1 de nov. de 2018

A coevolução e a difícil relação entre homens e mulheres! (01/11/2018)


Prof. Dr. Geraldo Filho (UFPI)

Para buscar o aprimoramento constante da compreensão dos fenômenos humanos no âmbito socioantropológico não se pode desprezar a contribuição decisiva da biologia evolutiva, sobretudo da vertente que estuda o processo de complexificação do cérebro chamada neurociência.  A luz disto, de maneira resumida, procurarei trazer alguns esclarecimentos sobre uma situação que salta aos olhos nas sociedades contemporâneas do mundo ocidental, mas que dada sua capacidade de influenciar e alterar comportamentos pela força de seu softpower (o poder das instituições “culturais” de conquistar o coração e as mentes das pessoas) ouso dizer que afeta todo o planeta! Trata-se da difícil relação entre homens e mulheres que comumente termina em brigas, com agressões e morte.

Em primeiro lugar, devo lembrar que machos e fêmeas da espécie sapiens têm um história evolutiva (filogênese) de mais ou menos 300 mil anos. Isto significa que homens e mulheres, como você e eu conhecemos, têm esse tempo todo de evolução cerebral, o que quer dizer que aos poucos o cérebro foi deixando de ser um órgão inteligente para resolver problemas genéricos (simples) para se tornar um órgão inteligente para resolver problemas cada vez mais complexos (modularização). Em comum, a resolução de problemas simples e complexos converge para a satisfação das necessidades fundamentais inerentes a todas as espécies do mundo vivo: nutrição, proteção e reprodução.

A genialidade de Charles Darwin o fez descobrir que a natureza dotou cada espécie com as capacidades necessárias para sobreviver nos diversos ecossistemas terrestres, adaptando-se a eles. A este processo ele denominou evolução por seleção natural. Ao longo dos 300 mil anos da filogênese da espécie sapiens o cérebro humano obedeceu aos imperativos de adaptação, vagarosamente construindo e especializando áreas (módulos) cujas funções foram sendo “programadas” com conteúdos capazes de superar os desafios mais difíceis que fossem aparecendo.

O caráter de ser macho ou fêmea, comum às demais espécies, não foi “construído socialmente” como uma sociologia e história de baixa qualidade científica disseminam por aí em livros, artigos e seminários. Pelo contrário, ele foi o resultado de uma programação evolutiva que de acordo com as imposições adaptativas modelou esses comportamentos no decorrer da filogênese sapiens. A prova biológica por trás disso é que os corpos distintos de um homem e uma mulher foram predispostos para funções diferentes no decorrer da história da espécie.

Em segundo lugar, devo lembrar ainda que por volta de 70 mil anos ocorreu o que se chamou “A Grande Revolução Cognitiva”, quando repentinamente os sapiens primitivos se transformaram nos sapiens modernos, assinalada por um enorme avanço da criatividade humana, que pode ser ilustrada pela possibilidade de pensar o sentido da existência do indivíduo e da sociedade além da simples realidade concreta, voltada para a pura sobrevivência! De outra maneira, a “vida” começou a ser imaginada para “além da vida”, adquirindo um sentido abstrato e sobrenatural elaborado e veiculado pelas expressões religiosas e estéticas (a representação do bem e do mal; a busca do prazer erótico; a definição do que seja a felicidade, etc.)!

É importante ressaltar que essa explosão de criatividade e conhecimento levou a uma diferenciação acelerada dos grupos humanos, com o desenvolvimento de abordagens adaptativas sofisticadas à diversidade ecossistêmica feita por alguns grupos com sucesso e o fracasso de outros. O processo de diferenciação se aprofundou com o surgimento da agricultura e da pecuária entre 14 e 12 mil anos atrás, criando núcleos urbanos, depois impérios e estados nacionais.

O biólogo evolutivo inglês, Richard Dawkins, percebeu que ao lado da evolução por seleção natural, para o caso especifico da espécie sapiens, operava uma outra força evolutiva, que foi capaz de fazer com que esta espécie em particular sobrepujasse todas as demais: era a evolução por seleção cultural!

É por meio dela que se torna compreensível por que em curto espaço de tempo (tomando como marco a invenção de roças, pomares, currais, chiqueiros e galinheiros) o mundo tenha se transformado tanto! Dawkins identificou como elemento propulsor da evolução por seleção cultural os “memes” (foi ele quem criou esta palavra), que traduzirei aqui como “ideias”. Ao lado do outro elemento propulsor da evolução, o da seleção natural, os “genes”, tem-se o que o biólogo americano Edward Wilson denominou “coevolução gene/cultura”!

