A escritora Marina Colasanti, que proferiu palestra no terceiro dia do IV Salão do Livro de Parnaíba(Salipa) escreveu uma crônica publicada no Jornal O Estado de Minas exaltando o Delta do Parnaíba que ela conheceu na companhia do marido, também palestrante do Salipa Affonso Romano de Sant’Ana, e de organizadores da festa literária parnaibana. Entre outras coisas ela reconhece Parnaíba como a capital do Delta. Leia o que ela escreveu.
Onde o rio abre seus dedos
Marina Colasanti, escritora
Há cidades que são conhecidas por terem uma ponte extensa sobre um rio, ou por um antigo convento, ou por estarem à beira de um lago. Parnaíba, no litoral do Piauí, é conhecida pela uma brisa deliciosa e constante, e pelo Delta. Mas como a brisa é provocada por aquela geografia de dunas e águas, Parnaíba é, acima de tudo, a “Capital do Delta”.
“O que é delta?”, me perguntou uma amiga a quem falei dele. Se eu fosse professora teria respondido que delta é um terreno de aluvião, geralmente triangular, localizado na foz dos rios. Mas não o sendo, disse que delta é a ramagem do rio, onde ele se abre para o mar como uma árvore se abre para o céu.
E, embora eu saiba que os rios se ramificam porque estando o mar, obviamente, ao nível do mar, não há declive que ajude a manter a água doce coesa, não há profundidade para o leito, e o rio tem que procurar sua vazão por outros caminhos, pensei que o rio abre os seus dedos na chegada para agarrar-se à terra, ser rio ainda, e doce, por algum tempo, antes de ser engolido pelo mar e sumir em tanto sal.
Que força tem o mar entrando rio adentro quando a maré sobe! Enfrentam-se os dois entre ondas, água de rio empurrando de um lado, que mais água vem atrás e ele não pode recuar, água de mar forçando do outro, que o oceano sobe e exige espaço. Pequenos barcos de vela quadrada navegam sua mansidão nessa luta de águas, e algumas lanchas turistas.
Numa delas, singrei (mestre Aurélio Buarque costumava dizer que devemos dar oportunidade às palavras, para elas poderem sair do dicionário) os igarapés. Ali, naqueles veios verdes e escuros, tudo é silêncio. Vimos um grupo de macacos numa árvore e surpreendentemente gritaram para nós, excitados pela lancha vermelha, mas animais são raros. A água parece estagnada, a vegetação das margens, sem terra firme para afundar raízes, deixa as suas à mostra, pendentes como uma cerca que afunda no barro. No barro vivem os caranguejos.
Ao fim do passeio, no píer, passou por mim um homem levando por uma corda duas grandes bolas semi vivas. Eram caranguejos. Ele os carregava com esforço e desatenção, como se carrega um fardo qualquer. E embora os bichos com suas pinças parecessem inertes, eu os sabia vivos, pois é o frescor que justifica o seu preço. Não sei qual técnica antiga se usa para amarrá-los daquele jeito, de modo que espremidos uns contra os outros nem possam se mover, mas há de ser dolorosa para eles que antevêm seu fim. E não sei de quem tive mais pena, se daqueles animais que mal nenhum fazem e se vêm agarrados na proteção do seu habitat, para perder a vida, ou se do homem que passa os dias metido até o peito na lama fria, afundando o braço à procura de caranguejos para ganhar a sua. À noite, no restaurante, foi-me impossível comer casquinha.
E no Delta estão as dunas. Coisa mágica são as dunas, curvilíneas, mas com aresta no dorso por onde o vento as desloca grão a grão. É olhar para elas contra a luz, e ver a quase poeira que é seu corpo sendo levada em vôo. Entra na roupa, nos olhos, range nos dentes, suspeito tê-la levado sob a pele. Em Parnaíba tentaram proteger as dunas colocando cercas para impedir o turismo predatório, mas não há como cercar o que o vento move, e já parte dos mourões e arame foram engolidos.
lindo texto.
ResponderExcluirlindo texto!
ResponderExcluirLindo rexto!
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