Semana passada o Conselho Consultivo da APA
Delta do Parnaíba realizou a I reunião ordinária do ano, em Bitupitá, litoral
de Barroquinha-CE. Na pauta a discussão sobre os empreendimentos que estão em
fase de licenciamento ambiental: Pontal do Delta e Pure Resorts.
De forma democrática e transparente o ICMBio
conduziu um debate digno de ser enaltecido pela organização que permitiu
lucidez e ordem nas discussões. A APA Delta do Parnaíba é uma Unidade de
Conservação de “Uso Sustentável” e tem como objetivo proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de
ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais na região.
Os resorts que estão querendo instalar na Pedra
do Sal estão encontrando resistência de alguns segmentos das comunidades. Na
verdade, há, nos bastidores, uma “guerra” sendo estimulada e patrocinada por
organismos e pessoas que demonstram preocupação com os impactos à vida
tradicional local. Para estes não deve haver autorização para a instalação de nenhum
tipo de empreendimento na área. Porém esta categoria de unidade de conservação
permite tais empreendimentos, desde que atendam à legislação própria.
O que se entende por “populações
tradicionais”? Segundo o Decreto Federal Nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2000
que Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais significa: “grupos
culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas
próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos
naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa,
ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição”.
Quem fala contra os empreendimentos apoia-se
no discurso do “mito da natureza intocada” de Diegues. O grande desafio do mundo moderno não
é a preservação pura, simples e poética dos recursos naturais, senão o
estabelecimento de uma gestão sustentável. Não se trata de impor regras para
não tocar na natureza, mas de por em prática o uso racional de forma que possa
causar o menor impacto possível e que, este seja minimizado, mitigado e/ou
compensado. Isso deveria ser o fundamento das discussões.
O grande problema apontado é que os
empreendimentos irão ocupar as áreas extrativistas da comunidade. Mas que
estilo de desenvolvimento será permitido lá? Quem decide isso? As famílias
residentes estariam suficientemente atendidas em sua qualidade de vida? Vamos
tentar compreender essa história...
A formação deste núcleo comunitário remonta
mais de um século. Ali se organizaram, viveram e criaram um estilo próprio de
sobrevivência. Muitos problemas e dificuldades estiveram e estão presentes em
seu cotidiano. Durante todo esse tempo poucos verdadeiramente saíram em sua
defesa. Hoje, quem se arvora fazê-la, faz de forma equivocada, salvo melhor
juízo.
Mais algumas reflexões: onde estavam essas
pessoas que durante décadas não perceberam que o modo de vida da comunidade era
e ainda é semi-escravocrata? Entendem essas pessoas o contexto político,
econômico e social que gerou e mantêm a ocupação daquelas famílias numa
condição de subsistência (com raríssimas exceções) até hoje? A comunidade Pedra
do Sal deve permanecer sendo uma vila de pescadores stricto sensu? Deve continuar tendo
como principal fonte de renda os recursos de transferência de renda do bolsa
família? É justo dizer que a cata do murici, cajuí, extração da carnaúba ou
qualquer outra atividade extrativista é a principal fonte de renda da
comunidade, caracterizando-a como tal e sentenciando-a a isso?
O momento das discussões poderia ser mais
bem aproveitado, posto que nunca se teve a oportunidade de se dar voz à
comunidade como neste processo de licenciamento. A SEMAR e o ICMBio têm
conduzido o trabalho com senso de muita responsabilidade e cuidado. Isto é
fato, louvável inclusive!
Não faço a defesa pura e simples dos
empreendimentos. Defendo um modelo que se ajuste às peculiaridades locais. Que
as experiências erradas dos projetos instalados pela costa nordestina afora
sirvam de exemplo. Que esse modelo não se replique aqui. E, mais que isto, os
ganhos sejam distribuídos também com as populações locais. Também não quero o
desenvolvimento a qualquer preço, porém o discurso que está sendo
instrumentalizado pelas forças que se opõem a qualquer atividade econômica na
praia da Pedra do Sal precisa ser substituído pelo legítimo instrumento que
pouco usamos: a participação e o controle social.
Quem ganha com a atividade do caju? É o
senhor que nunca foi à mata, nem nunca levou uma esporada de “italiana”; Quem
ganha com a pesca artesanal? É o senhor que nunca sofreu para remendar uma rede
ou uma canoa velha; Quem ganha com a cata do caranguejo? É o senhor que nunca
entrou num mangue... Discutir a estrutura da cadeia produtiva e inverter o
papel dando ganhos reais a quem de fato produz a riqueza é o desafio...
Implantar um hotel numa área frágil sem
nenhum cuidado se equivale a explorar um pescador ou extrativista sem lhe
permitir a dignidade humana. Não defendo e nem quero nem uma coisa, nem outra.
Alerto para uma discussão necessária da realidade contextualizada dos fatos.
Não precisamos de heróis, nem de paladinos da justiça...
(*) Fernando Gomes, sociólogo, eleitor,
cidadão e contribuinte parnaibano.
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