismo cultural”, igualar concepções teóricas científicas adversárias com ele mesmo sob a rubrica “ideologia”, com o objetivo de rebaixa-las e “dissolve-las” na indiferenciação! Mas, voltarei a isto no próximo artigo, no qual tratarei o “marxismo cultural”, fiquem espertos com a diferença estabelecida entre ciência e ideologia: a realidade concreta como base empírica!

Prof. Dr. Geraldo Filho (UFPI/UFDPar)

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