Estou pra ver numa altura dessas do sábado de Carnaval quem não se lembre de um dia, um dia sequer, mesmo o mais casto dos homens, ter passado, ter sobrevivido a uma ressaca. Ressaca braba. E principalmente ressaca de cerveja misturada com cachaça, limão, caju, amendoim, patinha de caranguejo, cajá umbu, torresmo, tiquira, vinho, uísque falsificado, tipo Old Par, desses fabricados lá na Santa Maria da Codipi em Teresina ou no São Vicente de Paula em Parnaíba pra uma bandas. Porque Carnaval é festa do cão! Ninguém me tira da cabeça essa ideia! Ninguém queira saber o que é essa tentação das almas!
Na hora da sacanagem, todo mundo por cima. Uns mais chapados que outros. Tem os calados, os sonsos, poliglotas, os ricos, os valentes, os duvidosos, os gabolas. Ninguém a uma altura dessas se lembra que tem mulher, filhos, contas de luz, água e telefone, carnê do Paraíba pra pagar. E aí se a gente encontra aqueles pariceiros da mesma laia, pode esquecer. Aí é que fica bom mesmo! Coisa de fechar a praça do Ipase, ali pelo bar da Vera Coutinho. E se tem mulher pelo meio, dessas piriguetes, essas meninas que adoram uma farra regada a muita bebida e sacanagem, meu irmão, deixa rolar até onde der. A gente é capaz de ir, uns vinte dentro de um Monza, pra Cocal ou pra Barras, voltar e depois não se dar conta!
Mas como tudo um dia acaba e essa hora é a Quarta-feira de Cinzas, a gente quando acorda no outro dia parece que tem uma pedra de fogo, dessas que a prefeitura calça as ruas, dentro da cabeça jogando de um lado pra outro. Aquela quase certeza de que o mundo está desabando e a gente indo junto! Se se pensa em levantar pra ir ao banheiro, àquela altura empestado de catinga, parece que tem uma tonelada de cimento em cada solado do pé. Dá vontade de morrer, tamanha é a fraqueza no corpo. Os olhos são umas postas de sangue e a boca amargando.
Aquele bafo de onça, coisa de matar a metros de distância qualquer vivente, tipo assim esse mosquito da dengue! E ainda tem coragem de se pegar com Deus com medo de morrer! E aí vem as promessas de que nunca, mas nunca, enquanto vivo for vai colocar uma gota de álcool na boca e vai passar longe de um boteco e arrenegando do mau momento de ter acompanho os amigos e colegas malas que lhe deixaram só as tiras da chinela japonesa. Porque farra é bom demais. Farra é coisa de nunca lembrar do que vem pela frente. Ora, se o mundo tiver que se acabar ali que seja, que se acabe com todo mundo dentro! E mais ainda quando é Carnaval.
Mas eu fiz de propósito esse arrodeio todo no quarteirão pra chegar em casa já na Quarta-feira de Cinzas de, à essa altura, lembrar de muitos e muitos prefeitos do Piauí que passaram até agora só na farra de gastar dinheiro com brincadeiras e mais brincadeiras. Municípios que foram criados pra atender interesses de caciques políticos e pra acomodar compadres. Mas que não tiveram, não têm e nunca vão ter condições de caminhar por suas próprias pernas. Feito bêbado sem condições de procurar uma rede pra curtir a carraspana de véspera!
E aí os prefeitos se danaram a gastar por conta. Ainda tem muitos deles, que se eu fosse da justiça esse pessoal já estaria era na cadeia, que por dê cá essa palha era coisa de fazer
festa. Tudo pra atender o compadre, o deputado fulano de tal, o senador sicrano. Portarias dentro dessas prefeituras é feito caboclo quando pega em dinheiro. Porque se existe bicho mais saliente quando pega num real, esse bicho é caboclo. Coisa de jogar pra cima e sem se importar onde vai cair e quem vai pegar.
Prefeitos irresponsáveis que deixam à míngua e ao descaso população em hospitais, postos de saúde, escolas, creches. Não fazem limpeza e calçamento de ruas e avenidas. São insensíveis pra desenvolver campanhas de saúde pública, como é o caso desse momento com o mosquito transmissor da dengue. Não promovem pelos mecanismos e projetos bem estruturados a segurança da população, mas são suficientes e debochados, generosos em promoverem concursos públicos fraudulentos de conluio com gente que tem folha corrida e ficha suja na justiça.
E mais ainda, nessa época do ano, contratam bandas e mais bandas de forró, axé e cantores sertanejos pra iludirem a população nas praças públicas. Prefeitos que são suficientes e generosos com os compadres, as amantes, os colegas dos filhos, os enteados da sogra da empregada, toda sorte de parentela e pra aqueles incautos, os bobos, os idiotas, os sem nome e sem expressão que batem palmas pra eles em todo canto de feira. Numa altura dessas de fevereiro, quando a coisa começa a ficar cinzenta pra todo mundo tem muito prefeito com a mão na cabeça e correndo pro banheiro chamando hugo.
Por Pádua Marques
Jornalista e Escritor
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