São 3h da manhã e a Dona Raimunda, uma
brasileira de 64 anos de idade residente no bairro Planalto acorda para se
dirigir ao Posto de Saúde da Comunidade São Sebastião, Módulo 11, na tentativa
de marcar uma consulta médica. É preciso madrugar para conseguir uma ficha!
Prepara um rápido café e sai de casa
apressada para chegar logo ao seu destino, enfrentando a areia das ruas do seu
bairro até chegar à Unidade de Saúde leva quase quarenta minutos.
Já é quase 4h da manhã, lá no Posto ela encontra
outras amigas que fizeram a mesma jornada. Toda madrugada é assim, de segunda a
sexta, a calçada abriga uma quantidade razoável de desvalidos da sorte. Lá eles
fazem a própria regra, se organizam por ordem de chegada. Jogam conversa fora
para passar o tempo e como todo brasileiro, ainda se divertem ao ir madrugar
num posto desses. Uma humilhante aventura!
Isto não é enredo de filme é a realidade
de milhares de famílias parnaibanas que não têm um atendimento médico como
previsto na política de atenção básica do SUS.
Neste cenário surge também a figura do
espertalhão. Aquele que chega mais cedo, marca o seu lugar e vende a “ficha”.
Nada é institucionalizado, naturalmente. Se consultarem a Secretaria Municipal de
Saúde certamente haverá repulsa aos fatos com a contundente negação de que isso
não ocorre.
Mas, segundo informações de servidores
da área da saúde que não querem se identificar temendo represálias, tais fatos
se repetem com frequência em outros postos e é do conhecimento da administração
municipal. Na prática ninguém vê isso, ninguém diz nada. Pois nenhuma
providência tem sido adotada.
Este posto dá para fazer um filme. Em
2012, a Prefeitura de Parnaíba recebeu recursos do Ministério da Saúde, pelo
PAC 2, no valor de R$ 123.343,15 (cento e vinte e três mil trezentos e quarenta
e três reais e quinze centavos) para a reforma do dito Posto de Saúde da
Comunidade São Sebastião. Uma obra prevista para ser executada em 90 dias e que
levou quase dois anos para ser concluída.
Valor questionável para uma simples
reforma do tipo ali realizada, uma vez que casa mais ampla e recém-construída
na mesma avenida foi negociada a um preço médio de R$ 120 mil, valor da época.
Vê-se que a reforma saiu pelo preço aproximado de uma casa nova. Estrutura que
daria para acomodar uma unidade de saúde com mais conforto e comodidade para os
servidores e usuários.
No entanto, a reforma do prédio foi
feita a um alto custo e de forma demorada, sem se importar com os cidadãos que
ficaram um bom tempo sem o atendimento. A melhoria necessária, além da física,
deve ocorrer no atendimento. Urge o investimento em políticas de humanização da
saúde pública.
A solução
está na boa aplicação dos recursos do Programa de Saúde da Família – PSF que se propõe a transformar o
tradicional modelo sanitário brasileiro médico, medicamentoso, curativo e
individual, que tem no hospital o lócus de solução para todo e qualquer
problema de saúde, em um modelo de saúde coletivo, multiprofissional e centrado
na família e na comunidade. Falta atenção básica ou primária.
A Atenção
Primária à Saúde (APS) constitui o primeiro nível de contato com o sistema. No
Brasil, o Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa de Agentes Comunitários
de Saúde (PACS) são estratégias de implementação e organização da APS.
Deveríamos ter um serviço de saúde mais qualificado e mais humanizado, isso
porque Parnaíba
possui a Gestão Plena do SUS que quer dizer que além da gestão das ações de APS
ficam a cargo do município as políticas de atendimento à média e alta complexidade (Assistência Hospitalar e
Ambulatorial). Se a primária não atende, esta outra desanda...
A Secretaria Municipal de Saúde não
deveria permitir que as “Donas Raimundas” tivessem que passar pelo
constrangimento de madrugar num Posto de Saúde correndo muitas vezes o risco de
não conseguir uma consulta ou até mesmo de ela ser marcada e no dia o médico
simplesmente faltar.
Como deveria funcionar? O manual SUS
explica: para marcar consultas o paciente deve procurar o Posto de Saúde mais
próximo de seu bairro no horário normal de atendimento. A consulta é agendada
na hora e o paciente informado sobre o dia e horário que deve retornar ao posto
para ser consultado. Todos os dias devem existir vagas reservadas
exclusivamente para as emergências dos pacientes que não tenham agendado
consulta. Além disso, a equipe de enfermagem deve estar pronta para avaliar os
casos que precisam de atendimento hospitalar e encaminhá-los ao Pronto Socorro Municipal.
Quando a consulta for com um especialista (cardiologista, ortopedista, etc), o
paciente deve ser consultado, primeiramente, pelo clínico geral do posto de
saúde para que o médico faça o encaminhamento. Depois disso, no próprio posto
de saúde o paciente deve se dirigir ao balcão de atendimento com a guia de
encaminhamento e agendar uma nova consulta, desta vez, com o especialista.
Será tão difícil implantar esse
sistema respeitoso e necessário ao cidadão?!
(*) Fernando Gomes, sociólogo, eleitor,
cidadão e contribuinte parnaibano.
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