Mas quando este
nordestino está longe de sua terra e encontra alguém por este mundo com algum
traço de, sendo gente da família ou de sua terra, então, menino, sua terra é a
melhor terra deste mundo. Melhor não há que se compre ou se compare. Não há
neste encontro entre gente da boa terra melhor momento do que este. É um tal de achar graça sem fim e falar bem
alto e sem a menor cerimônia, de mostrar os filhos, de tomar a benção, lembrar
as comidas do trivial e até as exóticas. Fica o bicho falante, cheio de modos e
delicadezas. Vira gente assim de uma hora pra outra. Dizendo aqui agora ninguém
acredita, mas é verdade. A gente fica mais parecendo comadres em procissão
tanta é a felicidade de encontrar que fale testa a testa e sem intérpretes a
nossa língua.
E fomos nós, meu irmão
Raimundo e eu fazer uma visita a uns conterrâneos lá pras bandas de São Miguel
Paulista, depois de Santo Amaro uns cinquenta graus abaixo de zero, uma região
aonde tem mais nordestino por centímetro quadrado do que mosquito da dengue em
ralo de banheiro. Entrei no tal ônibus com destino ao desconhecido todo de
banho tomado, de calça jeans e camiseta, pronto e certo que seria uma viagem e
tanto. E seriam muitos abraços nos colegas e conhecidos de Parnaíba, gente do
bairro Campos e do bairro de Fátima, gente do Custódio Amorim, coisa desse
tipo. Mas ao descer em São Miguel, confesso, havia presenciado uma metamorfose
surpreendente: minha calça havia se transformado em um bermuda, tal a lotação
do ônibus!
Mas voltando pro ponto
de onde deixei cair a moeda de cinquenta centavos, lembro que no domingo de
feriado da Independência entrei numa dessas vans que carregam gente do subúrbio,
feito melancia, pro centro pra assistir ao desfile e acompanhar por dever de
ofício essa transmissão ao vivo pela TV Delta. Depois de esperar uma, como
dizia minha mãe, realidade, lá vem uma saindo das bandas do Alto de Santa
Maria. Naquela altura já coalhada de gente. Gente saindo pelo ladrão. Uma cena
típica daqueles filmes indianos com os trens correndo de mato adentro e
entupidos de gente e que quando tem um descarrilamento e tudo pega fogo fede só
a molambo queimado.
Mulher com menino de
colo ou puxando pelo braço, meninos de todo tope com cara de mal dormidos, daniscos
e largados das mães, livres pra aprontar uma peraltice. Mocinhas dedilhando o
inseparável celular ou com ele à mostra no bolso da bermuda e com aqueles
óculos de sol enormes. Senhoras com vestidos cor de abóbora. Rapazinhos ainda
vestidos com camisetas da Seleção Brasileira. Uma verdadeira prateleira humana
dentro de um carro tão pequeno e num calor dos infernos. E eu ali vendo aquilo
tudo e pedindo a Nossa Senhora, padroeira da Paciência, que me desse mais serenidade
pra suportar aquilo tudo, aquele enorme mosaico, mais parecido, mal comparando,
com os afrescos do Taj Mahal ou da Capela Sistina. E ainda tive que lá pelas
tantas ficar esperando um tempo enorme enquanto o motorista, com a maior sem
cerimônia parava o carro pra fazer as vezes de cobrador. Tivesse alguém
precisando que aquele comboio esvaziasse pra se fazer uma necessidade, soltar
um vento que fosse, tal como fez o pastor Everaldo no Jornal Nacional, a coisa
iria feder.
E descendo deste trem nesta
verdadeira viagem aos cafundós da Índia a caminho do Centro Cívico, fico me
coçando pra perguntar, sei lá pra quem, até quando nós da Parnaíba vamos ter um
dia transporte público de qualidade. De preferência ônibus, daqueles bem
grandões, onde a gente possa esticar as pernas ou, sentados, na janela, olhando
pra avenida, tipo gente besta em cidade grande, não ter de ficar sendo
incomodados com os poucos assentos quando entrar uma mulher carregando menino
ou um velho indo pro centro receber o dinheiro da aposentadoria ou à procura de
se consultar nalgum médico. Até hoje eu não sei que caroço de goiaba é esse
entre os dentes e a gengiva, que travanca uma posição oficial sobre este
problema de Parnaíba não ter transporte público de qualidade, principalmente aos
fins de semana. Uma situação incômoda, tão incômoda, assim feito uma casca de
cajá no céu da boca ou espinho de pequi na ponta da língua.
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