6 de nov. de 2011

Despedida de Humberto de Campos de seu Cajueiro, em Parnaíba, quando foi para São Luís, Ma. (Um Amigo de Infância)

Cajueiro de Humberto de Campus em Parnaíba

“Aos treze anos da minha idade, e três da sua, separamo-nos, o meu cajueiro e eu.  Embarco para o Maranhão, e ele fica. Na hora, porém, de deixar a casa, vou levar-lhe o meu adeus. Abraçando-me ao seu tronco, aperto-o de encontro ao meu peito. A resina transparente e cheirosa corre-lhe do caule ferido. Na ponta  dos ramos mais altos, abotoam os primeiros cachos de flores miúdas e arroxeadas como pequeninas unhas  de criança com frio.
            - Adeus, meu cajueiro! Até à volta!
            Ele não diz nada, e eu me vou embora.
Da esquina da rua, olho ainda, por cima da cerca, a sua folha mais alta, pequenino lenço verde agitado em despedida. E estou em São Luís, homem-menino, lutando pela vida, enrijando o corpo no trabalho bruto e fortalecendo a alma no sofrimento, quando recebo uma comprida lata de folha acompanhando uma carta de minha mãe: “Receberás com esta,  uma pequenina lata de doce de caju, em calda. São os primeiros cajus do teu cajueiro. São deliciosos, e ele te manda lembranças...”
            Há, se bem me lembro,  uns versos de Kipling, em que o Oceano, o Vento e a Floresta palestram e blasfemam. E o mais desgraçado dos três é a Floresta, porque, enquanto as ondas e as rajadas percorrem terras e costas, ela, agrilhoada ao solo com as raízes das árvores, braceja, grita, esgrime com os galhos furiosos e não pode fugir nem viajar... Recebendo a carta de minha mãe, choro, sozinho. Choro, pela delicadeza da sua ideia. E choro, sobretudo,  com inveja do meu cajueiro. Porque não tivera eu, também, raízes como ele, para não me afastar nunca, jamais, do quintal em que havíamos crescido juntos, da terra em que eu, ignorando que o era, havia sido feliz?
            Volto, porém. O meu cajueiro estende, agora, os braços, na ânsia cristã de dar  sombra a tudo. A resina corre-lhe do tronco  mas ele se embala, contente, à música dos mesmos ventos amigos. Os seus galhos mais baixos formam cadeiras que oferece às crianças. Tem flores para os insetos faiscantes e fruto de ouro-pálido para as pipiras morenas. É um cajueiro moço e robusto. Está em toda a força e em toda a glória ingênua da sua existência vegetal.
            Um ano mais, e parto novamente. Outra despedida; outro adeus mais surdo e mais triste:
            - Adeus, meu cajueiro!
            O mundo toma-me nos seus braços titânicos, arrepiados de espinhos. Diverte-se comigo como a filha  do rei de Brobdingnag com a fragilidade do Capitão Gulliver. O monstro maltrata-me, fere-me, tortura-me. E eu, quase morto, regresso a Parnaíba, volto a ver minha casa e a rever o meu amigo.
            -  Meu cajueiro, aqui estou!
            Mais ele não me conhece mais. Eu estou homem; ele está velho. A enfermidade cava-me o rosto, altera-me a fisionomia, modifica-me o tom da voz. Ele está imenso e escuro. Os seus galhos ultrapassam a cerca e vão dar sombra, na rua, às cabras  cansadas, aos mendigos sem pouso, às galinhas sem dono... Quero abraça-lo, e já não posso. Em torno ao seu tronco fizeram um cercado estreito. No cercado imundo, mergulhado na lama, ressona um porco...  Ao perfume suave da flor, ao cheiro agreste do  fruto, sucederam, embaixo, a vasa e a podridão”
            - Adeus, meu cajueiro!
            E lá me vou outra vez, e para sempre, pelo mundo largo, onde hoje vivo, como ele, com os pés na lama, dando, às vezes, sombra aos porcos, mas também, às vezes, doirado de sol lá em cima, oferecendo frutos aos pássaros e pólen ao vento, e, no milagre divino do meu sonho, sangrando resina cheirosa, com o espírito enfeitado de flores que o vento leva,  e o coração, aqui dentro, cheio de mel, e todo ressoante de abelhas...” 

Por Marçal Paixão
Edição Blog do Pessoa 

4 comentários:

  1. Uma sugestão:

    O texto devia ser colocado em moldura e escrita clara, legível na frente do cajueiro para que daía sociedade parnaibana e os turistas possam ter resposta à seguinte pergunta:

    "porque se chama cajueiro Humberto de Campos?"

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  2. A sociedade parnaibana tem que tomar uma decisão urgente, porque a cidade está sem comando, não existe cmt do 2ºBPM, o que se encontra, não comanda nem a casa dele. È medroso não tem pulso de líder, mas de chefe autoritário. Pede a população para denunciar policiais em vez de convocar a população para denunciar os assaltante que estão apavorando os cidadãos parnaibanos. Pricipalmente quem tem Moto Brós 150, que é preferido pelos receptadores, hoje quem tem este tipo de Moto corre risco de vida na cidade.Acordo cidade peça a exoneração desse veste calça
    Um PM.

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  3. Amooooo esse texto! Faz parte da minha infância tbém, do livro de textos q eu estudava.
    Humberto de Campos...amooo como ele escreve!

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