Nessa semana que está
acabando houve uma operação policial em dois bairros de Parnaíba. Operação
pesada da Polícia Federal e da militar para desarticular bocas de fumo. Estes
dois bairros tem histórico de violentos e de acoitar entre os bons moradores
alguns traficantes de drogas, ladrões de celular, motocicletas, supermercados,
velhinhos aposentados e outras coisas mais.
Acompanhei pelos blogs e
portais o desdobramento da operação. Me chamou a atenção nas fotos ilustrativas,
no meio daquele furdunço todo e correria pra tudo quanto era lado, a figura de
um cachorro negro. Nas duas fotos ele está ali deitado, na dele, perto de uma
viatura assim como quem não tem nada a ver com a história e está ali apenas pra
depois entre os vizinhos assustados ficar abanando o rabo e ouvindo conversa.
Agora imagine a vida
dessas pessoas, trabalhadores, donas de casa, crianças e velhos convivendo todo
dia, semana após semana, meses e anos com esta escalada de violência em que se
transformou viver na periferia. O cão estava ali quieto perto da viatura sem a
menor vontade de latir ou de se admirar com a operação que já se tornou rotina
entre aquela gente.
Talvez fosse ele até um
olheiro dos traficantes, um cão de guarda que, ao menor sinal de perigo pra
seus patrões, agora estivesse silencioso pra não levantar suspeitas das
atividades de seus donos. Certamente deve ser um cão fiel, assim como são
outros cães de porta de rua e de fundo de quintal. Desses que apenas e ao menor
sinal de perigo se danam a latir e alarmar com a presença de estranhos.
Estava ali na dele,
deitado na areia fofa da rua sem calçamento, longe de tudo o que é movimento
mais urbano. Certamente que, pela condição de guarda de alguma boca de fumo
ganha, quando muito, algum osso carnudo, um resto de comida da mesa ou na pior
das hipóteses, quando cria confusão com seus pariceiros, leva uma pedrada
certeira de alguém incomodado com sua insolência.
Vida de cão de boca de
fumo não deve ser nada fácil. Vive sob a constante inquietação. Ao menor sinal
da sirene de uma viatura ou mesmo de um carro estranho cheio de policiais
armados até os dentes, se põe a latir feito doido. É o momento dos patrões
fugirem pela porta dos fundos e, saltando os quintais com o produto do roubo ou
do tráfico de drogas vão se esconder mais lá na frente.
Agora a gente se põe a
imaginar o que seja a vida de milhares de pessoas convivendo com vizinhos tão
importantes pra polícia. Qual a expectativa de sociedade, de paz e de trabalho
honesto dessas pessoas? Vivem sob uma constante inquietação, um inferno. Não
deve ser nada tranquilo viver num bairro desses. Não é apenas aqui na Parnaíba
não. É em tudo em quanto é cidade grande.
Aquele cão negro nunca
vai levantar suspeitas pra policia. Nunca vai sair da rua algemado e dentro de
um camburão pra depor e ser preso na Central de Flagrantes, julgado e condenado
dormir fazendo companhia a seus patrões na penitenciária. Aquele cão nunca vai
ser incomodado. Sua fidelidade está comprovada e tão logo aquela confusão toda
acabe, volta pro canto da cerca e vai tirar um sono, que ele não é besta.
* Pádua Marques, jornalista e escritor,
membro da Academia Parnaibana de Letras e do Instituto Histórico, Geográfico e
Genealógico de Parnaíba.
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