O novo juiz do Supremo Tribunal, Luiz Fux, é faixa
preta em jiu-jítsu. Carioca de 57 anos, foi surfista, tocou guitarra numa banda
de rock, The Five Thunders (“Os cinco trovões”). Aluno brilhante de escolas
públicas, Fux tornou-se, na semana passada, o ídolo dos fichas-sujas. A decisão
do juiz de adiar a Lei da Ficha Limpa para 2012 lavou o passado de políticos
que há muito tempo violam o Artigo 14 da Constituição. Este sim deveria ser o
artigo intocável. É o que prega a moralidade na vida pública.
Fux acredita que continua a ser o mesmo lutador da
juventude. “Na minha época, os professores de jiu-jítsu davam o exemplo da
retidão”, escreveu, em depoimento para a Uerj, onde se formou em Direito. Em
seu primeiro voto polêmico, Fux não pode ser criticado por desrespeitar a
legislação. Baseou-se nela para desempatar os votos dos colegas. A Lei da Ficha
Limpa, de iniciativa popular, com 1,6 milhão de assinaturas, foi aprovada no
ano passado e sancionada pelo Congresso e por Lula. Tornava inelegíveis os
políticos condenados por improbidade, corrupção, abuso de poder econômico,
quebra de decoro. Fux elogiou a lei, mas concluiu que ela não poderia valer
para 2010, já que, pelo Artigo 16 da Constituição, mudanças em leis eleitorais
precisam ser aprovadas até um ano antes do voto.
O palavreado no Supremo costuma ser rebuscado. “A
Lei da Ficha Limpa, no meu modo de ver, é um dos mais belos espetáculos
democráticos, posto que é uma lei de iniciativa com escopo de purificação no
mundo político”, começou Fux, em sua média inicial com a torcida do povo
brasileiro, que não aguenta mais tanta impunidade em campo. E continuou: “Um
dispositivo popular, ainda que oriundo da mais legítima vontade popular, não
pode contrariar regras expressas no texto constitucional.”
Acontece, senhor juiz, que os fichas-sujas vêm
contrariando regras expressas no texto constitucional muito tempo antes de a
lei ser aprovada. Caso levássemos a Constituição à risca, dezenas de políticos
não poderiam estar no Congresso nem disputar as eleições de 2010. Um dado me
convence de que validar a Ficha Limpa já nas últimas eleições não equivale a
rasgar o texto da Constituição: o voto de cinco juízes do Supremo. Foram
favoráveis à aplicação imediata da lei: Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto,
Cármen Lúcia, Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski. Todos estudaram Direito, chegaram
ao STF e fizeram uma opção. Entre o Artigo 16, que fala da “anualidade”, e o
Artigo 14, que fala da “moralidade pública”, esses cinco juízes ficaram com o
último. Preferiram interpretar a Constituição não sob o mérito do calendário,
mas dos valores e da integridade.
Os fichas-sujas vêm contrariando o
texto constitucional muito tempo antes de a lei ser aprovada
Como o jogo não acabou em goleada, mas em simples
desempate na prorrogação – 6 a 5 –, o juiz Fux e seu time não convencerão a
arquibancada de que agiram em prol dos interesses nacionais. Quem comemora são
os políticos profissionais com rabo preso, flagrados em golpes baixos, dinheiro
na bolsa, dólares na cueca – e até os que ainda não foram flagrados pelas
câmeras do tira-teima. Porque, não tenham dúvidas, voltamos quase à estaca
zero. Quem é ingênuo a ponto de acreditar que a Lei da Ficha Limpa está
automaticamente aprovada para 2012? “O STF não derrubou a lei...pelo menos não
por enquanto”, disse a juíza Ellen Gracie. Por enquanto, o juiz Fux limpou o
caminho de Jader Barbalho e companhia (leia mais).
Se a cronologia é nosso guia, já podemos escalar os
centroavantes do STF, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Cezar Peluso. Eles
argumentam que ninguém pode ser barrado no campeonato eleitoral se tiver
cometido um crime antes da edição da lei. Isso significaria, na prática,
anistia para todos os políticos condenados antes de junho de 2010. A Ficha
Limpa, comemorada pela sociedade como o início da faxina pública, na verdade
passaria a valer apenas como um cartão amarelo.
Esqueçamos tudo, brindemos à amnésia nacional, e,
daqui para a frente, não se esqueçam, deputados, senadores, prefeitos,
governadores e juízes: ninguém poderá mais roubar e multiplicar seu patrimônio
à custa do povo. Porque isso contraria uma cláusula pétrea da Constituição. Deu
para entender?
Por RUTH DE AQUINO
é colunista de ÉPOCA
Edição Blog do Pessoa