Maria das Graças
Targino
07 / 08 / 2024
O romance “Precisamos ter história” do Professor
Doutor piauiense-cearense Fernando Basto Ferraz possui merecido mérito, tanto
pela linguagem acessível às mais diferentes faixas etárias quanto pelos temas
de que trata. São eles polêmicos e, sobretudo, atuais, embora, paradoxalmente,
disserte sobre tópicos que remontem a séculos passados. É o caso, por exemplo,
do litígio entre as fronteiras dos Estados do Piauí e do Ceará.
O conflito entre esses Estados já se estende por mais
de 100 anos. Segundo o autor, com base no Decreto Imperial n. 3.012, de 22 de
outubro de 1880, surgiram entre as duas Unidades Federativas três áreas de
litígio em suas fronteiras, problema até hoje não solucionado, apesar de, no
presente momento, estar em mãos da relatora Cármen Lúcia Antunes Rocha, atual
Ministra do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, à espera
de votação no plenário no STF. Eis as três áreas em questão:
Área 01, com aproximadamente 217 km2, limitando-se, pelo lado
do Piauí, com os municípios de Luís Correia e Cocal e, pelo lado do Ceará, com
[...] Granja e Viçosa.
Área 02, com aproximadamente 657 km2, limitando-se, pelo lado
do Piauí, com [...] Cocal dos Alves e São José da Fronteira e, pelo lado do
Ceará, com [...] Viçosa, Tianguá, Ubajara, Ibiapina, São Benedito e Carnaubal.
Área 03, com aproximadamente 2.015 km2, limitando-se, pelo
lado do Piauí, com [...] Pedro II, Buriti dos Montes e São Miguel do Tapuio e,
pelo lado do Ceará, com [...] Guaraciaba do Norte, Croatá, Ipueiras, Poranga,
Itaporanga e Cratéus (FERRAZ, 2024, p. 136-137).
Coincidência ou não, o fato é
que o protagonista Tertuliano, educador e amante da história como o próprio
autor, permite inferir que, possivelmente, pode ser um romance levemente autobiográfico,
embora Basto Ferraz atue, também, na área jurídica. Editado pela Expressão
Gráfica e Editora, de Fortaleza – Ceará, 2024, a obra começa por explorar a
luta diária do sertanejo para levar a termos sua educação formal, dando ênfase
à função macro da educação, na linha de Paulo Freire, um dos autores referenciados
dentre outros, como elemento essencial à formação do indivíduo como ser humano
e profissional, sem deixar de lado que, para tanto, urge a valorização do profissional
da área, o que faz Tertuliano, docente de História, exaltar a Professora
Rosinha, como a fada-madrinha que lhe permitiu seguir seu sonho de se transformar
em educador e escritor mais adiante.
O verdadeiro docente, em
qualquer nível, deve pensar na sala de aula como imenso palco sem bastidores e
sem camarim. É o momento perene de compartilhar experiências, dúvidas,
curiosidades, descobertas, paixão em direção aos objetos de estudo. Olhar para ver. Olhar para perguntar. Olhar
para conhecer. Olhar para romper com a unilateralidade com que, frequentemente,
lidamos com a informação e o conhecimento. Vislumbrar a vida significa ver,
olhar e perceber não só o que está visível aos olhos, mas, o que está
subjacente ou subliminar, propiciando a chance de captar dimensões e os vários
significados de fatos e fenômenos circundantes, permitindo deixar aflorar as
facetas múltiplas de que a história de seu povo é feita.
Em diferentes trechos da
publicação, o tema – bullying escolar
ou cyberbullying – vem à tona em toda
sua complexidade, como erva daninha que transforma o ensino em martírio e as
escolas em presídios, apesar de ser um fenômeno que sempre existiu. Também estão
entre os temas discutidos tanto o corporativismo das instituições de ensino,
ênfase para universidades públicas e particulares, quanto a séria questão do
plágio. Para noção mais precisa, na atualidade, há um número quase incalculável
de artigos, capítulos de livros, livros, dissertações e teses que se dedicam a
discutir o plágio em sua amplitude – o Google, em termos brutos, sem seleção
acurada, fornece incríveis 1.120.000 referências sobre o assunto, agosto 2024.
No entanto, entre os limites
extremos – cópia autêntica e plágio – há uma série de facetas, incluindo
pastiche, remixagem, cópia literal, citação literal, citação indireta (quando
se recorre ao controvertido apud),
paráfrase, intertextualidade, imitação criativa e outros termos. E a pergunta
reincidente que ocupa destaque em eventos científicos relaciona-se à posição de
orientadores e coorientadores em sua condição equivocada de autores. Ao
orientador compete acompanhar o desenvolvimento intelectual e a formação
integral do aluno, mas este é o autor de seus próprios textos, desde o momento
que deve assumir responsabilidade incondicional por sua elaboração, publicação
e divulgação. Os novos tempos de maior pressão para publicar e a ameaça de
enviar ao limbo os acadêmicos que publicam menos não justifica a tendência acentuada
de o orientador se posicionar como autor ou coautor dos trabalhos de seus
alunos.
Há outras questões: o
autoplágio é ético? Enfim, há uma série de situações, como a retratada em “Precisamos
ter história”, em que o orientador coloca o então aluno Tertuliano em maus
lençóis... Ademais, durante todo o texto, o autor lembra que um povo negligente
de sua própria história é um povo sem alma e, decerto, sem rumo...
Fonte
FERRAZ, Fernando Basto. Precisamos ter história. Fortaleza: Expressão
Gráf. Ed., 2024. 224 p.
Maria das Graças Targino é jornalista e pós-doutora em jornalismo pela Universidad
de Salamanca / Instituto de Iberoamérica, e-mail:
gracatargino@hotmail.com