12 de dez. de 2021

Joaquim Nabuco e Oliveira Vianna e os infortúnios da República! – Parte 1

Prof. Dr. Geraldo Filho (UFDPar – 11/12/2021)

O sociólogo alemão Niklas Luhmann apontou uma questão cuja resposta permite a existência de sociedades de humanos que misteriosamente adquiriram a “consciência de si” (portanto, “sabem” que existem como pessoas singulares) em contraposição às outras espécies que também vivem em sociedades, cujos participantes “não têm a consciência de si” (portanto, “não sabem” que existem, apenas “sentem que existem”). Isto não é um jogo de palavras, mas a descrição fundamental da condição emocional precária e instável de seres que passaram a “compreender” que nasceram, porém não pediram para nascer; “compreendem” que são mortais, no entanto não querem partir; “compreendem” que têm necessidades e desejos, contudo não podem satisfazer a maioria! Diante deste quadro desalentador a questão indicada por Luhmann é: Como podem os humanos construir a ordem social de cada sociedade para conseguirem viver em paz?! Ou, de outra maneira, como podem minimamente chegar a um consenso no qual as exigências da coletividade também permitam a manifestação das características inerentes a cada pessoa original?! (LUHMANN, 2018)

Por óbvio as respostas à questão são tensas e inacabadas, elas formam o conjunto de todas as sociedades que resultaram da experiência histórica da espécie sapiens no planeta, dentre elas a brasileira. Uma conclusão se impõe: Nenhuma delas atingiu padrão totalmente satisfatório para os desafios de uma ordem social ideal! Os humanos têm de se contentar com “aproximações” de uma ordem que equilibre imposições da coletividade com expressões de individualidades. Por que é tão difícil a coquista deste equilíbrio?!

Provavelmente porque a aquisição da “consciência de si” ainda não se provou suficientemente vantajosa (pelo menos sob a perspectiva emocional) para a evolução adaptativa da espécie sapiens!

Sim, na perspectiva estritamente biológica os sapiens se espalharam pelo planeta e colonizaram todos os biomas, tornado-se a espécie dominante (WILSON, 2013). Mas, por outro lado, quais as vantagens de tudo isto se a “consciência de si” expõe toda a fragilidade emocional e impotência diante das limitações da existência?! Aqui se chega à encruzilhada entre o mundo da ciência sociobiológica e o mundo divino, cuja intersecção explicativa foge às capacidades cognoscitivas humanas. Diria somente: Eis o mistério da fé! 

Tendo em mente que não há ordem social ideal, apenas “aproximações” que equilibram de maneira débil coletividade X individualidade, observem o Brasil e seu ordenamento político, que foi construído na transição do Império para a República.
A ordem social de uma sociedade é representada pelas instituições políticas que criam o ordenamento político. No Brasil da independência esse ordenamento se constituiu como Império, no qual o Imperador era Chefe de Estado e Chefe do Poder Moderador; o Primeiro Ministro, por sua vez, escolhido pelo Imperador no Parlamento (Poder Legislativo) era o Chefe de Governo (Poder Executivo), com a obrigação de formar um “gabinete” para administrar o vasto território imperial.

Ao se analisar de uma distancia temporal de quase 200 anos o arranjo político concebido por Pedro I, consagrado pela Constituição de 1824, que uniu o Principio Absolutista dos antigos estados nacionais monarquistas da Europa (o Poder Moderador, acima dos demais poderes, tendo a função de mediar possíveis conflitos entre eles) com o Principio Parlamentar (o “gabinete” ministerial) das repúblicas democráticas (que estavam germinando desde a Carta de João Sem-Terra, na Inglaterra de 1212), constata-se que ele obteve sucesso, pois perdurou por 65 anos, até 1889, com a Proclamação da República, até hoje o mais longo período de estabilidade política do Brasil independente. Período marcado por convulsões internas e guerras externas, que, no entanto, não abalaram os alicerces lançados pelo gênio político do primeiro imperador. Por que foi assim?!

Apesar de inspirado no ordenamento político representado pela monarquia parlamentar inglesa, Pedro I percebeu que suas instituições políticas não poderiam ser replicadas literalmente no Brasil, objetivo dos constituintes de 24, que almejavam neutralizar o poder de comando do Imperador, como fizeram os nobres na Inglaterra, ao transformarem o Rei em Chefe de Estado, uma instituição política cerimonial, sem função executiva alguma. Como um sociólogo na função de cientista político Pedro I notou que a formação histórica e geográfica do Brasil pulverizou pelas províncias (os antigos estados) grupos sociais com interesses estritamente circunscritos às próprias regiões de influencia política e econômica, sem qualquer dimensão de interesse nacional (VIANNA, 2000), de unidade nacional, cuja única instituição política concreta era simbolizada pelo Imperador e a Corte.

