14 de ago. de 2014

Em Cocal, W.Dias 'pediu voto' a mãe de vítimas da barragem de Algodões

O senador Wellington Dias (PT), na condição de candidato a governador sabatinado no programa “Vota Piauí Sabatina”, levado ao ar pela TV Antena 10 última semana, quando questionado pelo também candidato a governador Neto Sambaíba (PPL) sobre a tragédia de Algodões, disse que havia, já nesta campanha, estado “em Cocal, agora, recentemente”. E que havia conversado com “essas pessoas”, se referindo às famílias vítimas do rompimento da barragem de Algodões.
A declaração em si e a forma como foi repassada aos telespectadores, deu a entender que W. Dias teria se reunido com as pessoas dos quatro assentamentos criados para tentar enterrar essa história de Algodões, assim como foi feito com os corpos de no mínimo nove pessoas - pelos registros oficiais; e de outras que morreram depois, além daquelas mortes desconhecidas -, enterradas pelo A declaração em si e a forma como foi repassada aos telespectadores, deu a entender que W. Dias teria se reunido com as pessoas dos quatro assentamentos criados para tentar enterrar essa história de Algodões, assim como foi feito com os corpos de no mínimo nove pessoas - pelos registros oficiais; e de outras que morreram depois, além daquelas mortes desconhecidas -, enterradas pelo turbilhão que foi aquele fatídico episódio ocorrido às 16 horas do dia 27 de maio de 2009.O senador Wellington Dias (PT), na condição de candidato a governador sabatinado no programa “Vota Piauí Sabatina”, levado ao ar pela TV Antena 10 última semana, quando questionado pelo também candidato a governador Neto Sambaíba (PPL) sobre a tragédia de Algodões, disse que havia, já nesta campanha, estado “em Cocal, agora, recentemente”. E que havia conversado com “essas pessoas”, se referindo às famílias vítimas do rompimento da barragem de Algodões.
O problema é que os fatos são teimosos e insistem em vir à tona, tal qual aquelas árvores que mesmo arrancadas pela voracidade das águas naquele dia cinzento, serviram de amparo para aqueles que eram levados pelas correntezas. Os fatos mostraram sua força, principalmente, quando se foi confirmar in loco aquilo que se ouviu longe do local de origem do acontecimento, contado por um dos principais protagonistas do enredo narrado.
NÃO ERA VERDADE E SE CONSTATOU
Wellington Dias chegou a lamentar a pergunta de Neto Sambaíba, quando da sabatina, e a condenar o uso da tragédia, que para ele é eleitoreiro. “Eu lamento, sinceramente, que em toda eleição, haja o uso eleitoreiro [da tragédia de Algodões]. Sei que nada pagará a vida daquelas pessoas. Nada pagará o sofrimento. Estive lá em Cocal, agora, recentemente. Me reuni com essas pessoas (...)”, disse, como se realmente tivesse sido recebido por elas, ou tivesse, no mínimo, as procurado.
Até onde apurou a reportagem, não foram encontrados indícios de que petista esteve reunido com as famílias nos assentamentos. Confirmou-se apenas que ele passou na feira de Cocal, que ocorre aos domingos pela manhã, onde muitos vitimados pela tragédia de Algodões tentam ganhar e retomar a vida. Constatou-se também que W. Dias foi hostilizado, e fez uma senhora, que perdeu duas filhas na tragédia, sentir as piores dores quando, “por educação”, apertou a mão do político candidato que pedia voto, foi seu relato.
180graus esteve última quarta-feira (6) em Cocal, três dias após a visita de Wellington Dias, que ocorreu no domingo (3). A reportagem não foi à feira, local público e bom para pedir votos. Mas foi conversar com as vítimas da barragem de Algodões nos longínquos lugares, afastados da cidade de Cocal. Viu que falta a infra-estrutura prometida nos assentamentos. Constatou-se que crianças brincam com porcos no meio da rua; que não há saneamento básico; não há calçamento, ou serviço algum de qualidade.
No assentamento Jacaré a água é comprada pelos moradores das 116 casas de uma forma inusitada: pagam R$ 40,00 por mês e todo dia eles têm direito a 40 minutos de “torneira ligada”. Depois desse tempo, o dono do poço privado que abastece os moradores com água desliga os registros na origem, e as pessoas param de receber o precioso líquido em suas caixas d’água. Quem perdeu o horário, só no dia seguinte.
