19 de fev. de 2023

Simplício Dias e a M0EDA pra Nossa Senhora da Graça

A moeda pra Nossa Senhora da Graça que Simplício Dias tomou de um escravo

A moeda pra Nossa Senhora da Graça que Simplício Dias tomou de um escravo

 Por Pádua Marques

Apresentação

Conheça agora a história do escravo que achou uma moeda, mas que não pode ficar por ser um simples escravo.

Um conto que envolve história e ficção retratando a humilhação de um escravo em Parnaíba no século XIX.

Você pode continuar lendo ou simplesmente continuar desconhecendo Parnaíba.

Faça parte do grupo de pessoas que conhece a história da cidade. Leia, reflita e conheça suas origens.

Leia  e conheça a história do escravo que teve seu momento de alegria frustrado

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Você vai conhecer agora esse conto ficcional rico em detalhes de como era a situação do trabalhador do Porto das Barcas na época que Simplício Dias era o grande Coronel da economia e da política piauiense. Um conto de Pádua Marques, um grande nome da literatura contemporânea piauiense, publicado no livro 20 Contos para Simplício Dias.

Vinte Conto para Simplício Dias
Vinte Conto para Simplício Dias, para ADQUIRIR um livro Autografado acesse AQUI.

Esse conto retrata o momento da construção da alfândega de Parnaíba no Porto das Barcas.

Alfândega Imperial
Antiga Alfândega Imperial, reformada pela Fecomécio

A Moeda pra Nossa Senhora da Graça

Simplício Dias vai ver as Obras

Simplício Dias estava pedindo pressa naquelas obras da alfândega da Parnaíba, já autorizada pelo rei dom João VI há dois anos. Ele descia de casa no rumo do cais do Porto Salgado, acompanhado do escravo Elias. Andava entusiasmado com o movimento no porto e naquela manhã saía pra ver de perto o serviço na nova repartição. Não era lá de deixar o sobrado e a companhia de dona Isabel Thomásia, sua mulher, dos filhos e dos criados.  

Simplício Dias não gosta de andar pela rua

Av. Getúlio Vargas. Primeiro plano a residência onde hoje é o hotel Delta, em seguida a Casa de Simplício Dias em Parnaíba.
Av. Getúlio Vargas. Primeiro plano a residência onde hoje é o hotel Delta, em seguida a Casa de Domingos Dias em Parnaíba.

Não era de gostar e nem poder mais andar pelo meio da rua na Parnaíba. Já temia pela vida e evitava o de sempre, alguém pedindo isso ou aquilo, um adjutório pra um filho estudar em São Luiz ou no Recife, um batizado ou casamento, uma vaga no serviço de sua casa ou das repartições do governo, essas coisas. Mas naquela manhã achou de sair depois do café e seguiu pela rua até o cais. Lá estavam os barcos e canoas, vindos de Tutoia no Maranhão, e de Ilha Grande de Santa Isabel, desembarcando tudo em quanto era tipo de mercadoria. 

Simplício Dias chega ao cais

E naquele sobe e desce de gente, de negros e embarcadiços nus da cintura pra cima dando no meio da canela, aos gritos, o cheiro forte de aguardente, suor, farinha e de sacos úmidos de maresia, Simplício ia se aproximando do cais e o movimento ia crescendo. Ao verem aquele homem tão importante e tido como poderoso aquela gente ia abrindo caminho e os de mais posses e projeção tirando os chapéus naquela reverência costumeira. 

O Negro Elias, um presente do compadre

Elias era um negro baixo, de pouca graça, os caroços dos olhos amarelados, como quem teve dordolhos, com pouco mais de quarenta anos. Foi presente de um compadre de São Luiz, no Maranhão. Tinha só um braço e caxingava da perna direita. Contava que aquele aleijão foi coisa de uma briga com um paraense por causa de serviço no cais. Andava a pouco menos de dois passos de Simplício sempre que o patrão saía à rua. Por dentro da calça de algodão ordinário, uma enorme faca. Mas que ninguém lhe imaginasse sem um braço não ter destreza. 