Os arroubos republicanos dos constituintes de 24 certamente levariam à fragmentação do imenso território imperial em pequenas nações independentes (como aconteceu após a desintegração do Império Espanhol nas Américas), que dentro de pouco tempo iriam à guerra em decorrência das tendências expansionistas dos grupos locais de cada província, consequência natural das atividades econômicas, agrícolas ou de pecuária extensivas, que obrigavam a procura por terras agricultáveis e recursos hídricos.

Conforme sua intuição política Pedro I fechou a Constituinte e outorgou a Constituição de 1824, salvando a integridade nacional ao adotar uma monarquia parlamentar com o Poder Moderador. Assim, centralizou o poder no Trono, como uma força centrípeta a segurar as oligarquias provinciais na sua órbita, arbitrando os interesses dos clãs políticos no Parlamento da Corte, dividido em liberais e conservadores. Esse arranjo institucional eficiente foi legado a Pedro II até 1889, quando foi destruído pela República.

A República fez um mal terrível ao Brasil, cujas consequências o atingem 132 anos após a Proclamação! O mesmo legado de instabilidade política e desordem social que os franceses receberam como herança da Revolução de 1789 os brasileiros receberam como resultado de 1889, exatos 100 anos depois. 

O reconhecimento factual disto não significa, por outro lado, que a ordem social do Império fosse a ideal, afinal havia o problema da escravidão, no entanto esse desafio estava sendo enfrentado e resolvido nos limites da visão conservadora que caracterizava toda monarquia secular e a brasileira não seria exceção (herdeira de longa tradição dinástica: Bragança e Habsburgo). Não significa também que a visão econômica dos conservadores e liberais do Império fosse a mais adequada, pelo contrário, entre eles predominava forte influência da tradição econômica francesa fisiocrata, pela qual a riqueza verdadeira era a extraída da terra e não a resultante das atividades fabris de transformação que se disseminavam velozmente no século XIX, em decorrência das revoluções industriais.

O reconhecimento da relativa estabilidade política do Império, sobretudo durante o reinado de Pedro II, apontava para um caminho de reformas que vinham sendo realizadas por gabinetes (“pasmem”) conservadores (de acordo com o espírito da teoria conservadora inglesa!), lentas é verdade, mas que progressivamente levariam o país para a modernização segura! E quem atesta isso é Joaquim Nabuco, um dos mais importantes políticos e diplomatas do Brasil, pouquíssimo conhecido (a não ser por nome de rua!) e nunca estudado nas faculdades de sociologia e direito do país, quando, no entanto, teria muito a ensinar as gerações atuais de professores e alunos.

A autobiografia Minha formação, escrita em 1900, da qual destacarei a dimensão política, descreve sua conversão de um jovem republicano radical, iconoclasta, em um defensor da monarquia parlamentar. Os argumentos de Nabuco para justificar a transformação pessoal revelam raciocínio arguto que, cedo, percebeu os perigos para a nação do radicalismo revolucionário de qualquer natureza, seja republicano ou socialista.

A maturidade dos 51 anos, quando escreveu Minha formação, transparece na lembrança dos tempos de Colégio Pedro II (1860-1865) e na imagem do pai: 

(...) eu não tinha sido ainda invadido pelo espírito de rebeldia e independência, por essa petulância da mocidade que me fará mais tarde, na Academia, contrapor às vezes o meu modo de pensar ao dele [seu pai, senador Nabuco de Araújo], em lugar de apanhar religiosamente, como faria hoje, cada palavra sua. (NABUCO, 2004, p. 18)

Em seguida relata como ao entrar na “Academia”, Faculdade de Direito de São Paulo, em 1866, aos 16/17 anos, tomou contato com o liberalismo igualitarista republicano, iniciando batalha interior que só encerrou com o contato com as ideias de Walter Bagehot sobre a monarquia parlamentar inglesa:

Na situação em que fui para São Paulo cursar o primeiro ano da Academia eu não podia deixar de ser um estudante liberal. (...) 
As minhas ideias eram, entretanto, uma mistura e uma confusão; havia de tudo em meu espírito. (...)
Posso dizer que não tinha ideia alguma, porque tinha todas. (NABUCO, 2004, p. 18-19)

