4 de mai. de 2015

Populações Tradicionais da Pedra do Sal: quem as defende (u)?! (*)

Semana passada o Conselho Consultivo da APA Delta do Parnaíba realizou a I reunião ordinária do ano, em Bitupitá, litoral de Barroquinha-CE. Na pauta a discussão sobre os empreendimentos que estão em fase de licenciamento ambiental: Pontal do Delta e Pure Resorts.
De forma democrática e transparente o ICMBio conduziu um debate digno de ser enaltecido pela organização que permitiu lucidez e ordem nas discussões. A APA Delta do Parnaíba é uma Unidade de Conservação de “Uso Sustentável” e tem como objetivo proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais na região.
Os resorts que estão querendo instalar na Pedra do Sal estão encontrando resistência de alguns segmentos das comunidades. Na verdade, há, nos bastidores, uma “guerra” sendo estimulada e patrocinada por organismos e pessoas que demonstram preocupação com os impactos à vida tradicional local. Para estes não deve haver autorização para a instalação de nenhum tipo de empreendimento na área. Porém esta categoria de unidade de conservação permite tais empreendimentos, desde que atendam à legislação própria.
O que se entende por “populações tradicionais”? Segundo o Decreto Federal Nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2000 que Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais significa: “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”.
Quem fala contra os empreendimentos apoia-se no discurso do “mito da natureza intocada” de Diegues. O grande desafio do mundo moderno não é a preservação pura, simples e poética dos recursos naturais, senão o estabelecimento de uma gestão sustentável. Não se trata de impor regras para não tocar na natureza, mas de por em prática o uso racional de forma que possa causar o menor impacto possível e que, este seja minimizado, mitigado e/ou compensado. Isso deveria ser o fundamento das discussões.
O grande problema apontado é que os empreendimentos irão ocupar as áreas extrativistas da comunidade. Mas que estilo de desenvolvimento será permitido lá? Quem decide isso? As famílias residentes estariam suficientemente atendidas em sua qualidade de vida? Vamos tentar compreender essa história...
A formação deste núcleo comunitário remonta mais de um século. Ali se organizaram, viveram e criaram um estilo próprio de sobrevivência. Muitos problemas e dificuldades estiveram e estão presentes em seu cotidiano. Durante todo esse tempo poucos verdadeiramente saíram em sua defesa. Hoje, quem se arvora fazê-la, faz de forma equivocada, salvo melhor juízo.
Mais algumas reflexões: onde estavam essas pessoas que durante décadas não perceberam que o modo de vida da comunidade era e ainda é semi-escravocrata? Entendem essas pessoas o contexto político, econômico e social que gerou e mantêm a ocupação daquelas famílias numa condição de subsistência (com raríssimas exceções) até hoje? A comunidade Pedra do Sal deve permanecer sendo uma vila de pescadores stricto sensu? Deve continuar tendo como principal fonte de renda os recursos de transferência de renda do bolsa família? É justo dizer que a cata do murici, cajuí, extração da carnaúba ou qualquer outra atividade extrativista é a principal fonte de renda da comunidade, caracterizando-a como tal e sentenciando-a a isso?
O momento das discussões poderia ser mais bem aproveitado, posto que nunca se teve a oportunidade de se dar voz à comunidade como neste processo de licenciamento. A SEMAR e o ICMBio têm conduzido o trabalho com senso de muita responsabilidade e cuidado. Isto é fato, louvável inclusive!
Não faço a defesa pura e simples dos empreendimentos. Defendo um modelo que se ajuste às peculiaridades locais. Que as experiências erradas dos projetos instalados pela costa nordestina afora sirvam de exemplo. Que esse modelo não se replique aqui. E, mais que isto, os ganhos sejam distribuídos também com as populações locais. Também não quero o desenvolvimento a qualquer preço, porém o discurso que está sendo instrumentalizado pelas forças que se opõem a qualquer atividade econômica na praia da Pedra do Sal precisa ser substituído pelo legítimo instrumento que pouco usamos: a participação e o controle social.
Quem ganha com a atividade do caju? É o senhor que nunca foi à mata, nem nunca levou uma esporada de “italiana”; Quem ganha com a pesca artesanal? É o senhor que nunca sofreu para remendar uma rede ou uma canoa velha; Quem ganha com a cata do caranguejo? É o senhor que nunca entrou num mangue... Discutir a estrutura da cadeia produtiva e inverter o papel dando ganhos reais a quem de fato produz a riqueza é o desafio...
Implantar um hotel numa área frágil sem nenhum cuidado se equivale a explorar um pescador ou extrativista sem lhe permitir a dignidade humana. Não defendo e nem quero nem uma coisa, nem outra. Alerto para uma discussão necessária da realidade contextualizada dos fatos. Não precisamos de heróis, nem de paladinos da justiça...


(*) Fernando Gomes, sociólogo, eleitor, cidadão e contribuinte parnaibano.

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