O Cais era lugar de homens

Simplício ia sendo cumprimentado aqui e ali mais na frente cumprimentando um capitão de navio, um dono de carga de algodão, oficiais da Marinha e gente mais de feição e bem vestida, vinda de São Luiz e até da França entre os embarcadiços. Mas no meio daquele mundo de gente não andavam mulheres. A rua e o cais eram de homens e para os homens.

Simplício Dias ver um Negro pegar alguma coisa no chão

Simplício e Elias estavam quase chegando à esquina do porto, pra direita, em direção à alfândega quando de longe um negro se abaixou pra pegar alguma coisa no chão. Olhou pra um lado e pra o outro e foi logo colocando a moeda no bolso. Mal deu tempo da moeda esquentar na mão calosa. O coronel da vila da Parnaíba viu e apressou o passo. Antes que o negro se perdesse no meio dos outros estava perguntando quem era e quem era seu dono.

A Igreja era de Simplício Dias

Sem resposta de imediato e tomado pelo susto o negro ficou arquejando de medo. Achou ou roubou aquele dinheiro? Achado não era roubado, calculou responder. Mas se limitou a dizer que quando era achado por um cativo e esse cativo não tinha dono, o achado era de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo. E Deus estava na igreja e a igreja estava lá no alto e era do senhor Simplício Dias da Silva, por merecimento governador da Parnaíba! 

Disse daquele jeito submisso de quem pedia amparo. Logo, aquela moeda era do coronel. Tremendo feito uma vara de pé de sabiá verde, o negro baixou a cabeça e foi logo entregando o achado pra Simplício Dias, que no tempo de um piscar de olho colocou a moeda no bolso da calça. 

Elias serviçal de cuidados extremados

Elias ao ver o rosto de seu dono coberto de suor foi logo pegando um lenço de algodão meio encardido e o enxugou. Era sua função além da segurança pessoal ser serviçal de cuidados extremados. Simplício ainda olhou pra um e pra outro como que mandando que concordassem com sua medida e foi saindo devagar em direção às obras da alfândega naquele final de novembro. 

Pra que negro com dinheiro?

O negro estivador, que até bem pouco tempo estava achando que tinha sorte demais na vida com a moeda, foi saindo e se perdendo no meio dos outros. Simplício agora estava dando ordens no meio dos operários na obra da alfândega. Um pouco longe do cheiro de sacos de algodão, de fumo e carne seca naquele cais cheio de mercadorias empilhadas pra embarque. Meteu a mão no bolso e se sentiu satisfeito. Olhou pra Elias e deu um resmungo curto.

Pra que negro com dinheiro?  

Pra gastar com mulher da vida e com aguardente, fumo pra mascar e depois sair caçando confusão até ser preso e levar surra amarrado em tronco?

Deixasse aquela moeda em quem sabia e conhecia valor de dinheiro! Negro não sabia valor de dinheiro! Negro não sabia nem rezar um Pai e Nosso e queria ficar com dinheiro?

Dinheiro era da santa, Nossa Senhora da Graça. Lá no cofre estava seguro.

Conclusão

Simplicio Dias foi o herdeiro de Domingos Dias da Silva, o grande comerciante de charque, o homem mais rico da região, o construtor da Casa grande da Parnaíba. Casa que atraui o crescimento da cidade para o seu entorno.

Casa de Domingos Dias em Parnaíba
Casa de Domingos Dias em Parnaíba

Simplício Dias deu sequência aos negócios do pai e se tornou íconi da história da Parnaíba e do Piuaí. Ganhando destaque no cenário político nacional como um baluarte da independência do Brasil na região.

Neste conto você pode perceber, embora sendo uma ficcção, o grande poderio deste coronel e seu domínio sobre os pequenos acontecimentos da vida cotidiana. Segundo Pádua Marques, Vinte Contos é uma analogia e uma alusão à moeda da época, o conto de reis, e ao mesmo tempo, uma ironia ao homem mais rico da Parnaiba.

Espero que tenha gostado! Veja mais contos sobre Simplício Dias.

Para saber mais sobre a chegada e o apogeu da família Dias da Silva leia também: Descubra a história por trás da Casa de Domingos Dias:

Fonte

Silva, Antônio de Pádua Marques. Vinte Contos para Simplício Dias. Teresina: Gráfica do Povo, 2020.

* Pádua Marques, da Academia Parnaibana de Letras e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba, colaborador do O Piagui. 


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