4 de fev. de 2017

Metafísica brasileira ou a necessidade de punir! (03/02/2017)

Prof. Dr. Geraldo Filho – UFPI
Prof. Dr. Geraldo Filho – UFPI

Depois do bombardeio enfadonho de notícias sobre as rebeliões nos presídios brasileiros, que marcaram as primeiras semanas do ano, algumas considerações devem ser feitas, em busca de alguma racionalidade que traga luz aos fatos.
Fico assombrado com a capacidade para a especulação abstrata e fantasiosa (metafísica) que orienta parte dos profissionais da imprensa, das universidades e de organizações da sociedade civil que trataram dos acontecimentos nas penitenciárias.
Nas análises que proliferaram em comum aparece a preocupação com os “direitos humanos” dos presos; com sua “ressocialização” e reintegração na sociedade; e em apontar na “desigualdade social” a origem dos crimes. Três conceitos problemáticos (direitos humanos, socialização e igualdade), que só devem ser compreendidos de acordo com as circunstâncias históricas de cada país e não como se fossem universais e atemporais, cujas raízes remontam aos iluministas e a sociologia francesa dos séculos XVIII e XIX. Qual o problema então?! O problema é que estes conceitos têm forte teor especulativo abstrato (metafísica, portanto!), que passa longe da realidade brutal daquilo que os contemporâneos ingleses daquela época, como Adam Smith e Edmund Burke, entendiam como “natureza humana”.
Já escrevi em outros artigos que antes de abraçar supostas novas teorias sobre o comportamento se deve antes recorrer aos clássicos, procurando o que disseram e quais semelhanças existem com a atualidade. No entanto, muitos “autores” sofrem do que o crítico literário americano Harold Bloom chamou de “angústia da influencia”, isto é, a necessidade compulsiva de se autoafirmar contestando (só por contestar, sem apresentar nada de novo!) ou distorcendo (desonestamente!) os clássicos, por não aceitarem que suas análises consistentes perduram no tempo porque abrangeram competentemente grande parte das nuances comportamentais humanas, não restando muita coisa mais por dizer!
Assim, quando se vai a Smith em A Riqueza das Nações e em Teoria dos Sentimentos Morais; e a Burke em Reflexões sobre a Revolução em França, fica-se surpreso ao se descobrir como ambos identificavam nos ideais dos franceses concepções sobre a humanidade absurdamente metafísicas, no entanto capazes de seduzir as massas devido ao apelo pela igualdade, à liberdade e à fraternidade absolutas, o que seria o “politicamente correto” daquele tempo.
Contudo, foram os ideais do Iluminismo francês que ajudaram a fudar as instituições republicanas estabelecidas no Brasil com a Proclamação de 1889, o que contribuiu para o descolamento entre elas e a realidade da sociedade como de fato era e é, pois sustentadas por abstrações filosóficas. Isto nos faz pagar um preço alto história a dentro, que reflete na dificuldade de encarar os problemas como eles são. É o caso do sistema penitenciário e da legislação criminal e penal que vigora no país.
A instituição social Judiciário e a legislação criminal e penal que a orienta deveriam ser capazes de prevenir e coibir o crime e, como consequência, proteger a sociedade daqueles que atentam contra ela, seja em que grau de periculosidade for – pois é esta sua função precípua, em conjunto com o aparelho policial civil e militar: preservar a vida e a liberdade dos cidadãos que são as vítimas em potencial!. Não é sua função institucional ressocializar ou reintegrar ninguém, fundamentalmente por que sua obrigação é com a maioria dos indivíduos pagadores de impostos que com o suor cotidiano financia seu salário que, convenhamos, está muito acima da média dessa maioria que não é criminosa. Segundo o francês Frédéric Bastiat, autor de A Lei, que em meados do século XIX se opôs radicalmente aos desdobramentos da Revolução Francesa, a Justiça deveria se restringir à proteção da vida, de todas as liberdades e da propriedade dos cidadãos, e só!
Também é uma falácia metafísica apontar a desigualdade social como causa da criminalidade, pois nos anos de estabilidade e prosperidade econômica iniciada com o Plano Real, até o fracasso criminoso do PT, o índice de homicídios só aumentou (em torno de 60 mil por ano, o que é número de um país em guerra!), o que deveria ser o contrário se as motivações para a criminalidade fossem exclusivamente socioeconômicas.
Com efeito, a mistura entre instituições sociais abstratas que delegam ao Judiciário e a execução penal a tarefa de socializar (função fundamental e razão da existência da família e da escola) partindo de premissas falsas, sem fundamento empírico (concreto, respaldado por estatística), que atribuem à desigualdade social a causa da criminalidade, cria o contexto ideal para análises erradas e soluções enganosas, que servem apenas para perpetuar e agravar o problema.  