O “mundo das ideias”, tecnicamente a evolução por seleção cultural, radicalizou a transformação dos indivíduos e comportamentos, freando e amenizando aparentemente os efeitos da evolução por seleção natural. O que significa que há uma diferença de tempos entre ambas, muito rápida na primeira e mais devagar na segunda.

Não esqueça, amigo leitor, que a programação cerebral para papeis de machos e fêmeas remete aos nossos ancestrais da família homínida (2 milhões de anos) e retrocede mais ainda à ordem primata (7 milhões de anos)! Agora pense que toda essa história filogenética foi interrompida nos anos 60 do século XX, com a chegada ao mercado americano da primeira pílula anticoncepcional!  

A mudança do comportamento sexual da mulher representada pelo controle da gravidez propiciado pela pílula anticoncepcional se somou a outra grande transformação que começou timidamente no final do século XIX, na Europa e Estados Unidos, e explodiu definitivamente após a 2ª Guerra: o avanço da mulher em todos os setores do mercado de trabalho!

Portanto, autonomia e independência para buscar a felicidade com sua própria sexualidade (livre do temor da gravidez e do cabresto do homem)! Autonomia e liberdade para buscar ser sua própria provedora e talvez a de uma família sob sua única responsabilidade (a partir da realização de seus talentos profissionais)! Ora, isto nunca havia acontecido antes na história humana, a junção de autodeterminação sexual com autodeterminação profissional, subvertendo a programação filogenética de milhões de anos para os papeis de machos e fêmeas da espécie sapiens! O problema, aqui o foco deste artigo, como a gente diz no futebol, é que faltou combinar com os russos, no caso, os homens!

É importante que fique claro que minha motivação como cientista é esclarecer os fenômenos socioantropológicos, não justifica-los e tomar partido de qualquer lado, isto é política! E ao cientista cabe apresentar os fatos como eles são e não como gostaria que eles fossem, minhas crenças ficam para mim! Assim, é verdade que há uma profusão de relatos de estupros e violências de toda natureza cometidos por homens contra as mulheres, o que, evidentemente, deve ser reprimido e punido com todo o rigor pelo ordenamento jurídico de cada país. No entanto, estes crimes não ocorrem simplesmente porque os homens foram criados em culturas religiosas conservadoras, patriarcais e machistas! Estas características comportamentais são a face exterior (o “fenótipo comportamental”) de algo muito mais profundo que foi programado por milhões de anos e que repentinamente teve seus fundamentos abalados!

Em 300 mil anos da espécie sapiens se encontrarão 15.000 gerações (estipulados 20 anos para cada uma). Considerando que a pílula anticoncepcional chegou ao mercado americano em 1960, de lá para cá, em 2018, conta-se 58 anos, ou seja, não se chega a 03 gerações completas! O que se há de convir que 03 entre 15.000 é um número absolutamente irrisório, quase zero!

Da mesma forma, considerando todo o século XX e os primeiros anos do XXI, até agora, 2018, atinge-se 118 anos, ou seja, 06 gerações incompletas! Novamente um número insignificante em 15.000! Porem, foi nesse período que as mulheres, principalmente depois da 2ª Guerra, chegaram em massa ao mercado de trabalho, competindo com o homem em todas as categorias profissionais!

Essas duas grandes mudanças no comportamento da mulher foram o resultado direto da evolução por seleção cultural, que como frisei, é muito mais rápida do que a outra, que modelou por milhões de anos o que significava ser macho e fêmea! Isto, sem sombra de dúvida, causou impacto na maneira pela qual os homens percebem e interpretam o mundo, os deixando atônitos e sem saber muito bem como agir diante desse tsunami comportamental que varre o planeta! Em muitas situações, ao se sentirem desafiados por uma mulher que termina um relacionamento; por uma mulher que exige prazer de qualidade; por uma mulher que ganha mais e é financeiramente independente; por uma mulher que comanda homens em um meio civil ou militar, etc., desesperadamente respondem com violência! E notem amigos, que isto ocorre em todas as camadas da sociedade, nas ricas e pobres, nas instruídas ou não!

Mais uma vez, ressalto que não estou justificando estas atitudes violentas, estou procurando explica-las à luz da sociobiologia. O objetivo é ir além da gritaria militante que tacha os homens como preconceituosos machistas ou misóginos, conservadores ou retrógrados! O problema é mais profundo, o que requer, sobretudo por parte das mulheres e seus movimentos de apoio, paciência para que a seleção por evolução cultural possa agir e apresentar seus resultados, modificando uma programação mental de milhões de anos. Ate lá, o caminho é ilustrar as sociedades com esse tipo de conhecimento, comemorando os avanços e sabendo que muito sofrimento ainda acontecerá!

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