Prof. Dr. Geraldo Filho (UFPI)
Para buscar o
aprimoramento constante da compreensão dos fenômenos humanos no âmbito socioantropológico
não se pode desprezar a contribuição decisiva da biologia evolutiva, sobretudo da
vertente que estuda o processo de complexificação do cérebro chamada
neurociência. A luz disto, de maneira
resumida, procurarei trazer alguns esclarecimentos sobre uma situação que salta
aos olhos nas sociedades contemporâneas do mundo ocidental, mas que dada sua
capacidade de influenciar e alterar comportamentos pela força de seu softpower (o poder das instituições “culturais”
de conquistar o coração e as mentes das pessoas) ouso dizer que afeta todo o
planeta! Trata-se da difícil relação entre homens e mulheres que comumente
termina em brigas, com agressões e morte.
Em primeiro lugar, devo
lembrar que machos e fêmeas da espécie sapiens
têm um história evolutiva (filogênese) de mais ou menos 300 mil anos. Isto
significa que homens e mulheres, como você e eu conhecemos, têm esse tempo todo
de evolução cerebral, o que quer dizer que aos poucos o cérebro foi deixando de
ser um órgão inteligente para resolver problemas genéricos (simples) para se
tornar um órgão inteligente para resolver problemas cada vez mais complexos
(modularização). Em comum, a resolução de problemas simples e complexos
converge para a satisfação das necessidades fundamentais inerentes a todas as
espécies do mundo vivo: nutrição, proteção e reprodução.
A genialidade de Charles
Darwin o fez descobrir que a natureza dotou cada espécie com as capacidades
necessárias para sobreviver nos diversos ecossistemas terrestres, adaptando-se
a eles. A este processo ele denominou evolução por seleção natural. Ao longo
dos 300 mil anos da filogênese da espécie sapiens
o cérebro humano obedeceu aos imperativos de adaptação, vagarosamente
construindo e especializando áreas (módulos) cujas funções foram sendo
“programadas” com conteúdos capazes de superar os desafios mais difíceis que
fossem aparecendo.
O caráter de ser macho ou
fêmea, comum às demais espécies, não foi “construído socialmente” como uma
sociologia e história de baixa qualidade científica disseminam por aí em
livros, artigos e seminários. Pelo contrário, ele foi o resultado de uma
programação evolutiva que de acordo com as imposições adaptativas modelou esses
comportamentos no decorrer da filogênese sapiens.
A prova biológica por trás disso é que os corpos distintos de um homem e uma
mulher foram predispostos para funções diferentes no decorrer da história da
espécie.
Em segundo lugar, devo
lembrar ainda que por volta de 70 mil anos ocorreu o que se chamou “A Grande
Revolução Cognitiva”, quando repentinamente os sapiens primitivos se transformaram nos sapiens modernos, assinalada por um enorme avanço da criatividade
humana, que pode ser ilustrada pela possibilidade de pensar o sentido da
existência do indivíduo e da sociedade além da simples realidade concreta,
voltada para a pura sobrevivência! De outra maneira, a “vida” começou a ser
imaginada para “além da vida”, adquirindo um sentido abstrato e sobrenatural elaborado
e veiculado pelas expressões religiosas e estéticas (a representação do bem e
do mal; a busca do prazer erótico; a definição do que seja a felicidade, etc.)!
É importante ressaltar
que essa explosão de criatividade e conhecimento levou a uma diferenciação
acelerada dos grupos humanos, com o desenvolvimento de abordagens adaptativas
sofisticadas à diversidade ecossistêmica feita por alguns grupos com sucesso e
o fracasso de outros. O processo de diferenciação se aprofundou com o
surgimento da agricultura e da pecuária entre 14 e 12 mil anos atrás, criando
núcleos urbanos, depois impérios e estados nacionais.
O biólogo evolutivo
inglês, Richard Dawkins, percebeu que ao lado da evolução por seleção natural,
para o caso especifico da espécie sapiens,
operava uma outra força evolutiva, que foi capaz de fazer com que esta espécie
em particular sobrepujasse todas as demais: era a evolução por seleção
cultural!
É por meio dela que se
torna compreensível por que em curto espaço de tempo (tomando como marco a
invenção de roças, pomares, currais, chiqueiros e galinheiros) o mundo tenha se
transformado tanto! Dawkins identificou como elemento propulsor da evolução por
seleção cultural os “memes” (foi ele quem criou esta palavra), que traduzirei
aqui como “ideias”. Ao lado do outro elemento propulsor da evolução, o da
seleção natural, os “genes”, tem-se o que o biólogo americano Edward Wilson
denominou “coevolução gene/cultura”!
