Agora que aqui na Parnaíba junho é em julho, eu fico cá comigo lembrando o passado das quadrilhas e do bumba-meu boi do meu tempo de menino ali pelo bairro de Fátima. São duas festas que estas gerações presentes e as futuras nunca vão imaginar da magia de como eram feitas e o que representavam dentro da alma da gente, principalmente as crianças. Naquele tempo não havia esse negócio, essa invenção de “bumba-meu boi”. Era boi e pronto.
Nós tínhamos um vizinho chamado de João Surubaca. Rico de filhos e de ignorância. Descendia em linha direta dos afamados negros macaés do Catanduvas. Da extensa dinastia foi aquele que mais se projetou na vida. Chegou a ser guarda noturno do posto médico na Estrada de Ferro Central do Piauí, ali onde hoje é o Corpo de Bombeiros. Na revolução de 1964, quando de serviço, foi encarregado de não deixar ninguém sair ou entrar nos escritórios e nas oficinas. Deram um revólver pro danado do negro e quase que ele faz besteira se achando um marechal. Estava debaixo de ordem de não deixar escapar os comunistas!
Toda vez que recebia dinheiro era de comer dentro de uma bacia, dessas de dar banho em menino, na porta da rua pra todo mundo ver. Mas havia nele um gesto de gratidão com o mês de junho no dia de São João e data de seu nascimento. Todo ano trazia o boi pra dançar na frente de casa e pra toda a vizinhança ver. E aquele dia era de festa na casa dele e da mulher, dona Tomásia, afamada doceira. Muita bebida e muita comida pras caravanas de parentes vindos do Testa Branca e dos arredores da região do Floriópolis.
Naquela noite, por volta das oito horas lá vinha aquele cortejo debaixo de muita cantoria e de muito foguete. Dava gosto ver aquela apresentação. Os caboclos reais, todos uniformizados, armados de cacetes, com seus ricos penachos e aquela dança compassada. Depois vinham as figuras tradicionais do Folharal, do Pai Francisco, da Catirina, Cazumbá, do Cabeça de Lamparina. E desde a entrada na rua por aquela gente toda, com as mulheres e crianças acompanhantes, havia muito traque e foguete papocando no céu.
Quem por certo não havia de gostar nadinha de toda aquela zoada sem fim eram os meninos e os cachorros, tanto os da casa de João Surubaca quanto os dos vizinhos. Os meninos chorando, se esgoelando e pedindo pra irem embora.
Os cachorros ganhavam pra dentro de casa procurando um lugar seguro a fim de se esconderem de todo aquele barulho. Chegavam a se mijar de medo os pobres animais. E quantos não foram aqueles que tomaram sumiço e nunca mais ninguém teve notícia. Se embrenhavam pelo mato e pelos quintais dos vizinhos. Se jogavam nas lagoas de água da chuva procurando um lugar mais sossegado. Era um salve-se quem puder!
O presidente interino Michel Temer e alguns de seus mais próximos e fieis auxiliares, o Romero Jucá, o Elizeu Padilha, o Mendonça Filho, Renan Calheiros e outros mais que arquitetaram o impeachment de Dilma Rousseff estão feito aqueles cachorros e aqueles meninos do tempo do boi do Catanduvas na casa de João Surubaca. Se pelando de medo de traque e de foguetes. Estão correndo de perto até de quem acende um cigarro. Estão chorando e pedindo pelo amor de Deus pra não serem o próximo sobre quem se levanta alguma suspeita.
Vivem apontando os dedos uns pra os outros. Dedo mindinho, seu vizinho, maior de todos, fura bolo e cata piolho. Cadê o bolo que estava aqui? O gato comeu. Ninguém nesse atual governo interino é amigo de ninguém. Assim é agora a situação da política em Brasília. Presidente, senadores, deputados, ministros, presidentes de estatais, ninguém sabe qual a essa altura seja pior, se feito os meninos com medo de Folharal ou se os cachorros com medo de traques e foguetes.
(*)Pádua Marques é jornalista e escritor