Famílias do assentamento não confirmam a visita do senador petistaFamílias do assentamento não confirmam a visita do senador petista
Mas o mais grave foi constatar que mesmo passando por Cocal, W. Dias não achou ser prioridade visitar os quatro assentamentos. E em Teresina ter dito, numa das TV's com maior cobertura no estado, que se reuniu com “aquelas pessoas”, sem ter se reunido. Isso em declarações prestadas diante de um programa que sabatina os candidatos ao governo do Piauí, posto para onde W. Dias quer retornar.
Exposta às declarações do senador, a senhora Maria de Jesus, que mora no assentamento Jacaré, não acreditou no que estava sendo lhe repassado e rebateu. "Wellington andou aqui, mas foi lá no Cocal, lá na feira. Passou lá, no meio do pessoal. Mas aqui mesmo no assentamento Jacaré ele não veio. Visitar a gente, não. Do jeito que ele disse não", revelou.
AQUI NÃO É COINCIDÊNCIA. ELA PERDEU DUAS FILHAS
É o que também informou a senhora Maria de Fátima, que perdeu duas filhas – uma de 11, Francisca Maria, e outra de 16 anos, Maria Alessandra; e ainda hoje sonha com elas e lamenta a morte prematura das irmãs. Fátima, que vive de vender hortaliças na feira de Cocal, estava presente quando a comitiva de Wellington passou na feira. Ela teve que ser forte para suportar uma situação inesperada. Foi abordada pelo senador petista. "Falei com ele e tudo, mas só eu e Deus sabem como me senti. Por que eu perdi minhas filhas porque ele mandou a gente voltar", afirmou.
Em uma gravação feita pelo 180graus, Maria de Fátima foi mais enfática. "No domingo o senador Wellington Dias esteve na feira falando com todo mundo. Teve lá até um senhor que disse umas verdades para ele. (...). E ele falando com todo mundo eu estendi minha mão para ele por educação, mas só eu e Deus sabem a mágoa, a dor que eu estava sentindo. Porque ele estava no poder quando aconteceu e não fez nada por a gente. E até hoje não fez nada por a gente e agora anda atrás de voto", tascou.
O senhor a quem Maria de Fátima estava se referindo é Joaquim Zeferino (Foto), feirante pai de um jovem também vítima da tragédia, que mora no assentamento Boíbas. Zeferino foi encontrado pela reportagem depois de um longo dia de procura. Ele contou que ao ver Wellington Dias se aproximar, agarrou sua mão e só soltou quando disse "tudo". Zeferino não se deixou gravar temendo represálias e perseguição por parte do prefeito Rubens Vieira, que embora seja do PSDB, apoia Wellington Dias neste pleito.
'Só soltei a mão dele, quando eu disse tudo''Só soltei a mão dele, quando eu disse tudo'
MAIS PROMESSAS FEITAS
Zeferino contou que na sua conversa com o senador, Wellington Dias lhe falou que "foi o engenheiro" quem o aconselhou a mandar as pessoas voltarem para suas casas. Confessou que com base nesse diagnóstico, pediu às pessoas para voltarem e não podia negar esse fato. Zeferino contou ainda que o candidato garantiu que daqui a 20 dias, a contar da data de visita sairia a indenização das vítimas. "Eu falei para ele que ele não era mais governador e que não podia garantir isso", repassou. "Daí ela falou que estava informado sobre isso, mas eu não acreditei", complementou.
Zeferino também contou que disse a W. Dias que o seu governo não havia dado "casa para ninguém, e sim gaiolas de botar passarinhos". "Olha, aqui [em Cocal] quem mais ajudou a gente na época foi o Ceará, que mandou dois helicópteros e toneladas de alimento", lembra Zeferino.
Prefeito Rubens Vieira, de vermelho à direita da foto, pode sofrer represálias do PSDB devido manifestação de apoio a W.DiasPrefeito Rubens Vieira, de vermelho à direita da foto, pode sofrer represálias do PSDB devido manifestação de apoio a W.Dias
O senador concedeu entrevista à rádio ligada ao prefeito Rubens Vieira, a Tropical FM, e uma das promessas feitas, caso fosse eleito, foi a de pagar às famílias de Cocal a indenização prometida desde a época da tragédia e que até hoje nunca pagou. Uma história já diferente da repassada por Zeferino, que teria ouvido do senador que o dinheiro das indenizações sairia em 20 dias. Zeferino não soube explicar se o prometido pelo senador seria o dinheiro das indenizações ou se o referente à pensão alimentícia paga às famílias mensalmente e que estavam atrasadas.
ENTRE PÉROLAS E PORCOS
A reportagem do 180graus encontrou nesses assentamentos ruas sem calçamento, onde crianças brincam na areia junto a porcos, correndo grande risco de contaminação, acrescido pela falta de saneamento básico.
