Não me recordo o dia exato da primeira vez que meus olhos pousaram alegres e surpresos sobre as águas verdes turmalina (ou será verde turquesa? – não sou bom nesse negócio de cores) das irrequietas águas da Lagoa do Portinho. A mistura do verde com o azul criou ali uma nova cor, isso é certeza. O choque que senti apagou para sempre o meu passado. Parece até que nasci naquele dia. E como ninguém lembra o dia do seu próprio nascimento, fico sem saber a resposta à indagação. O que me recordo mesmo foi o alumbramento que senti. Ficou registrado também o prazer do mergulho nas águas frias e doces daquele pedaço de paraíso bordejado por dunas brancas e faiscantes naquele sol pós meio dia. Não há como lembrar com exatidão aquele dia se sempre conheci aquele pedaço de paraíso! Os meus melhores sonhos foram ambientados naquela Lagoa Bela. Isso também é certeza. Portanto, vem de longe o nosso acumpliciamento.
Os Tremembé banharam-se por séculos naquelas águas repousantes também. E não lhes cabe um dedo mínimo de culpa pela morte dela. Aproveitaram-se dela, sim! Deliciaram-se nela, sim! E deram vazão às suas brincadeiras milenares como seus ancestrais já faziam, desde quando Tupã determinou que as lágrimas de Ubitã formassem um rio para separar a sua aldeia da taba da sua pranteada Macyrajara. Não alteraram um quê mínimo do ambiente. Mas ai vieram os brancos, os sábios, os senhores do mundo, e expulsaram os índios para bem longe! (a maioria ficou mesmo debaixo da terra, dizem os historiadores). E cagaram tudo (desculpem o termo chulo, mas, foi isso mesmo o que fizemos: cagamos sobre o que a natureza nos deu de graça). E levamos pouquíssimo tempo para cometer o nosso grande desacerto. 2015 poderá ficar na história como o ano em que as águas do Portinho desapareceram.
Qual a idade daquela lagoa? Milhões de anos? Muito menos que isso? Isso também não se sabe, não tem importância. Não quero saber também o dia ou o ano da sua morte, pois me parece que ainda temos tempo para salvar o paciente terminal. Basta querermos que os nossos filhos, os nossos netos, tataranetos e todos os nossos sucedâneos também tenham a imensa felicidade de mergulhar nas suas águas reconfortantes e belas. Basta pensarmos que aquele ambiente idílico seria um bom refresco para aplacar o ardor salgado que nossos filhos trazem nos corpos quando de volta do mergulho colossal nas águas do Mar de Luís Correia.
Mas estamos perdendo-nos em elucubrações outra vez na busca de culpados para o fatídico desenlace. Para quê procurar culpados se ninguém será condenado! Serão mesmo os vendedores de espetinho os únicos responsáveis pelo desaparecimento daquele Paraíso terreal? (eles foram apontados pelos homens que conduzem a política ambiental do município na última Audiência Pública realizada para discutir os problemas da moribunda lagoa. Estavam de brincadeira, não nos parece?). Mas querem-se encontrar culpados? Eles estão logo ali, aqui, acolá. Estão por todos os lados e à vista de todo mundo. Somos nós, quem tanto procuramos. A nossa geração será eternamente responsabilizada pelo desaparecimento da Lagoa do Portinho. Essa é a única verdade que ficará para os que vierem depois de nós. Réquiem para a Lagoa do Portinho! Que descanse em paz, juntamente com a nossa insepulta incompetência. Fiquemos também com a imagem acima. Que ela não permita nunca que a nossa culpa se vá com o tempo. (Por José Pedro Araújo)
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