Quase tudo que não serve e vai parar na lixeira é recriado pelo parnaibano. Além de aventurar pelas artes plásticas, Zé de Maria canta blues.
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Zé de Maria posa ao lado das máquinas de datilografar
doadas pela Casa Inglesa (Foto: Patrícia Andrade/G1)
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Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma’. A frase popularizada do químico frânces Antoine Lavoisier pode ser muito bem aplicada à rotina do piauiense Zé de Maria. Boa parte do lixo que ele vê pelas ruas da cidade de Parnaíba, no Litoral do Piauí, logo vira uma instalação artística. Plástico, vidro, ferro, papéis, quase tudo que não serve e vai parar na lixeira é recriado pelo parnaibano.
Zé de Maria não sabe precisar quantos objetos já retirou do lixo, mas basta dar uma volta pela sua casa, localizada no Centro de Parnaíba, para ver que o trabalho de recolher materiais e reciclar já tem bastante tempo. A julgar pelo evento ‘Janeiro Arte’, que ele idealizou e que vai completar 21 anos em 2014, o acervo já é bem grande.
“O Zé serve como uma antena, captando e emitindo cultura, com a façanha de ser querido por todos" Helder Sousa, secretário municipal de cultura.
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Parnaibano troca dragão por cão dálmata em recorte com
figura de São Jorge (Foto: Patrícia Andrade/G1)
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“É um trabalho de formiguinha. Todo dia vou pegando uma coisa e guardando para depois transformar em uma peça de arte”, resume Zé de Maria.
Máquinas de costura, panelas, garrafas de vinho, carcaças de máquinas de datilografar, discos de vinil e até mesmo um velho leiteiro viraram instalações de arte na exposição denominada ‘Planeta Água Viva’. As garrafas de vinho, por exemplo, foram transformadas em luminárias. Já os vinis viraram relógios.
De acordo com Zé, as máquinas de datilografar foram doadas pela Casa Inglesa, casarão construído em 1814 pelo inglês Paul Robert Singlehurst e tombado pelo patrimônio histórico.
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Garrafas de vinho se transformam em luminárias e
decoram pousada (Foto: Patrícia Andrade/G1)
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É ele quem assina a decoração de uma das pousadas mais antigas localizadas no Complexo Turístico Porto das Barcas, a Pousada Porto das Barcas. Foi lá que ele já recebeu de alguns hóspedes o apelido de ‘Andy Warhol do Piauí’, por suas criações cheias de cores berrantes e também suas colagens lembrando um pouco a obra do artista multimídia norte-americano.
Um dos recortes de Zé de Maria recria a figura de São Jorge. Na obra do parnaibano, o santo padroeiro dos escoteiros e do Exército Brasileiro troca o dragão por um cão da raça dálmata. Outras colagens mostram santos ao lado de anjos e frutas numa mistura que quase beira o surrealismo.
“Algumas pessoas acham estranho e não entendem muito bem o que é o Zé quer dizer com a sua arte. Outros elogiam bastante e falam que lugar mais exótico não há”, contou o recepcionista da pensão Jonas Araújo.
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Zé de Maria diz que tudo pode virar arte e luxo
(Foto: Patrícia Andrade/G1)
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Alguns famosos nem sabem, mas foram homenageados pelo piauiense, como é o caso do ex-jogador e deputado federal Romário, que é lembrado através de um pequeno boneco que recebeu o título de Anjo Romário. O piloto Airton Senna também dá nome a uma das obras de Zé de Maria.
“O que faço é transformar o lixo em arte, em luxo. O lixo industrial vem para cá em forma de arte e deixa de ser uma agressão para a natureza. Nada se perde. Tudo pode virar uma obra artística”, rebate Zé.
A carcaça de um monitor para computador foi transformado pelo piauiense em uma espécie de jarro e hoje está pendurada em uma das paredes da Pousada Porto das Barcas.
A mania de sair catando o que vê pela sua frente nem sempre tem uma boa recepção. Recentemente Zé teve problemas com a Polícia Militar ao levar para o Complexo Turístico Porto das Barcas peças já enferrujadas de antigas embarcações. Quem trabalha pelo local não gostou da ideia e chamou os policiais para intervir. Não teve jeito. Zé Maria disse que as peças não se tratavam de lixo e que virariam instalações artísticas.
“Vou transformar tudo isso”, disse ele apontando para o ferro velho.
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Artista uniu vários elementos para homenagem
à Copa do Mundo (Foto: Patrícia Andrade/G1)
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Funcionário público, Zé de Maria é conhecido pela cidade de Parnaíba por ser um dos maiores agitadores culturais, artista plástico e fazer as vezes de cantor. Ele já dividiu o palco com o cantor Teófilo Lima em um evento também criado por ele para resgatar o blues e a MPB no cenário local. No ‘Butiquins e Blues’, Zé de Maria solta a voz e consegue arrancar aplausos e boas risadas do público. Um dos vídeos foi publicado na internet.
“O Zé de Maria respira arte e é a arte que respira”, descreve Teófilo Lima.
O artista aproveitou o clima da Copa das Confederações para caracterizar um velho manequim de boutique. A bandeira do Brasil foi transformada em uma saia, que fez composição com uma blusa trabalhada em pedrarias e ainda um chapéu bem carnavalesco. “Essa já foi pensada também na Copa do Mundo do próximo ano”, disse.
Zé lembra que mesmo sem patrocínio já conseguiu levar parte do que criou para fora do estado como para uma exposição no Hotel Galeria 13 em Salvador, na Bahia.
Para o secretário municipal de cultura, Helder Sousa, Zé de Maria é uma figura irreverente e original. "O Zé de Maria ocupa um grande espaço dentre as singularidades da cultura parnaibana. O fato é que ele não se limita em uma só arte e acaba presente em todos os cenários, interagindo com todos, estimulando produções, e assim servindo como uma antena, captando e emitindo cultura, com a façanha de ser querido por todos", descreveu.
Segundo o secretário de cultura, quem teve o prazer de conhecer o Sabor e Arte, restaurante que Zé de Maria manteve por alguns anos no Porto da Barcas ou ainda conferir os shows Butiquins e Blues e as edições do Janeiro e Arte sabe que a criatividade do parnaibano Zé não tem limite.
"Quem conheceu outras produções que se solidificaram na memória dos parnaibanos e dos que nos visitam nossa cidade sabe que não falo por falar", acrescentou Helder Sousa.
O acervo do piauiense conta ainda com telas que foram produzidas por alunos da rede pública de ensino e que segundo ele, foram resgatadas do lixo.
“Essa é uma prova da desvalorização da arte. Os alunos são chamados a produzir as telas e depois tem o seu trabalho artístico jogado no lixo. É uma tremenda falta de respeito com a arte e com os estudantes”, disse.