28 de jun. de 2014

Ressaca de genebra.

Desde que começou esta Copa do Mundo da FIFA poucos dias atrás que eu ando enxergando umas coisas. Eu nunca fui muito de dar opinião na vida de ninguém não e cada um que dê suas cabeçadas, mas eu dessa vez não posso ficar de braços cruzados e com a língua presa dentro da boca. O Brasil anda, como se diz na linguagem de ponta de esquina e de dona de casa abandonada pelo marido, se esquecendo de voltar pra casa, tão logo a bola rolou lá em São Paulo, numa tal de arena Iaquerão naquele jogo contra a Croácia.

O Brasil tá feito igualzinho aquele marido que tendo uma reca de filhos pra dar de comer, vestir, mandar pra escola e dar sossego, sai de casa na sexta-feira pra trabalhar e, findo o expediente na fábrica, na repartição do governo, no balcão da sapataria ou da loja de peças, ao invés de voltar pra administrar seus problemas junto com a mulher vai é dar uma de bacana com os amigos de copo no boteco da esquina bem perto, se pabulando e falando alto. E pra ser ainda mais irresponsável, de vez em quando olha pra ver se vê alguém de casa ou conhecido se aproximando. Coisa de quem está fazendo coisa errada.
O Brasil não tem jeito mesmo não. A sogra e a mulher reclamam, vivem correndo pra cima e pra baixo tapando os buracos que ele deixa pela vida, os filhos vivem passando as maiores privações e ele, o engraçadinho, com aquele tamanho e já embranquecendo os cabelos não se dá conta de que tem uma montanha de responsabilidades pra dar de conta. Vive brincando com coisa séria. Qual é, me diga, o futuro dos filhos de um homem desses? Qual o exemplo que ele dá pra essas crianças? O que estas crianças vão ser quando crescerem tendo um pai feito ele?
Larga toda a responsabilidade de marido, pai e de dono de casa pra passar um mês, um mês inteirinho sim senhor, brincando de jogar bola com uns estrangeiros. Gente que deu pra conhecer lá pelas andanças nesse mundo perdido. E fica lá pelos gramados de todos os bairros da cidade junto com os amigos de farra de genebra dando uma de técnico de futebol e coisa e tal sem se importar ao menos se os filhos ainda estão vivos! Deixa a família sem um pingo sequer de conforto. Pode isso não. O Brasil não toma vergonha mesmo. Onde já se viu um homem feito  deixar  sua economia entrando em colapso, descendo a barranca no rumo do riacho, os serviços públicos, como sempre, de péssima qualidade.
Faltam médico e enfermeiros em hospitais e no pronto socorro, não tem serviço de transporte público de qualidade, não tem professor nas escolas, não tem água na torneira e nem energia elétrica que inspire confiança. E o Brasil fica um mês de cara pra cima na frente da televisão enchendo a casa pequena e de poucos quartos com uma multidão de amigos que não se sabe a procedência! Se fingindo de rico, mandando aos gritos os meninos buscar cerveja no boteco enquanto ele fica queimando carne numa churrasqueira feita de roda de carro e cantando música de pagode.
O Brasil fica um mês inteiro de junho se pabulando, se escondendo dos devedores, enganado sua família, falando e se ligando a coisas tão sem importância. E no boteco da esquina o Brasil vira técnico de futebol, economista, juiz de direito, médico, professor, advogado, delegado de polícia, padre, o diabo. E se esquece o Brasil, já revestido de governo, que tem uma família inteira, de norte a sul e de leste a oeste pra dar atenção. O Brasil é aquele genro que não presta. Aquele genro que a sogra tá canso de avisar que não é a pessoa certa pra ser pai dos filhos de sua filha. E dentro de mais um pouco não vê a hora de todo este tormento acabar.
O Brasil vai voltar pra casa quando acabar a Copa do Mundo da FIFA, sem dinheiro, sem nada nas mãos, endividado, de cabeça baixa e feito cachorro com o rabo entre as pernas e ainda por cima com uma tremenda ressaca. E depois vai ser um tal de, valei-me Deus e minha Nossa Senhora! Cadê os amigos ricos, os gringos falando línguas e línguas diferentes? Cadê eles, aqueles que vieram de longe tirar a paz e a serenidade da casa do Brasil? Cadê esse mar de prosperidade, de empregos e mais empregos? O Brasil nunca deixou essa mania ordinária de querer ser mais do que podia ser! Sempre quis na vizinhança, a América do Sul, ser mais e maior do que os outros. Sempre dando uma de correr na frente. Mesmo que fosse pra mais daqui a pouco enfiar a cara num poste.

E falando nesse negócio de correr na frente me lembro que nesse intervalo de Copa do Mundo, enquanto a bola rola em tudo o que é arena, muita coisa mal feita acabou virando lei e determinação de Governo. Enquanto o Brasil vibra com os dribles e os gols de Neymar Júnior muita coisa errada está sendo feita, muita negociata política está sendo fechada. Muitos os projetos das casas legislativas brasileiras estão sendo aprovados sem o menor cuidado de análise. E muitos os desempenhos da economia que estão abaixo das expectativas. O Brasil real, aquele Brasil longe da bola está nesse exato momento igual um caminhão no atoleiro ou numa ribanceira durante uma chuva torrencial: quando acabar a gente vai lá e tenta tirar. Se der deu, se não deu, desce.

Por Pádua Marques
Jornalista e Escritor

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