5 de fev. de 2021

Um monstro chamado “Vaidade”!

Prof. Dr. Geraldo Filho (05/02/2021)

 

Ao longo da vida acumulei observação e experiência suficiente no âmbito privado e público para tecer algumas linhas sobre uma característica humana complexa e de difícil métrica, pois ela flutua entre a autoestima da pessoa (o amor-próprio) – o que é positivo e desejável – e o orgulho presunçoso, que é negativo e reprovável: a vaidade.

 

Por que eu me dedicaria a refletir sobre isto?! Porque com os anos vividos percebi o quanto é desastroso o lado negativo desta qualidade humana, tanto na vida pessoal como na social. A dificuldade, consequência de sua complexidade, é que ela se mistura e afeta a ambas!

Assim, vi artistas, atletas, empresários, políticos, reitores e pessoas comuns serem vítimas das armadilhas preparadas pela astuta vaidade, que tinham o objetivo de fazê-los crer numa imagem falsa projetada de si mesmos.

De uma ora para outra um cantor explode com uma música ou um ator rouba a cena numa peça, num filme ou numa novela! Pronto, a imprensa em geral (desde sempre) e as redes sociais (hoje) os elevam aos píncaros da glória! Não lhes faltam mídia ou convites para eventos badalados! Sem dúvida que é um momento pessoalmente exultante, mas... o problema é o depois, pois o monstro insidiosamente arma a primeira artimanha: a dúvida!

No auge da fama e do sucesso uma dúvida atroz de repente se insinua: será que a próxima música, peça, filme ou novela terá o mesmo êxito, capaz de lhes deixar em permanente evidencia? É no contexto de como lidar com o apogeu do reconhecimento – que alimenta o lado positivo da vaidade (a autoestima) e favorece o domínio de seu ofício – e a necessidade de manter a regularidade das performances futuras, para as quais não há nenhuma garantia assegurada (eventualmente a escolha das músicas foram erradas e as tramas das peças, filmes ou novelas eram uma porcaria), que a vaidade executa sua arte e derruba do pedestal indivíduos com os egos inflados por alegorias delirantes de si mesmos. Para aguentar a experiência incessante da incerteza, muitos se submetem à fuga alienante da droga, do álcool, da corrupção de diretores e empresários a troco de aparecer em qualquer programa ou produção artística.

Não é errado pensar sobre a permanência da regularidade do sucesso e como conquistá-la! Ser reconhecido faz parte dos sonhos de qualquer pessoa, mas é necessário e fundamental ter consciência de que poucos dentre muitos, em qualquer sociedade, o alcançarão! Isto, por si, já seria suficiente para revelar a dádiva divina que o sucesso representa (principalmente quando decorre dos dons naturais de um cantor ou ator) e o risco que ele é, se for maculado e violado pela extravagância do orgulho próprio exacerbado: a vaidade. Portanto o antídoto: humildade!

Raciocínio análogo se aplica para os feitos e conquistas de atletas, empresários, reitores e políticos. A diferença se encontra no meio pelo qual obtiveram sucesso e reconhecimento, porém o medo torturante de perderem os salamaleques e bajulações é o mesmo para todos, pois a ritualística ou liturgia que distinguem os bem-sucedidos (os americanos dizem “os vencedores”) em cada ambiente profissional reafirma permanentemente seu prestígio face aos demais e delimita as posições sociais, seja no espaço de trabalho ou na sociedade. Por conclusão, fica claro que o declínio do sucesso e do reconhecimento significa perda de poder.

Um amigo observou que cada vez mais me refugio na sabedoria dos textos antigos! É verdade, pois fico cada vez mais convicto de que o Mundo da Antiguidade Greco-Romana até o fim da Idade Moderna na Inglaterra especulou e descobriu tudo sobre a complexidade do espírito humano, não sobre a natureza humana, com a qual forma um par místico e provavelmente inexplicável (a natureza humana é estudada nas últimas décadas pela neurociência biológica buscando entender a relação mente/cérebro/cognição).

Com efeito, como exemplo de aplicação da filosofia estoica, que predominava no mundo romano antes do cristianismo, os generais que eram premiados com triunfos, uma recompensa por suas vitórias à frente das legiões de Roma, e consistiam num desfile seguido pelas tropas nas ruas da cidade até a sede do senado, tinham atrás de si um servo que durante a parada repetia constantemente em latim “memento mori”, que quer dizer, “lembre-se, você é mortal”! O objetivo do principio estoico era recordar a realidade fugaz do sucesso num momento de êxtase efusivo, no qual o espírito do general pudesse se perder em fantasias de poder megalômanas, o que talvez estimulasse sonhos de conquista para além dos desejados e definidos pela organização política romana. Vejam, portanto, que na Antiguidade os filósofos da época já haviam identificado o perigo para si e para os outros que um ego distorcido por uma autoimagem enganosa poderia acarretar, hoje não é diferente.

