Eu não gosto de música de protesto. Eu, na verdade, não gosto de “arte de protesto”. Mesmo a mais bem feitinha revela o lado tolo da redenção. A arte que se deixa influenciar pela política é outra história. Pode ser grande! Não se deve morrer sem ler “A Cartuxa de Parma”, de Stendhal, por exemplo. Quem sabe volte a isso outra hora.
O sambista Chico Buarque é autor da “trilha sonora da virada”. Em 1985, recauchutou a música “Apesar de Você” — aquela do “falou, tá falado, não tem discussão…” e compôs “Vai Passar”. Um trecho:
Vai passar
Nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo
Da velha cidade
Essa noite vai
Se arrepiar
Ao lembrar
Que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais
Nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo
Da velha cidade
Essa noite vai
Se arrepiar
Ao lembrar
Que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais
É ruim de vários modos, mas há quem goste. Esse negócio do “dia em que seremos tão felizes” porque uma “verdade popular” vai se instalar… Deus me livre! Ou é fascismo ou é socialismo. Na versão literal, então, é ditadura do samba! Não me peçam para condescender com isso. E se passasse um monte de gente lendo Stendhal pelos paralelepípedos, por exemplo? Ou mesmo um monte de deprimidos existencialistas? Na democracia pra valer, nem passa esse cordão popular, sabem cumé? Cada um vai cuidar da sua vida, ainda que seja só pra pensar na morte da bezerra. E não! Eu nunca escrevi que o Chico Buarque lírico é ruim. Ao contrário: é muito bom! Mas não sabe escrever romances. Caetano inutilmente tentou provar o contrário. Adiante.
O problema de um autor compor “Apesar de você” e “Vai Passar” é delegar e relegar suas utopias — ou a dos outros, já que tolo o Chiquinho não é — a tipos como Lula, Delúbio Soares e José Dirceu, né? Lá no “Apesar de Você”, ele mandava ver: “Você vai pagar e é dobrado cada lágrima rolada deste meu pesar”. Vimos Delúbio pagando os mensaleiros.
Gurgel
Ontem, quando deixava a sala para me dirigir ao estúdio da VEJA para gravar o programa (ver post), ouvi as palavras quase finais do procurador-geral, Roberto Gurgel, ao encerrar sua peça acusatória:
“Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações”
Ontem, quando deixava a sala para me dirigir ao estúdio da VEJA para gravar o programa (ver post), ouvi as palavras quase finais do procurador-geral, Roberto Gurgel, ao encerrar sua peça acusatória:
“Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações”
É trecho do “Vai Passar”, de Chico. E Gurgel se referia justamente àqueles que protagonizaram o escândalo que ficou conhecido pelo nome-fantasia de “mensalão”, mas que deve ser entendido como “formação de quadrilha, peculato, corrupção ativa, corrupção passiva…”.
Pois é…
Em 2006, o mensalão já era de todos conhecido, e o homem do “Apesar de Você” e do “Vai Passar” subiu no palanque de Lula. Em 2010, no de Dilma. Alinhou-se, em suma, com os “envolvidos em tenebrosas transações” enquanto a “a nossa pátria mãe dormia tão distraída” (huuummm…).
O problema da “arte engajada” é que, geralmente, tem também uma agenda. Duvido que Chico tenha imaginado que um dia a sua canção se prestaria a isso. Afinal, segundo a lógica “da virada”, só existem o “nós” contra “eles”, um “nós” composto de homens honrados e um “eles”, de desonrados. E isso é um tolice e uma mentira.
Vai passar!
“Um dia”, seremos feitos só de indivíduos preocupados em cuidar da própria vida, tomando o cuidado de não importunar a dos outros. E nunca mais diremos “um dia…”. Eis uma “vertigem visionária que não carece de seguidor”, como disse um cantor.
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