Prof. Geraldo Filho (UFPI – 16/01/2016)
Depois de 13 anos infernais que assolam o país, chegando ao máximo nos últimos dois, que produziu uma estética absolutamente vulgar e pobre e deteriorou o que, como arte, tínhamos de melhor, a teledramaturgia das novelas; além de ter rebaixado ao rés do chão aquilo no qual sempre fomos medíocres, como a música, o teatro e o cinema; ontem foi ao ar o último capítulo da minissérie da Globo “Ligações Perigosas”, magistralmente estrelada por gigantes da arte de representar, com algumas décadas etárias de diferença: Aracy Balabanian, Patrícia Pillar e Selton Melo. Sem dúvida a expressão de que nestes tempos de escuridão mental ainda há esperança e vida inteligente!
“Ligações Perigosas” só pode ser apreciada em profundidade se houver conhecimento de história da moda (revolucionada por Madame Chanel); da música (o fundo musical marcado pelo charleston e o foxstrot); do teatro; do cinema, nascente como mudo; enfim, da “belle époque” francesa que viveu os últimos momentos com os horrores legados pela 1ª Grande Guerra. Isto prova que o gosto estético pode e deve ser cultivado e refinado ao longo de anos de bancos escolares e leituras. Portanto, não confundam arte com entretenimento e percam a esperança para o Brasil de hoje!
No caminho que leva do entretenimento à arte há um limite de qualidade que no Brasil poucos ultrapassam! E que pela força da demagogia populista dos anos recentes foi se tornando cada vez mais difícil, consequência do propósito ideológico de “vulgarizar” e “popularizar” – disfarçado com o apelo de “democratizar” e com financiamento público, de preferência da Petrobrás – o belo. Passou-se então a “glamourizar” as favelas (chamadas agora de “comunidades”, o que é uma violência à boa sociologia); a valorizar músicas monocórdicas, de composição gritada, que falam de tomar droga, álcool e subjugar as “cachorras”; uma moda horrorosa de bonés enfiados na cabeça (ridiculamente ao contrário!) e bermudas a qualquer hora do dia; um cinema e teatro que encenam majoritariamente comédias fraquinhas, sem nenhuma densidade e com evidente objetivo caça-níquel, por onde se repetem “pastiches” do humor nacional!
“Ligações Perigosas”, se os pais bem soubessem, obrigariam os filhos a assistir, serviria como vacina contra as dores da decepção amorosa. Além de se entrecruzarem pelos capítulos a filosofia greco-romana dos estoicos e epicuristas, dialogando com o ascetismo cristão católico de Mariana (com excelente desempenho de Marjorie Estiano: uma boa surpresa dramatúrgica!), desfilam o romantismo do século XIX (cujas raízes encontram-se na Idade Média trovadoresca e no nascimento do amor cortês) e o desencanto desesperado dos existencialistas do século XX.
Estas filosofias todas foram reunidas pela genialidade de Shakespeare nos casais Romeu e Julieta e Otelo e Desdemona: para concluir que o amor é trágico! No final os amantes morrem, enlouquecem ou se separam, nunca ficam juntos eternamente, como a crença comum entre os apaixonados.
Assim, um efeito pedagógico do bardo inglês para os mocinhos de hoje: não acreditem na eternidade do amor! O que me induz à lembrança o Imperador Adriano e suas reflexões sobre este sentimento, segundo a belga Marguerite Yourcenar, na obra-prima “Memórias de Adriano”:
“Muito consciente das minhas preferências amorosas, mesmo nesse campo temia a rotina” (YOURCENAR, Marguerite. Memórias de Adriano. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015, p. 113) Adriano (trata-se do imperador romano do segundo século DC; não confundam com o fracassado jogador brasileiro de futebol que recebeu – para ultraje da figura do Grande César – o apelido de “imperador”), era apaixonado pelo efebo (adolescente) Antínoo, e como todo homo ou hétero, pressentia o desgaste inevitável devido à convivência permanente com o amante.
A passagem a seguir ilustra definitivamente esta lição, ao analisar sua relação com Antínoo: “O hábito nos teria conduzido ao fim sem glória, mas sem desastre, que a vida oferece a todos que aceitam seu lento enfraquecimento pela saciedade. Teria visto a paixão transformar-se em amizade, como querem os moralistas, ou em indiferença, o que é mais frequente. O jovem se desligou de mim (Antínoo cometeu suicídio) no exato momento em que nossos laços teriam começado a pesar-me. Outras rotinas sensuais, ou as mesmas sob outras formas, ter-se-iam estabelecido em sua vida.” (YOURCENAR, Marguerite. Memórias de Adriano. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015, p. 153)
Apesar de sofrer com a ausência do seu grande amor, Adriano buscou forças no estoicismo de Atenas, cidade que lhe serviu como um segundo lar, e proferiu ensinamento, válido eternamente para as vítimas de Afrodite e seu filho Eros: “Ridicularizei as fidelidades apaixonadas que florescem sobretudo nos livros (...). Mais sensível do que julgava ser aos preconceitos de Roma, lembrava-me de que tais preconceitos admitiam o prazer, mas veem no amor uma mania vergonhosa. Em consequência, fui novamente dominado pelo desejo violento de não depener exclusivamente de ser algum.” (YOURCENAR, Marguerite. Memórias de Adriano. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015, p. 157)
O problema, para mês desconsolo, é que um quinhão reduzido dos pais brasileiros devem ter assistido “Ligações Perigosas”, e os que assistiram, provavelmente poucos compreenderam pra alem da tela da televisão! Voltamos para a estética das favelas, onde reina Regina Cazé e suas empregadas estilizadas com sotaque pernambucano.