4 de nov. de 2019

Os presidentes na hora da raiva

O presidente Jair Bolsonaro dominou a cena política, mais uma vez, ao fazer uma transmissão, via internet, direto da Arábia Saudita, onde estava em visita oficial, para rebater enfaticamente uma reportagem da TV Globo, veiculada no Jornal Nacional.
A reportagem procurava vinculá-lo ao assassinato da vereadora Mariele Franco, do PSol do Rio de Janeiro, a partir da citação de um porteiro de que um dos acusados do crime visitou Bolsonaro no dia da morte dela, no condomínio onde ele tem uma casa.
A própria emissora noticiou que, no dia e horário indicado pelo porteiro, Bolsonaro na verdade estava na Câmara dos Deputados, tendo inclusive participado de votações, com registro de suas digitais no painel eletrônico.
Ainda assim, ou seja, mesmo constatando que Bolsonaro estava em Brasília e não no Rio no dia citado pelo porteiro, a reportagem foi ao ar, sem ouvir a versão do presidente.
Na madrugada, após a divulgação da reportagem no Jornal Nacional, Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo em sua página do Facebook para rebatê-la. E carregou nas tintas:
“Isso é uma patifaria, TV Globo! TV Globo, isso é uma patifaria!“, começou ele. “É uma canalhice o que vocês fazem. Uma ca-na-lhi-ce, TV Globo. Uma canalhice fazer uma matéria dessas em um horário nobre, colocando sob suspeição que eu poderia ter participado da execução da Marielle Franco, do PSOL”
Explosão verbal
Que o presidente Bolsonaro é bala na agulha, isso não é novidade. Com ele, é assim: bateu, levou.
Seu estilo esquentado é muito criticado. É comum também que ele seja cobrado pelo respeito à liturgia do cargo.
Mas como terão se comportado outros presidentes da República em momentos de crise?
Getúlio Vargas
Getúlio Vargas, um político de grande tato, escorregadio, ditador, não era de grandes expansões verbais.
Deixou, porém, uma frase para explicar os altos e baixos da política:
Quem não aguenta o trote não monta o burro.
JK
Juscelino Kubitschek, o mais realizador e o mais democrata dos presidentes, mudou a cabeça do Brasil com seu estilo de governar a jato. Ele também enfrentou embates terríveis durante o seu mandato. E procurou encerrar assim as críticas dos adversários:
- Não aceito o julgamento dos que agora me julgam; só aceito o julgamento do povo, pois só nele reconheço o juiz de minhas ações.
Jânio Quadros
Jânio Quadros, o mais controverso dos presidentes brasileiros, deixou uma coleção de frases feitas sobre política que atravessam os tempos.
Era professor de português, dominava a gramática e aplicava exageradamente a norma culta na fala cotidiana.
Quando, durante uma entrevista, uma jornalista o tratou por você, ele disparou:
Intimidade gera aborrecimentos ou filhos. Como não quero aborrecimentos com a senhora, e muito menos filhos, trate-me por Senhor.
Jango
João Goulart, o Jango, que sucedeu Jânio em meio ao furacão da crise de 1961, acabou derrubado pelos militares, em 1964, depois de sobreviver ao golpe do parlamentarismo e de restaurar o regime presidencialista.
Ele caiu, mas antes pisou no pé das chamadas elites que tramaram a sua ruína:
- Não troco um só trabalhador brasileiro por cem desses grã-finos arrumadinhos.
Figueiredo
No tempo dos generais, eles falavam mais pelo que não diziam. O que mais explodiu nas palavras foi o quinto e último presidente do ciclo militar, João Figueiredo.
Diante da onda de atentados terroristas no Brasil, ele avisou: “Eu prendo e arrebento!”
No final do mandato, já sem prestígio, com os militares em queda e seu governo enfrentando sucessivas crises, e invocando sua condição de apreciador do hipinismo, ele desabafou:
Eu prefiro o cheiro de cavalo ao do povo”. E, por fim, apelou, quando foi perguntado como gostaria de passar à história: “Quero que me esqueçam!
Sarney
José Sarney, o seu sucessor, por obra e graça do destino, foi o que mais se agarrou à liturgia do cargo. Ele também enfrentou com extremada tolerância um período turbulento, no qual a democracia voltava a engatinhar. Ele foi, assim, presidente de uma transição.
Leitor de Eça de Queiroz e de outros portugueses bons de pena e imortal da Academia Brasileira de Letras, Sarney saiu-se com esta em meio a uma das tantas crises de seu mandato:
 “Não preciso de nenhuma quinta (nas redondezas de Lisboa). O meu gabinete no Planalto já é uma quinta: a quinta dos infernos.
Collor
Fernando Collor, sucessor de Sarney e o primeiro eleito após a redemocratização do Brasil, fez um mandato curto, pois foi alcançado pelo impeachment, em 1992.
Seus dois anos de governo foram abundantes, porém, em crises e frases políticas cortantes e desconcertantes. Collor foi um presidente sem papas na língua.
Em 3 de abril de 1991, após uma manifestação de protesto contra seu governo, ele berrou, em Juazeiro do Norte, no Ceará:
Eu tenho aquilo roxo!
A expressão, empregada no Nordeste, é utilizada para designar virilidade e coragem.
Mas não houve jeito. Collor caiu com aquilo roxo e tudo mais.
 