No mundo do futebol os exemplos são abundantes de atletas que ao ficarem mesmerizados (obcecados) pela imagem projetada de si que o sucesso repentino possibilita entram em decadência com pouco tempo de carreira e deixam de ser o que poderiam ter sido (olhem o “menino Neymar”, o “imperador Adriano” e Alexandre Pato).

No meio empresarial a ganância pelo dinheiro fácil, evitando a árdua competição no mercado, estimulou grandes construtoras brasileiras a fazerem de tudo para se tornarem “amigas do Rei”, o que na prática significou uma relação promiscua entre empresas e políticos no comando de governos cevadas por gordas propinas compensadas pelas vitórias nas licitações públicas direcionadas. Eike Batista, JBS e a família Odebrecht, deuses da era petista, na qual suas empresas eram chamadas “campeãs nacionais” e recebiam financiamento fácil do governo federal, tiveram suas vidas, íntimas e públicas, expostas a execração e ao escárnio da sociedade. Fico a imaginar: será que em nenhum instante, no ápice do sucesso e do poder corrompidos, estes indivíduos não pararam para pensar que tudo poderia acabar rapidamente?! Acho que não: a certeza da impunidade e a vaidade de “achar quem eles achavam que eram”, acima de todos os demais cidadãos de uma sociedade, não lhes permitia esta conjectura.

Quanto à universidade a situação chega à comicidade! Os reitores não ocupam o posto pelos méritos acadêmicos obtidos no exercício de sua ciência de origem. São eleitos – e isto já é uma distorção, impensável nas seculares universidades europeias e americanas – por professores, funcionários e alunos! Como no Brasil as universidades públicas e particulares foram alvo de um plano de aparelhamento por parte dos partidos comunistas desde os anos 60, principalmente cursos de humanidades e saúde, a política partidária de esquerda contaminou o ambiente universitário, com candidatos ao cargo máximo da instituição acadêmica (salvo as exceções de praxe) majoritariamente identificados com partidos políticos deste viés. Contudo, isto não impede que a vaidade os tente! Mesmo sabendo que são despossuídos de reconhecimento cientifico a vitória nas urnas acalenta sonhos de grandeza, e de humildes pleiteantes ao cargo se transformam em arrogantes e pedantes. Um ex-reitor ficou conhecido como “rei-tor”, tal a figura insuportável no trato pessoal no qual se transformou! Hoje padece do castigo do “ostracismo” (pena inventada na Grécia Antiga para os que atentavam contra a ordem pública de Atenas), que aqui significa “esquecimento”, não ser mais lembrado ou convidado para nada, o que deve ser terrível para quem um dia, iludido pela ardilosa vaidade, se achou esplendido!

No entanto, o espetáculo mais chocante que assisti recentemente, o que creio resume em si todas as travessuras que a vaidade apronta com artistas, atletas, empresários e reitores, foi o espetáculo da despedida de Rodrigo Maia da presidência da Câmara dos Deputados, em 01/02/21! Ante a iminente transição oficial do poder da presidência, exercida durante 4 anos e 7 meses (7 meses de interinidade pela prisão de Eduardo Cunha, presidente anterior; e 2 mandatos de 2 anos em legislaturas diferentes), Maia fez de tudo para permanecer na cadeira! Tentou, junto ao STF, uma interpretação “criativa” da Constituição para poder concorrer novamente, perdeu! Traiu promessas de apoio às candidaturas de aliados feitas há muito! Formou um bloco de oposição com partidos (PT e PSol) adversários figadais do Democratas (seu partido de filiação), só para tentar prejudicar o governo federal, passando por cima de afinidades históricas com os partidos de direita! Por fim, atropelou o rito eleitoral que ele próprio estabeleceu ao aceitar a inscrição da chapa que concorria à composição da Mesa Diretora da Câmara depois do horário previsto para o fim do registro, ato que foi sumariamente anulado após a vitória de Arthur Lira porque afrontava o regimento da Casa!

O que chamou atenção foi como este espetáculo de desespero ficou estampado na fisionomia de Maia! Somatizou! O desequilíbrio psíquico face à perda de prestígio e poder se refletiu nas enormes olheiras do seu rosto porcino; nas mãos incomumente trêmulas; no inusual batucar constante dos dedos sobre a mesa; e no choro compulsivo e incontrolável durante o discurso de despedida! O que eu estava presenciando era o espetáculo da queda de um vaidoso, que proporcional ao seu rotundo corpo deixou seu ego inflar a ponto de cegá-lo para a realidade ao redor, tendo no final sido abandonado pelo próprio partido e aliados de longa data. No fundo do plenário da Câmara a Vaidade, uma das integrantes da corte da deusa Loucura, bolava de rir as gargalhadas! Como li Erasmo de Roterdã (O Elogio da Loucura; cujo título deve ser interpretado como o elogio que a loucura faz de si) eu a vi lá!

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