O “mundo das ideias”,
tecnicamente a evolução por seleção cultural, radicalizou a transformação dos
indivíduos e comportamentos, freando e amenizando aparentemente os efeitos da
evolução por seleção natural. O que significa que há uma diferença de tempos
entre ambas, muito rápida na primeira e mais devagar na segunda.
Não esqueça, amigo
leitor, que a programação cerebral para papeis de machos e fêmeas remete aos
nossos ancestrais da família homínida (2 milhões de anos) e retrocede mais
ainda à ordem primata (7 milhões de anos)! Agora pense que toda essa história
filogenética foi interrompida nos anos 60 do século XX, com a chegada ao
mercado americano da primeira pílula anticoncepcional!
A mudança do
comportamento sexual da mulher representada pelo controle da gravidez
propiciado pela pílula anticoncepcional se somou a outra grande transformação
que começou timidamente no final do século XIX, na Europa e Estados Unidos, e
explodiu definitivamente após a 2ª Guerra: o avanço da mulher em todos os
setores do mercado de trabalho!
Portanto, autonomia e
independência para buscar a felicidade com sua própria sexualidade (livre do temor
da gravidez e do cabresto do homem)! Autonomia e liberdade para buscar ser sua
própria provedora e talvez a de uma família sob sua única responsabilidade (a
partir da realização de seus talentos profissionais)! Ora, isto nunca havia
acontecido antes na história humana, a junção de autodeterminação sexual com
autodeterminação profissional, subvertendo a programação filogenética de
milhões de anos para os papeis de machos e fêmeas da espécie sapiens! O problema, aqui o foco deste
artigo, como a gente diz no futebol, é que faltou combinar com os russos, no
caso, os homens!
É importante que fique
claro que minha motivação como cientista é esclarecer os fenômenos
socioantropológicos, não justifica-los e tomar partido de qualquer lado, isto é
política! E ao cientista cabe apresentar os fatos como eles são e não como
gostaria que eles fossem, minhas crenças ficam para mim! Assim, é verdade que
há uma profusão de relatos de estupros e violências de toda natureza cometidos
por homens contra as mulheres, o que, evidentemente, deve ser reprimido e
punido com todo o rigor pelo ordenamento jurídico de cada país. No entanto,
estes crimes não ocorrem simplesmente porque os homens foram criados em
culturas religiosas conservadoras, patriarcais e machistas! Estas
características comportamentais são a face exterior (o “fenótipo
comportamental”) de algo muito mais profundo que foi programado por milhões de
anos e que repentinamente teve seus fundamentos abalados!
Em 300 mil anos da
espécie sapiens se encontrarão 15.000
gerações (estipulados 20 anos para cada uma). Considerando que a pílula
anticoncepcional chegou ao mercado americano em 1960, de lá para cá, em 2018,
conta-se 58 anos, ou seja, não se chega a 03 gerações completas! O que se há de
convir que 03 entre 15.000 é um número absolutamente irrisório, quase zero!
Da mesma forma,
considerando todo o século XX e os primeiros anos do XXI, até agora, 2018,
atinge-se 118 anos, ou seja, 06 gerações incompletas! Novamente um número
insignificante em 15.000! Porem, foi nesse período que as mulheres,
principalmente depois da 2ª Guerra, chegaram em massa ao mercado de trabalho,
competindo com o homem em todas as categorias profissionais!
Essas duas grandes
mudanças no comportamento da mulher foram o resultado direto da evolução por
seleção cultural, que como frisei, é muito mais rápida do que a outra, que
modelou por milhões de anos o que significava ser macho e fêmea! Isto, sem
sombra de dúvida, causou impacto na maneira pela qual os homens percebem e
interpretam o mundo, os deixando atônitos e sem saber muito bem como agir
diante desse tsunami comportamental
que varre o planeta! Em muitas situações, ao se sentirem desafiados por uma
mulher que termina um relacionamento; por uma mulher que exige prazer de
qualidade; por uma mulher que ganha mais e é financeiramente independente; por
uma mulher que comanda homens em um meio civil ou militar, etc., desesperadamente
respondem com violência! E notem amigos, que isto ocorre em todas as camadas da
sociedade, nas ricas e pobres, nas instruídas ou não!
Mais uma vez, ressalto
que não estou justificando estas atitudes violentas, estou procurando
explica-las à luz da sociobiologia. O objetivo é ir além da gritaria militante
que tacha os homens como preconceituosos machistas ou misóginos, conservadores
ou retrógrados! O problema é mais profundo, o que requer, sobretudo por parte
das mulheres e seus movimentos de apoio, paciência para que a seleção por
evolução cultural possa agir e apresentar seus resultados, modificando uma
programação mental de milhões de anos. Ate lá, o caminho é ilustrar as
sociedades com esse tipo de conhecimento, comemorando os avanços e sabendo que
muito sofrimento ainda acontecerá!
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