A
sustentabilidade é o paradigma do mundo moderno que põe em xeque o atual modelo
de organização da sociedade que privilegia o aspecto econômico em detrimento do
social e do ambiental. Pressupõe um alinhamento entre estas três dimensões de
forma a atender uma qualidade de vida às presentes e futuras gerações, enquanto
ação ideológica que cuida das pessoas, utiliza os recursos naturais com
racionalidade e promove o desenvolvimento econômico. Mas, por que isso não
acontece?
Na
busca deste entendimento faremos um exercício reflexivo a partir da realidade
local. A história dos 169 anos do município de Parnaíba tem alguns períodos
históricos que demonstraram vigor econômico surpreendente, tivemos ciclos importantes,
como o da cera de carnaúba, do charque, aliado a um forte comércio que marcou a
economia regional e até nacional.
Vamos
a algumas reflexões: a primeira deve nos remeter a entender quem ganha com o
atual modelo? Ou seja, a pergunta clássica “onde estamos?”. Uma segunda reflexão deve
analisar se é possível um novo modelo que permita mais qualidade de vida para
todos? Respondendo aí “para onde queremos ir?”. E, por último, não basta entender um problema,
saber da possibilidade de solução, mas o importante também é buscar esta
solução. Então, refletir sobre “como chegar lá?”.
A
sustentabilidade deve nos levar a repensar a forma de organização social. Se o
atual modelo é dito “insustentável” como estabelecer um novo pacto? Aqui em
Parnaíba, estamos pensando o desenvolvimento sustentável como matriz de
planejamento?
Talvez
aqui encontremos resposta para muitas perguntas que estrategicamente não são
reveladas. A principal delas é entender porque que a questão ambiental é vista
e, às vezes, defendida pelos governos e governantes como algo da esfera
preservacionista, meramente. Ou seja, falar de meio ambiente é cuidar dos
bichos, das matas, dos rios, enfim, dos recursos naturais. Gente? Nem se fala!
Sabe-se,
no entanto, que falar da questão ambiental é isso e muito mais, é falar também
do esgoto que corre a céu aberto nas ruas; do lixo que às vezes é jogado na rua
pelo próprio cidadão e quando coletado, muitas vezes é lançado de forma
incorreta na sua disposição final; é falar de um sistema de saúde falido e que
não atende a quem precisa de cuidados médicos; é falar de uma educação que não
forma para a cidadania, quando muito leva instrução a uns poucos; é falar da
representação política que não tem qualidade, que não defende os interesses
coletivos; do avanço das drogas, da miséria e da fome, da violência, do
desemprego, da aculturação, das discriminações...
A
sociedade que deveria ser a protagonista, pois financia tudo, não é convocada
para discutir esses temas com lealdade. E, sabe-se que isso é parte de uma
estratégia de poder, de dominação. Torna-se urgente e necessário que as pessoas
entendam como estamos organizados socialmente, qual a lógica utilizada por quem
está no poder e a forma como planeja e executa as ações para não perder esse
poder.
Vê-se
que falar da questão ambiental enfocando a qualidade de vida humana pode mudar
o rumo. Por isso mesmo é perigoso! O perigo está na possibilidade das pessoas perceberem
que o que está errado é a forma como estamos (des)organizados e que é possível
implantar um modelo diferente. O que levaria a questionar toda a ordem estabelecida e por fim a sua substituição.
Utopia? Não. Tarefa difícil sim. Pois o “sistema” bem estruturado oferece
resistência que passa pela manutenção da pobreza (alimentando a dependência estratégica
da maioria) e pelos processos de corrupção (financiando as atividades
ilícitas).
Por
isso os governos e os governantes se aproveitaram e se aproveitam da
complexidade que é fazer uma discussão nesse nível. O momento econômico que
Parnaíba vive impulsionado pela recuperação que tivemos na economia nacional
esconde algumas mazelas e só fortalece o discurso hegemônico de que a cidade
está se desenvolvendo. Mas que tipo de crescimento, que modelo de
desenvolvimento nós estamos tendo? Qual o modelo que queremos? Quem decide o
que é melhor para nós? Uma gestão participativa, que inclusive auxilia um
gestor bem intencionado a bem cuidar do que é público, parece bem distante
destas pessoas. Mas, o conhecimento de que isso é importante eles têm, tanto que
fazem uso disso como uma mera forma de angariar simpatizantes.
Reproduzimos
aqui um modelo que é vigente em todo o mundo capitalista. A ideologia passada
em nosso meio é a de que a felicidade está em possuir uma casa de luxo, um
carro do ano e outras aquisições descartáveis que indicam poder, o problema é que
isso não é possível à grande maioria das pessoas. Basta passar rapidamente à
análise do estilo de vida das populações periféricas. Uma lástima...
E
assim, cada vez mais nos fragilizamos, nossas relações sociais vão perdendo o
elo vital, a sua humanização. Um enorme contingente populacional desprotegido
precisa também comer, vestir, se divertir e não tendo esta condição termina
caindo no mundo da corrupção, da criminalidade, da prostituição, das drogas e
da violência. Ninguém nasce para ser prostituta ou bandido, isso, é uma
invenção da nossa sociedade.
A
análise do cenário das relações sociais de Parnaíba nos remete a compreender
que vivemos uma crise civilizatória e não uma crise ambiental. O desenvolvimento
sustentável aponta respostas para esta crise. Está patente que o “sistema”
não vai abdicar da sua zona de conforto, nem promover este novo modelo de
organização em nossa sociedade. É preciso que haja uma discussão que surja do
próprio seio da nossa sociedade. Nós devemos provocar esse momento e pressionar
governos e governantes a estabelecerem um diálogo franco e aberto com a
perspectiva que permita um novo pensar e agir coletivos.
__________________________________
(*) Fernando Gomes, sociólogo, cidadão,
eleitor e contribuinte parnaibano.