Não bastasse a total falta de infraestrutura; de ter que conviver com as incertezas e o medo estampado pelos movimentos de políticos que até dão alguma coisa, mas cobram fidelidade em troca; de ter que conviver com as lembranças e o medo dos dias nublados e chuvosos; ainda têm aqueles que procuram desacreditar essas pessoas ou tentam deixá-las sem voz para fazer suas cobranças. O resultado é que durante muitas vezes as vítimas da barragem de Algodões não conseguiram espaço para denunciar o descaso governamental.
Assentamento Jacaré. Sem infraestrutura adequada, crianças dividem espaço com os porcos, nas brincadeiras de ruaAssentamento Jacaré. Sem infraestrutura adequada, crianças dividem espaço com os porcos, nas brincadeiras de rua
"Parece que o que a gente faz lá, na hora que a gente sai, eles abafam tudo. Porque não botam nada assim para ninguém ver. Eles botam aquilo naquele dia e nos outros dias já tiram aquilo ali. Eu não sei se é alguém que paga eles. Eu sei que alguma coisa eles fazem, porque a gente já tem viajado muito para Teresina. Nós já temos sofrido muito. Está dentro de seis anos, mas dentro desses seis anos nós temos sofrido muito e seu Corsino [Medeiros] – presidente da associação de Cocal que trata do caso, pelejando [para conseguir essa indenização], mas não temos conseguido não", lamentou.
MAS UMA HISTÓRIA DE MARIAS
O descaso que dura seis anos faz surgir histórias tristes contadas até mesmo por quem a esta altura da vida deveria ter uma atenção especial do Estado. É o caso da senhora Maria da Silva, de 70 anos, que quando da tragédia, após ser jogada de casa em casa - porque o poder público atrasava o pagamento do aluguel, e vendo o desespero do filho por não conseguir trabalho para juntar dinheiro e comprar uma casa, ameaçando inclusive, se matar -, pediu um empréstimo em uma agência do Bradesco de Parnaíba e comprou por R$ 5 mil uma casa no assentamento Jacaré. Comprou de outra pessoa desambientalizada, diante da falta de infraestrutura, sem perspectiva, resolveu vender.
"Meu filho já queria morrer enforcado porque não tinha para onde fosse e eu fui e falei para mulher dele, porque ele não ouvia meus conselhos, né? Que eu sendo mãe dele, esse foi o filho que eu criei, eu disse para ela que se era dele morrer enforcado, mas antes a Maria [esposa] falasse com a gente do Cocal, que ela tem conhecimento com eles, par ir fazer um empréstimo para ver se dá para comprar uma casa para a gente morar. (...) A gente só vivia na casa de um [e de outro]. Manda nós sair de uma casa e nós ia para outra, e ia para outra. Daí eles [as pessoas que alugavam] mandavam a gente sair de novo. Queriam a casa. A gente saía. E está aí, ainda hoje as casas estão sendo desprezadas. Os donos que queriam botar a gente para fora não estão morando nas casas, estão morando lá na Brasília, outros não sei onde e botando a gente para fora. E aqui nós continuamos desprezados", contou, relembrando os primórdios da tragédia, quando do atraso no pagamento dos aluguéis, da espera incansável e quando eram ameaçados de despejo com força policial pelos proprietários dos imóveis, sem que o governo nada fizesse.
O empréstimo feito por Maria da Silva lhe absorve grande parte da aposentadoria. Ela recebe mensalmente cerca de R$ 724,00, mas paga R$ 150,00 do empréstimo contraído, que só findará no ano de 2015. As casas do assentamento Jacaré, no entanto, tiveram que ser invadidas, porque à época, ameaçadas de despejo, das antigas residências, por falta de pagamento por parte do poder público, não tinham mais para onde ir. Com isso, as fechaduras foram arrombadas e trocadas.
QUANDO A ELETROBRAS RESOLVE FUNCIONAR
A senhora Maria da Silva também enfrenta um outro problema. Todos os meses está sendo obrigada a pagar R$ 12,90 pela taxa de energia da sua antiga residência. Muitas casas por onde a água passou arrastando tudo, ainda ficaram, acreditem, com o medidor de energia intacto, e contando. Mesmo a casa estando sem uso, muitas famílias ainda recebem talões com a taxa mínima para serem pagas. Os técnicos responsáveis não verificam a situação, oferecendo, por exemplo, um tratamento diferenciado para fazer um levantamento desses casos e interromper o fornecimento de energia nas casas que não são mais habitadas. Evitando assim que moradores tenham seus nos nomes postos nos órgãos de proteção ao crédito.