Nabuco não sabia, mas a profusão de ideias e indefinições é própria de um cérebro adolescente/jovem em reprocessamento no caminho da maturidade, fenômeno comprovado pala neurociência e pela sociobiologia faz pouco tempo (COSTA FILHO, 2018), o que implica, muitas vezes, tomada de decisões equivocadas, que só serão corrigidas com arrependimento (quando acontece) décadas depois:

Quando entrei para a Academia, levava minha fé católica virgem; sempre me recordarei do espanto, do desprezo, da comoção com que ouvi pela primeira vez tratar a Virgem Maria em tom libertino; em pouco tempo, porém, não me restava daquela imaginação senão o pó dourado da saudade... Ao catolicismo só vinte e tantos anos mais tarde me será dado voltar por largos circuitos [caminhos] de que ainda um dia, se Deus me der vida, tentarei reconstruir o complicado roteiro. (NABUCO, 2004, p. 19)

Quanto à guerra interior entre convicções monarquistas e republicanas que opunha na arena política do Império conservadores e liberais monarquistas (incluindo seu pai) contra liberais republicanos radicais ela se decidiu quando leu A constituição inglesa (1867), de Walter Bagehot:

Seria difícil colher-se em todo o meu pensamento resquício de tendência conservadora. Liberal, eu o era de uma só peça; o meu peso, a minha densidade democrática era máxima. (...)
O que me decidiu foi A constituição inglesa de Bagehot. Devo a esse pequeno volume, que hoje não será talvez lido por ninguém em nosso país [imaginem atualmente, nem Bagehot e nem Nabuco!], a minha fixação monárquica inalterável (....). (NABUCO, 2004, p. 20)

De acordo com Nabuco, Walter Bagehot identificou a consistência da ordem política da Inglaterra na instituição do “governo de gabinete”, resultado de séculos de aperfeiçoamento da monarquia parlamentar. No livro, Bagehot esclareceu ainda dois equívocos sobre a Constituição do país:

É ele [Bagehot] quem destrói os dois modos clássicos de explicar a Constituição inglesa: o primeiro, que o sistema inglês consiste na separação dos três poderes; o segundo, que consiste no equilíbrio deles. Sua ideia é que os dois poderes, o Executivo e o Legislativo, se unem por um laço que é o gabinete e que, de fato, assim só há um poder, que é a Câmara dos Comuns, de que o gabinete é a principal comissão. “O sistema inglês”, diz ele, “não consiste na absorção do Poder Executivo pelo Legislativo; consiste na fusão deles.” O rival desse sistema é o que ele chamou de sistema presidencial. (...) “A qualidade distintiva do governo presidencial é a independência mútua do Legislativo e do Executivo, ao passo que a fusão e a combinação desses poderes serve de princípio ao governo de gabinete”. (NABUCO, 2004, p. 24)

Em seguida, procurou demonstrar o caráter de estabilidade econômica e segurança política que o governo monárquico parlamentar tem comparado com o republicano presidencialista. Neste aspecto, convido os leitores a um salto temporal para refletirem sobre a elaboração anual do orçamento da União (responsabilidade administrativa essencial de um governo nacional) durante o período republicano brasileiro, sobretudo durante a Nova República, a partir de 1985, e relembrarem as palavras proféticas de José Sarney sobre a Constituição de 1988: “Do jeito que foi feita tornará o pais ingovernável!”:

(...) Um dos principais objetos da legislação é o lançamento de impostos [previsão orçamentária]. As despesas de um governo civilizado variam sem cessar e devem variar, se o governo faz o seu dever [por isto é um absurdo percentuais fixos em orçamento destinados à rubricas diversas]... Se as pessoas encarregadas de prover todas essas necessidades da administração não são as que fazem as leis, haverá antagonismo entre elas e as outras. (...) Haverá paralisia na ação do Poder Executivo, por falta de leis necessárias, e erro na legislatura, por falta de responsabilidade: o Executivo não é mais digno desse nome, desde que não pode executar o que decide, a legislatura, por seu lado, desmoraliza-se por sua independência mesma, que lhe permite tomar certas decisões capazes de neutralizar as do poder rival. (NABUCO, 2004, p. 24-25) 

Se a elaboração da peça orçamentária é potencialmente episódio gerador de crise na república presidencialista, e a Nova República no Brasil com o persistente problema do equilíbrio fiscal (com despesas criadas ao sabor das demagogias populistas, que pouca devoção têm à responsabilidade fiscal) confirma a assertiva de Walter Bagehot; outra situação criadora de instabilidade econômica e política é a qualidade das lideranças eventualmente escolhidas, que, segundo ele, podem levar mais facilmente à corrupção do povo nessa forma de governo do que na monarquia parlamentar:

Na Inglaterra, um gabinete [Executivo] sólido obtém o concurso [cooperação] da legislatura em todos os atos que têm por fim facilitar a ação administrativa: ele é [o “gabinete” formado no Legislativo], por assim dizer, ele próprio, a legislatura. Mas um presidente pode ser embaraçado [atrapalhado] pelo Poder Legislativo e o é quase inevitavelmente. A tendência natural dos membros de toda a legislatura é impor a sua personalidade. Eles querem satisfazer uma ambição louvável ou censurável; querem, sobretudo, deixar vestígios da sua atividade própria nos negócios públicos. (NABUCO, 2004, p. 26) 

Fico a imaginar Nabuco e Bagehot apresentados à qualidade dos presidentes da república, dos senadores e deputados que formaram o congresso nacional brasileiro no decorrer da história republicana, notadamente após 1985, e as consequências de suas decisões para o desenvolvimento e segurança do país. Suas palavras permitem um vislumbre do que poderiam pensar:

Além do enfraquecimento causado por esse antagonismo do Legislativo o sistema presidencial enfraquece o Poder Executivo, diminuindo-lhe o seu valor intrínseco. “Os homens de Estado entre quem a nação tem o direito de escolher sob o governo presidencial são de qualidade muito inferior aos que lhe oferece o governo de gabinete, e o corpo eleitoral encarregado de escolher a administração é também muito menos perspicaz”. (NABUCO, 2004, p. 26)

Finalmente, conclui Nabuco, continuando a citar Walter Bagehot e as vantagens da monarquia parlamentar:

Uma opinião pública bem formada, uma legislatura que infunda respeito, hábil e disciplinada, um Executivo convenientemente escolhido, um Parlamento e uma administração que não se embaraçam reciprocamente, mas que cooperam juntos, são vantagens cuja importância é maior quando se está a braços com grandes questões, do que quando se trata de negócios insignificantes; maior, quando se tem muito que fazer, do que um trabalho fácil.(...)
Sob um governo presidencial, nada semelhante é possível. (NABUCO, 2004, p. 27)

Nos últimos dois anos (2020-2021) o mundo foi assolado com a Pandemia Covid-19, todos os países lançaram mão de estratégias de enfrentamento da doença, nenhum de expressão mundial convive ao mesmo tempo com crises políticas internas entre os poderes constituintes da ordem política, forjadas no Legislativo e no Judiciário tendo como justificativa o gerenciamento da crise sanitária, cujo único objetivo é a desestabilização do governo nacional eleito, somente o Brasil! Portanto, a citação acima, de Nabuco e Bagehot, sobre a incapacidade do governo republicano presidencial para enfrentar grandes questões de maneira eficiente enquadra analiticamente o Brasil de hoje, e revela a genialidade política de ambos.

A influência de Walter Bagehot na conversão monárquica de Joaquim Nabuco se exprime na mudança de atitude em relação à transmissão de poder do Estado mediante a hereditariedade dinástica, que garantiu a continuidade da monarquia parlamentar inglesa e é símbolo de sua estabilidade há mais de 800 anos. Isto significa 40 gerações de súditos ingleses (aproximadamente 20 anos cada) compartilhando e aperfeiçoando suas instituições sociais [que criam a identidade de uma sociedade] com as respectivas tradições (costumes), “conservando” o que comprovadamente deu certo pela experiência coletiva da população e descartando novidades aventureiras como o radicalismo igualitário e utópico dos iluministas franceses, que mergulharam a França no caos da Revolução (BURKE: 2017):

(...) Antes de o ler, eu tinha o preconceito democrático contra a hereditariedade, o princípio dinástico e a influência aristocrática. Foi esse democrata [observem como Nabuco se refere a Bagehot, mostrando como não há incompatibilidade entre ser democrata e monarquista] que me fez compreender como o que ele chamou as partes imponentes [a monarquia dinástica] da Constituição inglesa, “as que produzem e conservam o respeito das populações”, são tão importantes como as eficientes [o gabinete parlamentar], “as que dão à obra o movimento e a direção”. (...) “A massa de gente sem instrução na Inglaterra não poderia ouvir hoje tranquilamente estas simples palavras: Ide escolher o vosso governo; semelhante ideia lhes perturbaria a razão e lhes faria recear um perigo quimérico. A vantagem incalculável das instituições imponentes em um país livre é que elas impedem essa catástrofe. Se a nomeação dos governantes se faz sem abalo, é graças à existência aparente de um governo não sujeito à eleição. As classes pobres e ignorantes imaginam ser governadas por uma rainha hereditária [na época de Bagehot a Rainha Vitória, hoje Elizabeth II] e que governa pela graça de Deus, quando na realidade são governadas por um gabinete e um Parlamento composto de homens escolhidos por elas mesmas e que saem das suas fileiras.” (NABUCO, 2004, p. 27-28)

