Mirocles Veras, O Estado de S.PauloNa coluna “Espaço Aberto” da edição desta quarta-feira (12) do jornal O Estado de S.Paulo, foi publicado um artigo do presidente da CMB (Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos), Mirocles Véras, no qual ele fez um clamor urgente das instituições.
O texto traz reflexões e mais uma vez traz à tona a situação crítica que as Santas Casas e hospitais filantrópicos enfrentam mediante o rombo financeiro provocado pela pandemia nos seus caixas, prejudicados há anos pelo subfinanciamento.
Leia abaixo o artigo na íntegra:
Em maio, diante da necessidade indiscutível, o governo federal se comprometeu a repassar por meio de Medida Provisória (MP) – R$ 2 bilhões para as Santas Casas e hospitais filantrópicos mitigarem ou roubo financeiro provocado pela pandemia nos seus caixas prejudicados há anos pelo subfinanciamento. Infelizmente, até hoje, apesar dos insistentes apelos, os recursos não foram liberados e o setor se articulou para viabilizar o auxílio emergencial por meio de Projeto de Lei já aprovado pelo Senado, mas não votado pela Câmara, apesar de constar em caráter de urgência na pausa prevista de várias sessões.
O fato é que os recursos não chegaram aos cofres dos hospitais em 2021 e, mais uma vez, Santa Casas e hospitais filantrópicos recorreram aos bancos para honrar os décimos terceiros salários. Para a rede filantrópica, a covid-19 - que mais uma vez se intensifica - representou uma tempestade perfeita. Multiplicou-se inesperadamente o prejuízo de um sistema de saúde em déficit permanente. Essa deficiência estrutural antiga, sem solução, já torna a falência apenas questão de tempo. Agora, até o tempo, como o dinheiro, acabou.
Enfrentar a pandemia causou uma explosão nos gastos, sobretudo com aquisição de insumos que dobraram, triplicaram ou quadruplicaram de preço, com elevação de até 15 vezes na quantidade utilizada, como foi o caso do kit de intubação. Já a inflação dos equipamentos de proteção individual (EPIs), ultrapassou os 400%.
Neste momento, não há engenharia financeira possível para viabilizar os compromissos a não ser contrair mais dívidas bancárias. As operações bancárias em créditos consignados já ultrapassam R$ 7 bilhões, sendo que R$ 2 bilhões movimentados nos últimos meses de 2021, em volumes recordes de operações realizadas. O buraco só cresce.
Enquanto o SUS recebe o merecido reconhecimento desempenhado durante a emergência, é oportuno lembrar o papel da rede filantrópica nessa estrutura. São quase 2 mil hospitais espalhados pelo Brasil e, em muitas cidades, representam a única alternativa de atendimento gratuito. Respondem por mais de 50% da assistência pública total no País e por mais de 70% dos serviços de alta complexidade como tratamento de câncer e transplantes. São 127 mil leitos conveniados com 24 mil deles de UTI. Toda essa estrutura está em risco!
Especialmente na pandemia, a diária de uma UTI para o SUS, destinada a pacientes contaminados pelo vírus em instituição filantrópica de grande porte custa R$ 3.401, mas o hospital é remunerado como apenas R$ 1.600. A rede filantrópica tornou disponível 10 mil leitos de UTI Covid para o SUS que permaneceram 100% ocupados durante a maior parte do período pandêmico.
Há tempos é urgente uma solução para o subdimensionamento da rede filantrópica conveniada ao SUS. A tabela do SUS remunera apenas 60% do total dos gastos dos hospitais com atendimento público. O subfinanciamento levou ao endividamento. Pela Constituição é dever do Estado a saúde pública e nós estamos fazendo esse dever, buscando-a.
Não queremos dinheiro público, queremos ser remunerados de forma justa pelos serviços prestados, para que possamos continuar a servir os brasileiros, sobretudo os mais necessitados!
No entanto, com a falta de recursos, as instituições não conseguem renovar suas estruturas físicas e tecnológicas para melhorar a qualidade do atendimento e, o pior, correm o risco de fechar as portas, situação que ocorreu com diversas entidades.
O setor filantrópico é a base de um sistema de saúde que é exemplo no mundo e luta diariamente para ser respeitado pelo governo com remuneração justa para que possa cumprir com a missão de servir ao SUS. É preciso para hoje uma reestruturação financeira que corrija o déficit histórico causado por uma tabela de procedimentos que não reflete a realidade. Mas, ainda antes disso, para ontem, é necessário que o governo cumpra o compromisso de repassar os R$ 2 bilhões anunciados para cobrir parte do roubo que se impõe, garantindo que o dinheiro chegue realmente às instituições, com base na real produção de cada uma. Encerramos o exercício de 2021 sem os recursos prometidos aos hospitais e as incertezas no setor são alarmantes.
Com a evolução da pandemia de covid-19 e, principalmente a realidade atual, com a perspectiva de continuidade da doença nos próximos meses, surto de influenza e casos de flurona, fica coerente inferir que usa impactos econômicos e financeiros produzidos em 2020 Já não são comparáveis com o cenário de 2022, exigindo ações que possibilitem a continuidade dos atendimentos à população e a sobrevivência das instituições hospitalares, assim como do seu ecossistema para continuar garantindo emprego, renda, prestação de serviços e notadamente acesso dos brasileiros à assistência por meio do SUS.
A responsabilidade do Parlamento e do presidente Bolsonaro com as Santas Casas e hospitais filantrópicos muda de patamar e esperamos, ao menos, iniciar 2022 com boas notícias e a concretização da promessa assumida ou teremos um cenário ainda mais imprevisível.
Presidente da Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Brasil (CMB).