Em um contexto social no qual as instituições que devem garantir a segurança dos cidadãos não são eficientes e eficazes, vicejam as condições favoráveis para que indivíduos agressivos, com propensão ao crime (influencia genética relacionada a fatores sociais), ganhem cada vez mais espaço no conjunto das instituições que formam a sociedade. Nesse sentido (é muito importante os leitores atentarem para isso!), não adianta períodos de crescimento e desenvolvimento econômicos como o Brasil viveu na época citada, pois não diminuirá o índice de criminalidade, muito pelo contrário, eles serão cedo ou tarde sabotados e minados em todas as esferas sociais pela corrupção e o terror de assaltos e homicídios.
O “mensalão” e o “petrolão” são eloquentes exemplos de como a corrupção é capaz de sabotar e minar os fundamentos econômicos do Estado, levando uma sociedade ao desastre econômico; assim como a violência de assaltos e crimes torna essa mesma sociedade refém de uma minoria de criminosos que aterrorizam a vida dos cidadãos, que passam a viver em permanente ansiedade, vitimados pelo medo do terror. O exemplo dos caixas eletrônicos sendo retirados das farmácias e supermercados em Parnaíba, trazendo transtorno para a comodidade da população, ilustra a vitória do crime contra a sociedade. Será difícil enxergar isso?!
Assisti muitos jornalistas e “especialistas” falando sobre a crise nos presídios, quase ninguém falou na necessidade de punir severamente e excluir os criminosos da vida social, mas quase todos se repetiram na ladainha das condições desumanas dos detentos e da necessidade da tal ressocialização etc. Mas, eis aqui o sofisma dessas posturas: será que eles acreditam que Marcelo Odebrecht, Eike Batista, João Vaccari, Renato Duque ou José Dirceu vão ser “ressocializados” durante suas temporadas na cadeia?!; ou que as prisões domiciliares de João Santana e mulher irão “reintegrá-los” à sociedade?! Ou será que eles só prescrevem “ressocialização” para a cambada de bandidos pés-de-chinelo e homicídas?! Ora, sendo assim, segundo eles, a Justiça tem dois pesos e duas medidas?!
Os jornalistas (muitos da Globo) e os tais “especialistas” adoram posar de campeões do “politicamente correto”, mostrando-se preocupados com o destino dos pobres e oprimidos do mundo. Puro populismo de esquerda! Pois adoram aparecer assim, como “progressistas”, para o público que os assiste e que pretendem influenciar. No entanto, partem de premissas falsas que alimentam seus sofismas.
Um exemplo internacional do mundo paralelo no qual parte significativa dos jornalistas habita, principalmente televisivos, foi a incapacidade de perceberem os sinais da vitória de Donald Trump, nos Estados Unidos. Guiados apenas por suas crenças pessoais compartilhadas pelo seu “mundinho”, os profissionais da imprensa americana não fizeram o dever de casa elementar: ouvir o povo e detectar que a maioria não tem valores internacionalistas, cultua comportamentos heterossexuais e é marcadamente cristã. Resultado, depois da derrota de Hillary Clinton, passaram a hostilizar abertamente o presidente legitimamente eleito. Pergunto: se Trump houvesse perdido, a imprensa e os eleitores republicanos (a direita americana) teriam o mesmo tipo de atitude?! Certamente que não, diferente do que a esquerda sempre fez e faz em diversas partes do mundo quando são contrariadas!
Aqui, no Brasil, jornalistas e “especialistas” adoram desdenhar a maioria ao se postarem sempre do lado dos “direitos humanos”, da “ressocialização” e reintegração dos detentos e das minorias em geral, seja qual for sua reivindicação. Assim, como os profissionais de imprensa americanos, criam um mundo paralelo, e esquecem de ouvir a maioria silenciosa que sofre na rua e nos lares, vítima dos crimes pavorosos, consequência da corrupção (que retira da população hospitais e escolas) e dos homicídios (que crescem vertiginosamente nas cidades). Seu senso de proporção é tão abstrato e absurdo que falam em crimes de menor periculosidade, mas, mais uma vez, esquecem que para a maioria da população um celular roubado ou uma galinha furtada representam violência cometida contra uma propriedade que foi conquistada com horas e dias de muito trabalho, não sendo, portanto, para a vítima, um simples crime de “menor periculosidade”.
Vale a pena citar o velho Adam Smith, em A Riqueza das Nações, para dimensionar com exatidão a importância que liberais e conservadores concedem a vida e a propriedade: “O patrimônio que todo homem tira de seu próprio trabalho, como é o fundamento original de todas as outras propriedades, é o mais sagrado e inviolável. O patrimônio de um homem pobre repousa sobre a força e destreza de suas mãos; e impedi-lo de empregar sua força e sua destreza da maneira que ele julga adequada, sem prejudicar seu vizinho, é uma plena violação de sua mais sagrada propriedade.” 
Porém, contra toda racionalidade, o que revela como nossas instituições são alienígenas, vida e propriedade não são valores sagrados. E o conceito de maioria não é matemático, basta ver o que disse a apresentadora da Globo Fernanda Lima em programa recente: “... minoria, gente, aqui não é grandeza, é um conceito político!” Ah, tá! Eu não sabia...

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