Nabuco ressalta a perspicácia sociológica de Bagehot ao descrever como ele identificou nas representações sociais (consciência coletiva; imaginário social) que tornam concretas no cotidiano, reais, quase palpáveis, para o povo inglês suas instituições políticas o alicerce do Estado (DURKHEIM, 1983; CASTORIADIS: 1982), ou seja, ele está enraizado na história dessa sociedade, não é um experimento social nascido da imaginação de alguns teóricos radicais como a república francesa de 1789:

A pompa, a majestade, o aparato todo da realeza entrava assim para mim nos artifícios necessários para governar e satisfazer a imaginação das massas, qualquer que seja a cultura da sociedade; a realeza passava naturalmente para a classe das instituições a que Herbert Spencer [um dos fundadores da sociologia inglesa] chamou cerimoniais (...). “Nada mais pueril [infantil] na aparência do que o entusiasmo dos ingleses pelo casamento do príncipe de Gales. Mas nenhum sentimento está mais em harmonia com a natureza humana.” (...) E mais: “Enquanto a espécie humana tiver muito coração e pouca razão, a realeza será um governo forte, porque se harmoniza com os sentimentos espalhados por toda parte, e a República, um governo fraco, porque se dirige à razão”. (NABUCO, 2004, p. 28)
  
Nabuco viu, certamente, representações sociais semelhantes nas raízes da tradição monárquica parlamentar no Império do Brasil o, que, provavelmente, foi uma das motivações para a conversão monárquica após o contato com a obra de Walter Bagehot. Isto o faria deplorar a Proclamação da República e intuir a era de crises, de governos fracos e incompetentes que sobreviria, ele estava absolutamente correto, a história republicana lhe deu razão:

A ideia principal que recebi de Bagehot foi essa da superioridade prática do governo de gabinete inglês sobre o sistema presidencial americano [não por acaso as instituições políticas dos Estados Unidos inspiraram a Constituição Republicana de 1891]: que uma monarquia secular, de origens feudais, cercada de tradições e formas aristocráticas, como é a inglesa podia ser um governo mais direta e imediatamente do povo do que a república (...). (NABUCO, 2004, p. 28-29)

Se Joaquim Nabuco pudesse prever que 132 anos após a Proclamação da República, um golpe contra a Família Imperial forçada ao exílio, que num espaço de poucas semanas um ministro do supremo tribunal federal e um senador da república diriam, um: que o STF exerce a função de Poder Moderador; e o outro, que, no Brasil, abaixo de Deus o STF e abaixo deste os Poderes Executivo e Legislativo, com certeza teria aconselhado o Imperador acolher o desejo do Almirante Marquês de Tamandaré de mobilizar a esquadra e resistir, para o bem futuro do Brasil, com armas e o apoio da população à violência perpetrada.

De acordo com Freeman, citado por Nabuco, a força das instituições políticas inglesas vem da “conservação” de suas tradições seculares, fato corroborado pela permanência secular da monarquia parlamentar:

Freeman mostrara no seu pequeno livro O crescimento da Constituição Inglesa que essa constituição nunca foi feita; que nunca nas grandes lutas políticas da Inglaterra a voz da nação reclamou novas leis, mas só o melhor cumprimento das leis existentes; que a vida, a alma da lei inglesa, foi sempre o precedente; que as medidas para fortalecer a coroa alargaram os direitos do povo e vice-versa. (NABUCO, 2004, p. 22-23)

A Constituição Republicana de 1891 contraria tudo o que foi ensinado por  Freeman sobre o espírito de uma constituição, ela foi uma construção teórica absolutamente “artificial”, na qual a voz da nação veiculada pelas tradições de suas instituições sociais não foi ouvida. Foi Francisco de Oliveira Vianna, quem partindo de Joaquim Nabuco analisou a renitente surdez em relação à voz da nação, que paradoxalmente se fará presente por todas as cartas magnas republicanas.

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