Itamar
Itamar Franco, outro presidente de uma transição, tudo o que ambicionava era concluir sem traumas o período iniciado por Collor, passar a faixa ao sucessor e desfilar em seu Fusca pelas ruas de Brasília.
Mas ele era um político de topete, literalmente, e saiu-se com esta quando cobraram explicação para o seu comportamento no governo:
Quando reajo, dizem que sou temperamental, teimoso. Quando demonstro serenidade, falam que sou omisso. Não sei o que essa gente quer.”
Apesar da falta de ambição para governar, Itamar deixou para o país o Plano Real, que debelou a inflação e deu estabilidade econômica, social e política ao Brasil.
FHC
Fernando Henrique Cardoso, o intelectual presidente, mentor da reeleição, mãe e pai de quase todas as desgraças políticas brasileiras de 1998 para cá, assim repreendeu o chororô dos que lhe faziam oposição:
 “Chega dessa república do nhem-nhem-nhem.”
Fora do poder, ainda hoje ele anda fazendo nhem-nhem-nhem por aí!
Lula
Lula, que disputou com FHC o título de presidente mais pavão da história do Brasil, também foi pródigo em crises e falas. É de sua lavra, depois do Mensalão:
- Se tem um governo que tem sido implacável no combate à corrupção, desde o primeiro dia, é o meu governo.
Em outro momento, perdendo a paciência:
Este país tem jeito. Não nasceu para ser a merda que ele é.
Dilma
Dilma Rousseff se perdeu tanto nos discursos que acabou sendo um achado para os linguistas, sobretudo para os que se ocupam da análise do discurso, pelas suas frases sem eira nem beira.
Entretanto, no auge da crise que culminou em seu impeachment, em 2015, ela lapidou uma máxima certeira:
Quem afasta o presidente pelo “conjunto da obra” é o povo e, só o povo, nas eleições.
Temer
Michel Temer, que gostava de se comunicar por cartas, com termos e expressões em latim, como se tivesse produzindo uma peça jurídica, foi um presidente de gestos contidos e de linguagem asseada, com cheiro de naftalina.
Quando a TV Globo fez uma reportagem para derrubá-lo, após uma combinação entre o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o empresário Joesley Batista, do Grupo JBS, ele desafiou:
Eu não renuncio. Se quiserem, me derrubem!
A batida de Bolsonaro
Portanto, entre os presidentes brasileiros, Bolsonaro não é um ponto totalmente fora da curva em matéria de linguagem, até aqui.
Há quem pense que ele deveria fazer mais e falar menos. Mas a toda hora ele dá demonstrações de que prefere o contrário.
Então, se mais não fizer, Bolsonaro já é uma promessa real de uma boa coleção de frases de efeito, com elevado poder de discórdia.
Por Zózimo Tavares 

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