13 de set. de 2014

Passagem para a Índia.


Nesse feriado da Independência do Brasil me sucedeu uma coisa aqui nesta Parnaíba que me fez lembrar uma situação vivida por mim e meu irmão mais velho, o Raimundo, tão logo passei a morar definitivamente em São Paulo já no final dos anos de 1970.  Como se sabe, todo nordestino quando está debaixo da asa de sua mãe e do teto de seu pai vive reclamando que a terra não presta, não lhe dá a menor condição de ser gente na vida e na primeira oportunidade, pode ser na frente de estranhos ou até de conhecidos cobre ela de tudo em quanto é nome feio. Uma revolta até que se justifica porque o Nordeste de tanto ser maltratado acabou ficando feio.
Mas quando este nordestino está longe de sua terra e encontra alguém por este mundo com algum traço de, sendo gente da família ou de sua terra, então, menino, sua terra é a melhor terra deste mundo. Melhor não há que se compre ou se compare. Não há neste encontro entre gente da boa terra melhor momento do que este.  É um tal de achar graça sem fim e falar bem alto e sem a menor cerimônia, de mostrar os filhos, de tomar a benção, lembrar as comidas do trivial e até as exóticas. Fica o bicho falante, cheio de modos e delicadezas. Vira gente assim de uma hora pra outra. Dizendo aqui agora ninguém acredita, mas é verdade. A gente fica mais parecendo comadres em procissão tanta é a felicidade de encontrar que fale testa a testa e sem intérpretes a nossa língua.
E fomos nós, meu irmão Raimundo e eu fazer uma visita a uns conterrâneos lá pras bandas de São Miguel Paulista, depois de Santo Amaro uns cinquenta graus abaixo de zero, uma região aonde tem mais nordestino por centímetro quadrado do que mosquito da dengue em ralo de banheiro. Entrei no tal ônibus com destino ao desconhecido todo de banho tomado, de calça jeans e camiseta, pronto e certo que seria uma viagem e tanto. E seriam muitos abraços nos colegas e conhecidos de Parnaíba, gente do bairro Campos e do bairro de Fátima, gente do Custódio Amorim, coisa desse tipo. Mas ao descer em São Miguel, confesso, havia presenciado uma metamorfose surpreendente: minha calça havia se transformado em um bermuda, tal a lotação do ônibus!
Mas voltando pro ponto de onde deixei cair a moeda de cinquenta centavos, lembro que no domingo de feriado da Independência entrei numa dessas vans que carregam gente do subúrbio, feito melancia, pro centro pra assistir ao desfile e acompanhar por dever de ofício essa transmissão ao vivo pela TV Delta. Depois de esperar uma, como dizia minha mãe, realidade, lá vem uma saindo das bandas do Alto de Santa Maria. Naquela altura já coalhada de gente. Gente saindo pelo ladrão. Uma cena típica daqueles filmes indianos com os trens correndo de mato adentro e entupidos de gente e que quando tem um descarrilamento e tudo pega fogo fede só a molambo queimado.
Mulher com menino de colo ou puxando pelo braço, meninos de todo tope com cara de mal dormidos, daniscos e largados das mães, livres pra aprontar uma peraltice. Mocinhas dedilhando o inseparável celular ou com ele à mostra no bolso da bermuda e com aqueles óculos de sol enormes. Senhoras com vestidos cor de abóbora. Rapazinhos ainda vestidos com camisetas da Seleção Brasileira. Uma verdadeira prateleira humana dentro de um carro tão pequeno e num calor dos infernos. E eu ali vendo aquilo tudo e pedindo a Nossa Senhora, padroeira da Paciência, que me desse mais serenidade pra suportar aquilo tudo, aquele enorme mosaico, mais parecido, mal comparando, com os afrescos do Taj Mahal ou da Capela Sistina. E ainda tive que lá pelas tantas ficar esperando um tempo enorme enquanto o motorista, com a maior sem cerimônia parava o carro pra fazer as vezes de cobrador. Tivesse alguém precisando que aquele comboio esvaziasse pra se fazer uma necessidade, soltar um vento que fosse, tal como fez o pastor Everaldo no Jornal Nacional, a coisa iria feder.

E descendo deste trem nesta verdadeira viagem aos cafundós da Índia a caminho do Centro Cívico, fico me coçando pra perguntar, sei lá pra quem, até quando nós da Parnaíba vamos ter um dia transporte público de qualidade. De preferência ônibus, daqueles bem grandões, onde a gente possa esticar as pernas ou, sentados, na janela, olhando pra avenida, tipo gente besta em cidade grande, não ter de ficar sendo incomodados com os poucos assentos quando entrar uma mulher carregando menino ou um velho indo pro centro receber o dinheiro da aposentadoria ou à procura de se consultar nalgum médico. Até hoje eu não sei que caroço de goiaba é esse entre os dentes e a gengiva, que travanca uma posição oficial sobre este problema de Parnaíba não ter transporte público de qualidade, principalmente aos fins de semana. Uma situação incômoda, tão incômoda, assim feito uma casca de cajá no céu da boca ou espinho de pequi na ponta da língua.

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