Dois acontecimentos nesta semana passada nos fazem parar para refletir sobre a extensão da liberdade de informar, a ética profissional e o papel da imprensa. Imprensa no sentido geral do termo da comunicação, bom que se diga. O primeiro, a morte de uma estudante adolescente em circunstâncias que se acredita ter sido suicídio. Uma morte que pelas circunstâncias em que se deu, a imprensa deve tratar com absoluta responsabilidade.
O suicídio dessa jovem teria, segundo os comentários, se dado depois de terem vazado nas redes sociais imagens em que ela, uma amiga e um amigo mantém relações sexuais. Este material causou curiosidade em todos aqueles que a ele tiveram acesso. Esta bola de neve que se criou sobre as imagens provocou um constrangimento nela e em sua família, o que facilitou o desfecho da morte violenta. Desde então a imprensa que vive de escândalos, a mais baixa, a mais irresponsável, ganhou combustível pra queimar á vontade.
O que aconteceu depois todo mundo já sabe. A vida da família da adolescente, a de uma amiga e de todos os envolvidos sendo massacrada e revolvida feito estrume pelo dedo sujo da imprensa sensacionalista, esta imprensa que não respeita ninguém e nem a si própria. Imprensa que se permite deslocar profissionais às vezes até talentosos para tratar de forma tão vergonhosa aquilo que deveria ser tratado com absoluta responsabilidade.
Ocorre recordar aqui uma matéria recentíssima do jornal teresinense O Dia, edição de quinta-feira da semana passada, dia 14, sobre a tentativa de roubo de, salvo engano, um celular por um miserável na saída de uma loja. Acontece que o ladrão se deu mal. Foi apanhado por alguns clientes e corria o risco de ser linchado por uma verdadeira multidão. Se imaginando que seria massacrado, o pobre diabo ficou agarrado à perna do guarda do estabelecimento esperando a chegada dos policiais.
Duas situações distintas, a da morte da estudante de Parnaíba e que agora a imprensa tenta arrastar para uma projeção nacional e o desespero do ladrão preso quando tentava roubar uma cliente de loja no centro da capital piauiense e que foi salvo de um linchamento ao ficar agarrado à perna do guarda. Estas duas situações, mesmo porque tão distintas e absurdas nos remetem a fazer uma reflexão sobre até onde e quando pode ser a responsabilidade profissional.
Eu não estou aqui defendendo aquele ladrão que tentou levar o celular da cliente. Ele errou, foi preso e deve pagar perante a lei e a autoridade pelo que cometeu ou tentava cometer. Mas daí a população se dar como autoridade constituída, com direito e dever pronta a executar ali mesmo sentença, vai uma grande diferença. Reflete antes de tudo a que ponto chega a sociedade quando recebe todo dia na sua casa, seja de dia, seja de noite, na frente da televisão ou pelas redes sociais, um verdadeiro bombardeio de notícias sobre toda sorte de crimes, acidentes, delitos, deixando passar a ideia de que nada está sendo feito, que a justiça não está sendo feita e que a autoridade policial está relaxada. E como se atos violentos humanos, de pequenas ou grandes proporções fossem controláveis, previsíveis e fáceis de colocar sobre a ótica da estatística.
Porque o que se tem visto no Brasil recentemente é a banalização das notícias sobre violência, crimes, acidentes, corrupção e por aí vai. E o telespectador brasileiro se dá ao luxo de assistir todos os dias na hora do jantar, logo que coloca os pés dentro dos chinelos, tão logo chega do trabalho, três dos piores programas sobre violência, crimes de toda ordem, com o Marcelo Resende, na Record, o Datena, na Bandeirantes e mais agora uma moça, que eu nem faço questão de falar o nome, no SBT, o canal do Sílvio Santos.
Eu nem vou alongar mais sobre esta triste realidade dos meios de comunicação no Brasil. Era de se esperar que chegando o século XXI com a internet e as redes sociais haveria de ganhar qualidade. Cobriria com rapidez, informações excelentes para os mais remotos lugares e prestaria serviços, pregaria uma linguagem de respeito pra com o telespectador e o internauta sendo parceiro de ponta pra educação, a medicina, as descobertas científicas e tantas outras iniciativas.
Não e muito pelo contrário. Serve pra coisa nenhuma. Serve única e exclusivamente pra em nome da liberdade de informação entrar todo dia e toda noite no seu televisor, toda hora na sua casa ou no seu escritório com o que existe de pior pra ser informado. E me ocorre agora de lembrar quer há muitos anos muitos teóricos de comunicação quando se debruçavam sobre o costume brasileiro da televisão criticavam as novelas. Se eles pudessem adivinhar que o pior estaria por vir nem teriam feito certas observações.
Eu não consigo imaginar que tem empresas pagando veiculação de anúncios de seus produtos neste tipo de mídia. Eu não consigo imaginar que tem gente defendendo a banalização de cenas de sexo e de nudez fora das publicações especializadas, que tem gente veiculando cenas terríveis de corpos mutilados, crianças e mulheres sendo estupradas, cidadãos pobres e sem instrução tendo suas imagens expostas sob as condições mais degradantes sob o argumento de que estão informando. A ética está segura por apenas alguns fiapos.
(*)Pádua Marque é jornalista e escritor
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