Um sentimento de fracasso paira em cada roda de conversa no Piauí. O fracasso tem gosto amargo e um gole dele é capaz de provocar ebulições de angústia. Ele se intensifica com o avanço dos detalhes sobre a história das quatro meninas estupradas na cidade de Castelo do Piauí, localizada a 199 Km de distância de Teresina. A cada frase dita (“o estado de saúde delas está pior”, “estão inconscientes”, “tiveram afundamento no crânio”), um prego enferrujado entra no peito de quem ouve. O sangue derramado não tem lamento, tem ódio.
Já passamos pela primeira fase do luto, aquela em que negamos a existência do problema. Quando circularam as primeiras informações, rebatemos internamente com a força de quem queria acreditar mesmo sabendo da fragilidade que a realidade teima em jogar na nossa cara: “Elas vão se recuperar logo, será superado”.
Com a prisão dos menores de idade e os detalhes sádicos do crime, pulamos para a fase dois do luto: raiva, muita raiva. Inconformados e alvos do que consideramos injustiça com as meninas e as famílias, só queremos que os acusados paguem. A moeda? Poderia ser até a própria vida, dizemos com uma faca na mão e fogo nos olhos.
Agora, estamos na transição para a terceira fase de luto: a negociação. Tentar entender de onde vieram os garotos que cometeram o crime, refletir sobre as punições para o estupro e compreender até onde vai a Justiça no caso de menores infratores. Precisamos saber o que o Estado vai fazer, que passos dará para que não se repita o que nem cogitamos suportar de novo.
Como as famílias pobres e ricas podem evitar as armadilhas do abandono social e sentimental para criar cidadãos e não futuros criminosos? Que barreiras derrubar para que o machismo também caia e leve com ele todos os julgamentos morais e subjugações advindas da diferença de gênero?
O desejo agora é que a última fase, a da aceitação do rumo das coisas, não seja confundida com o conformismo. Que a gente não passe para a comoção da próxima tragédia como quem vira uma página e nunca mais volta. Mesmo incorporando a compreensão de quais são as nossas possibilidades e limitações como sociedade, não devemos perder o ímpeto de questionar e tentar mudar. Engolir o fracasso, como quem toma um remédio amargo mas necessário, é essa a dor que devemos passar se quisermos fazer justiça pela morte de Dannielly.
Publicado por: Sávia Barreto
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