Dona Maria da Silva. Ela segura o talão da Eletrobras com taxa da sua antiga residência. Muitos outros estão nesta situaçãoDona Maria da Silva. Ela segura o talão da Eletrobras com taxa da sua antiga residência. Muitos outros estão nesta situação
Invadidas as casas, surgiu outro problema: falta de ocupação para as famílias afetadas.Antes da tragédia, essas pessoas cultivavam canteiros, possuíam criações de pequenos animais, tinham o peixe trazido pelas águas da barragem, hoje em menor quantidade. "Era um lugar bonito", conta Maria da Silva. Já o caos desencadeado com o estouro da barragem seria somente o início do sofrimento. E os números iniciais de 120 casas destruídas, outras centenas parcialmente destruídas, 2.000 pessoas desabrigadas e 953 desalojadas, eram apenas o começo de um longo tempo nublado que dura até hoje.
"SÓ O BOLSA FAMÍLIA NÃO DÁ"
"Se pudesse botar serviço para os homens era bom porque aí a gente tinha dinheiro, podia fazer compra, né? Para pagar todos os meses ou de quinze em quinze dias. Porque quem tem quatro, cinco filhos, como eu tenho, precisa de muita coisa, né? E aqui não tem dinheiro, não tem serviço para os homens trabalharem, nem para as mulheres. Aí complica. (...) Só o Bolsa Família das mães não dá nada. Remédio e roupa e calçado. Aí não dá nadinha, não", diz outra Maria, essa a Maria Adriana Pereira.
O presidente da Associação criada para lutar pelos direitos das famílias prejudicadas com o estouro da barragem, Corsino Medeiros, relata que a situação dessas famílias é ainda muito mais grave. Sobre os terrenos, por exemplo, nada comprova que os atuais moradores são os verdadeiros donos. "Ninguém tem um papel dizendo que é dono", afirma Corsino. Muita casas já foram vendidas por falta de infraestrutura. As famílias vão em busca de lugares com melhores condições.
"As casas foram construídas fora da realidade das pessoas e chamam elas de agrovilas. Os assentamentos da época do presidente Getúlio Vargas são muito mais realistas do que os de hoje", diz o feroz crítico daqueles que teimam em não olhar para as consequências da tragédia de Algodões.
Corsino conta que uma tragédia dessas proporções deveria ter um acompanhamento efetivo e permanente até findarem suas consequências, que perduram até os dias atuais. "A Secretaria Pan-americana de Saúde relata que grandes catástrofes como a de Algodões geram transtornos mentais por tempo indefinido. É um tempo que não se pode determinar", alerta. A senhora Maria de Fátima, até hoje, depois da morte das duas filhas, toma antidepressivos.
NÃO TEM COMO SEPARAR ALGODÕES DAS ELEIÇÕES
Corsino acredita ser impossível separar a tragédia de Algodões do período eleitoral. E está certo. É mais um período para cobrar o prometido. E um bom período, pois é possível ver e falar com os políticos candidatos. Wellington Dias trata como "leviano" e "eleitoreiro" quem procura usar esse assunto contra sua imagem. Porém, ele mesmo, durante entrevista à rádio de Cocal, fez promessas que já havia prometido à época que era governador, como, por exemplo, o pagamento das indenizações caso fosse eleito novamente o chefe do Palácio de Karnak.
Corsino Meideiros. Uma das vítimas da barragem que resolveu lutarCorsino Meideiros. Uma das vítimas da barragem que resolveu lutar
O presidente da Associação, Corsino Medeiros, inclusive, achou audaciosa a ida de Wellington Dias ao município, mas compreendeu. "Em parte eu achei corajoso, sim, mas porque ele tem os lacaios deles aqui". Os "lacaios" a quem Corsino faz referência são os aliados do prefeito de Cocal. Ao tratar da passagem de Wellington Dias, que ficou parte de uma manhã na feira, após assistir a uma missa, Corsino diz que o senador foi muito bem recebido, mas pelo prefeito e por aqueles a quem o prefeito cobra fidelidade em troca de favores.
"Quem não participasse era demitido. Quem tem transporte escolar, por exemplo, é obrigado a participar desses eventos. Todos os servidores da prefeitura são, caso contrário são postos para fora pelo prefeito Rubens Vieira", denunciou.
O certo é que às 16 horas do dia 27 de maio de 2015, a tragédia da barragem de Algodões completará 6 anos sem uma resposta eficiente do Estado, ou de qualquer Governo que tenha passado até agora pelo Palácio de Karnak desde o acontecimento.
Repórter: Rômulo Rocha
Publicado Por: Apoliana Oliveira

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