Por: Pádua Marques(*)
Desde o início, a partir daquela cerimônia insossa de abertura da Copa da FIFA de Futebol no Maracanã, quando eu e mais uma pá de gente vimos aquela pobreza de espetáculo, que eu deixei de acreditar na Seleção Brasileira. Aquele espetáculo, aquele desfile de abertura, aquela pobreza de cenário, com aquela coisa horrorosa feita de papel de cartolina tal e igual se faz em escola de subúrbio, contraria o que o povo brasileiro entende como arte e ostentação. Foi a partir dali que eu passei a desacreditar no que a Seleção Brasileira mostraria em campo.
Porque o Brasil e seu povo, até por uma questão de identidade nacional, gostam do que é bom e bonito, com muito brilho e o que se viu naquele dia 12 de junho foi um espetáculo típico de festa de escola de jardim de infância. Desses que as professoras usam cartolina e pincel atômico pra pintar e adornar os meninozinhos e as meninazinhas com aquelas fantasias de índio ou de imperador. Pra quem conhece o Brasil e a sua cultura foi um insulto sem tamanho. E a Seleção Brasileira foi entrando em campo e eliminando a muito custo seus adversários. Quando ganhando, de times pequenos, sem história no futebol mundial.
E vieram outras seleções mais fortes e a brasileira começou a dar vexame. Empata daqui, perde dali, vai pra decisão em pênaltis mais lá na frente. E de repente o brasileiro passou a se dar conta de que já não detém o título honroso de melhor futebol do mundo. Porque o povo brasileiro tem na sua Seleção, seja ela dirigida pelo Felipão, o Parreira, o Batista do Catanduvas ou o Mário Boi, esta idéia de símbolo nacional, este lado sagrado de sua cultura e de sua identidade e que não e nunca pode sofrer desonra. Quando o Neymar Júnior levou aquele tostão nas costas o mundo caiu ciscando junto com ele.
E a coisa foi tomando vulto feito pantarma quando eu e os de minha geração nos tremíamos de medo de alma de outro mundo, como se dizia entre os grandes. E vieram as melhores seleções de futebol e nos encheram de taca. E a gente foi ficando igual time ruim de subúrbio. Desses que só ganham de time fraco dentro de casa tendo torcida e o juiz a favor. E noutras vezes ficam contando com uma contusão grave de um jogador adversário pra que o time cresça jogando na base do onze pra dez. Foi essa ideia que se criou no Brasil e no seu futebol nos últimos anos. Apostar na desgraça do outro pra se sentir importante e forte.
Aí veio a situação dos últimos jogos. Aquela surra de sete a um da Alemanha foi de lascar. Passei uns três dias sem meter a cara na porta. Dei febre e uma tremedeira feito menino quando anda na roda gigante. Senti quentes as palmas das mãos mais parecendo quando mãe Mina me dava uma meia dúzia de bolos de palmatória. Passei uns dois dias me assombrando até com a sirene da ambulância do SAMU na direção do Hospital Dirceu, vizinho daqui de casa. Ficava imaginando algum colega ou mesmo amigo tendo sofrido um infarto ou um acidente vascular cerebral. Ninguém pense que é brincadeira o que nós passamos. Vimos urso engravatado.
A Holanda acabou com a nossa possibilidade de ser a terceira seleção no pódio da FIFA. Tacou um três a zero. Os meninos dançaram sem música. Mais pareciam esses cantores de funk. Bonito pra nossa cara! Donos da casa e da festa e saindo pela porta dos fundos pra ir comprar bebida pros outros comemorarem. Feito aquele camarada que não tendo capital inventa de dar uma churrascada e convida a vizinhança, os amigos, os colegas de trabalho e outros mais confiado no bolso dos outros. Lá pelas tantas falta a carne, depois a cerveja e o refrigerante e ele acaba ficando refém da burra daqueles mais chegados. Ou mais lá na frente pendurando a conta no mercadinho da esquina.
Agora já foi. Passa feito dor de dente ou amor não correspondido. Não há dor que nunca passe. Corno sabe. E o brasileiro tem essa facilidade de, por maior e mais forte que seja a decepção ele sabe esquecer as ofensas. Da mesma forma que esquece rapidinho o nome da novela das oito. Tem memória curta. E esse negócio de encher a boca e dizer que não leva desaforo pra casa é pura mentira. Diz isso pra impressionar o inimigo. Leva sim desaforo pra casa. Só que esta ofensa nunca vai chegar lá. Vai ficar no boteco da esquina ou na primeira parada quando cumprimentar um colega pra falar de um monte de coisas ou pra falar e reclamar do governo.
Na primeira esquina joga a ofensa fora. Adianta levar pra dentro de casa algum aborrecimento trazido da rua? Até que é bom que assim seja. Não é povo de guardar rancor pro resto da vida feito esse pessoal ali das bandas do Oriente Médio. Seria bom se o brasileiro guardasse na lembrança em quem votou no seu período eleitoral. Lembrasse nome, endereço, telefone, CPF e a cara de quem ele colocou lá na Câmara Municipal, na Assembleia Legislativa, na prefeitura ou no palácio, seja dos Leões, das Princesas ou de Karnak. Se teve tempo e disposição pra confiar num time de futebol também deve ter tempo e disposição pra saber escolher quem vai ser seu representante.
(*)Pádua Marques é escritor e jornalista