Se já estava difícil guardar a memória da chamada velha imprensa da Parnaíba neste início de século XXI, agora ficou mais ainda com a morte do radialista Jaime Lins Solano Lopes. Eu venho defendendo há bastante tempo que se produza um documentário audiovisual, sem perda de tempo, sobre os remanescentes de uma geração de jornalistas, radialistas e editorialistas que estão neste momento, alguns aposentados, outros ainda batalhando no ofício. Seria a memória audiovisual de quem fez parte da história da Parnaíba.
Cheguei a sugerir por ocasião dos preparativos e durante a própria realização da Semana da Imprensa que o quanto antes este trabalho seja executado. Tenho imensas e justificadas razões para até certo ponto ter apreensão quanto ao produto final deste documentário. As velhas figuras da imprensa parnaibana, Mário Campos, Bernardo Silva, Antonio Gallas Pimentel e outros, como disse, ainda têm guardado na memória, importantes e imprescindíveis informações e passagens sobre esta ciência da
comunicação humana.
Tirando aqueles já mortos em outras épocas e aqueles que se desiludiram com a vida nem sempre reconhecida por um bom salário como operários da comunicação, operários da arte de fazer imprensa na Parnaíba, os mais antigos estão fora do campo, aposentados ou mesmo foram embora à busca de melhores condições de sustentarem suas famílias e terem num futuro uma velhice mais sossegada sem riscos de padecerem do ostracismo imposto pela voracidade do tempo e da modernidade.
Mas venho encontrando dificuldades de recursos e estruturais. A Associação dos Comunicadores de Parnaíba é uma entidade que ainda não tem formato jurídico e mais ainda, não dispõe de dinheiro para custear o trabalho de profissionais, embora seja composta por muitos cinegrafistas. Um documentário deste porte necessitaria de dinheiro e tempo desses profissionais fora de seus horários de trabalho.
Agora nos vem a morte de Jaime Lins Solano Lopes. Um dos ´mais completos radialistas de sua geração. Culto, sereno, honrado, competente na arte de levar informações de primeira qualidade aos ouvintes. Foi enquanto profissional um homem igual a aqueles automóveis da década de 1930 e 1940. Sempre com muita precisão nos comandos, refinado e elegante quando estava no seu desempenho. Agora morto, no meu entendimento, se assemelha a um avião a jato ou a um jumbo que sumiu no espaço com sua enorme e preciosa carga numa caixa-preta.
Um jato ou um jumbo da antiga geração, saído da competência tecnológica aeronáutica de então. Daqueles que serviram a grandes travessias e que ganhou altura no céu da comunicação dentro e fora de Parnaíba. Não deixou com ninguém sua fabulosa caixa-preta. E é justamente nessa caixa onde estavam ao longo de muitas décadas, milhões de dados precisos sobre a música popular brasileira com seus cantores, compositores e também a história do rádio e sua evolução e infelizmente o declínio no Brasil. A caixa-preta, este equipamento tão útil nos aviões modernos e que ele tão bem conhecia os segredos por ser um amante da aviação junto com seu irmão João Tércio, também
jornalista e radialista.
Porque daqui pra frente outros radialistas devem surgir, mas sem este brilho, essa legião de fãs, esse conhecimento, esta raiz tão profunda, este esmiuçado e tão rico quanto tudo que ele acumulou em décadas de trabalho por várias emissoras. O conhecimento de Jaime Lins quando falava sobre o rádio e a música popular brasileira ainda hoje impressionam até mesmo seus contemporâneos. Esse conhecimento que lhe garantiu entre os profissionais ainda vivos uma unanimidade todas as vezes que se fazia necessário falar sobre esta parte da comunicação moderna e quando era constantemente convidado a dar palestras dentro e fora de Parnaíba.
Agora essa caixa-preta com tudo aquilo que tinha dentro sobre a música popular brasileira e a história do rádio no mundo e no Brasil em particular foi embora com ele. Será impossível daqui a muitos anos, quando o mundo estiver cada dia mais próximo pelo incremente de novas tecnologias da comunicação, recuperar tudo aquilo que foi acumulado durante décadas e mais décadas de pesquisas e vivências.
Haverá no futuro sempre uma dúvida, aquela de saber se nós, agora sobreviventes dessa época, nos preocupamos em perguntar a Jaime Lins tudo aquilo de que necessitávamos saber sobre aquilo que ele mais sabia. E se ele nos disse tudo ou parte do que sabia sobre rádio e música popular brasileira nas primeiras décadas do século XX.
É por isso que eu julgo mais que necessário a gente se preocupar com o que sabe e mais ainda guardar e transmitir para que outros possam ter acesso e fazer deste material um bom uso no futuro. Tudo aquilo que Jaime Lins sabia ele levou com ele na inseparável caixa-preta da memória. Se nos passou alguma coisa sobre esta sua experiência e conhecimentos, e certamente nos passou muito, não corresponde a um décimo do que levou na caixa-preta e que nunca mais vai ser encontrada. E mesmo que seja encontrada em material físico nunca poderá ser aberta.
Por Pádua Marques
Jornalista e Escritor
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