Prof. Dr. Geraldo Filho (UFDPar – 30/12/19)
Para este final de ano gostaria de convidar os amigos que me acompanham pelo “blog do pessoa”, a refletirem por alguns instantes sobre o conhecimento do padrão e da rotina, muitas vezes desdenhadas como acomodação, apatia ou falta de motivação para mudar.
Sob o ponto de vista da ciência baseada na pesquisa empírica, para onde procuro dirigir permanentemente a sociologia e a antropologia (evitando que ela se perda em ficção e ideologias políticas!), a regularidade dos fenômenos de qualquer natureza (sociais ou naturais) que nos cercam constitui tudo a nossa volta! A passagem do tempo para uma espécie como a humana, contada em anos (unidade padrão que exprime o movimento de translação da Terra, como o dia é para a rotação), após tantos amanheceres e anoiteceres; tantas refeições nas horas prescritas; nascimentos e mortes; juventudes e envelhecimentos; vitórias e derrotas; felicidades e tristezas; acertos e erros... deveria ser suficiente para levar as pessoas (e os professores universitários que almejam ser cientistas reais) a reconhecer e aceitar esta constatação desconcertante.
Dois exemplos pessoais ilustram o que acabo de dizer. Como adolescente/jovem fui muito precoce, o que me levou por onde andei a tecer amizades com adultos, portanto me colocando fora da “regra”, um ponto fora da curva! Um dia percebi que o que era vantajoso por conviver com os mais velhos cedo seria me retirado e eu me encontraria sem aquelas pessoas. De fato, numa determinada época da minha vida quase que uma dizimação as atingiu, com mortes em sequência! É claro que sofri muito, mas tinha a consciência da probabilidade do que poderia acontecer, em razão da certeza dos padrões.
Outro exemplo foi quando de volta a Parnaíba em 1994, vindo da UFPI, em Teresina, onde era professor desde 1991 (como substituto) e 1992 (como efetivo). Ao me apresentar no Campus Ministro Reis Velloso eu e o saudoso Professor Iweltman Mendes nos tornamos os mais novos, exatamente a mesma idade! Os demais professores já eram veteranos. Um dia percebi que aquela maioria em breve não estaria mais ali, por causa das aposentadorias, e que para mim restaria a memória de suas presenças.
Na universidade insisto com os alunos que o bom pesquisador de qualquer ciência procura os padrões estabelecidos pela regularidade dos fenômenos que estuda, permanecendo as exceções como notas de pé de página ou para aprofundamentos muito específicos, o que importa é que a comprovação da regularidade de um padrão seja possível de generalizar para todas as manifestações dos mesmos fenômenos em qualquer circunstância. No entanto, percebo que no Brasil se espalha o modismo das exceções, com professores e alunos buscando citar casos raros como relevantes quando efetivamente não são válidos para contradizer a regra!
Professores e alunos que vestem essa moda de grife alemã (Escola de Frankfurt) longinquamente e francesa (pós-modernos) mais recentemente pensam que desconstruir a regularidade do padrão significa promover o que eles chamam de diversidade ou (procurando dar um tom mais científico) de complexidade!
Se estudassem as origens do conceito de complexidade descobririam suas raízes na teoria dos sistemas de informação desenvolvida pela nascente ciência da computação e pela biologia evolutiva, nos anos 50! Descobririam que Edgar Morin partiu dessas duas fontes para em 1973, no livro O Elo Perdido: a Natureza Humana, sistematizar o conceito de complexidade tendo como base o tripé biologia/cultura/cérebro. Assim, complexidade nada tem a ver com diversidade ou indeterminação. Diversidade são os vários casos particulares (singulares) possíveis em torno da regularidade dos padrões constantes. Por exemplo: há um padrão regular de comportamento sexual estabelecido pela espécie sapiens vinculado à reprodução, ao seu redor, orbitam comportamentos sexuais diversos, que, no entanto, não representam a regra determinada pela filogênese (história evolutiva de uma espécie). Indeterminação, no campo da física, é uma realidade inerente ao mundo quântico, onde habitam as “partículas” infinitamente pequenas e as leis da física clássica não se aplicam, porém mesmo assim os físicos procuram estudar o comportamento dessas entidades tomando como referência o Modelo Padrão das Partículas Elementares, como um método de aproximação possível. Portanto indeterminação não significa irracionalidade relativista na qual tudo pode ser verdade dependendo do ponto de vista!
Por outro lado, há também nas universidades, disfarçada na fantasia de “progressistas”, um comportamento “acadêmico” de exaltação das mudanças! É claro que é uma constatação óbvia reconhecer que o mundo se transforma, o problema aparece quando em nome de interesses políticos particulares ou de lobbies que defendem um tipo de comportamento ou condição específica se deixa de lado o reconhecimento de que apesar de o mundo se modificar os indivíduos que os formam orientam suas vidas pela perspectiva da permanência e da estabilidade! Ninguém cria os filhos dizendo para eles que o mundo vai mudar e o que é verdade hoje amanhã não será mais! Ninguém professa uma religião duvidando permanentemente de sua fé ou dos seus valores pois amanhã poderão ser outros!
Os que adotam esse comportamento procuram justificar para si suas idiossincrasias (características psicossociais individuais) que não se enquadram na regularidade padrão dos comportamentos da sociedade as considerando reacionária, retrógrada, atrasada, conservadora, preconceituosa por que não aceitam os comportamentos “diversos”, tão valorizados pelas mudanças defendidas pelos “progressistas”, nem desconfiam de que essa reação contrária é a manifestação do padrão coletivo regular de uma sociedade!
O chocante, para os “progressistas” é constatar que permanências e mudanças se relacionam como um padrão. Com evidente prevalência temporal das permanências, pois seria impossível estabelecer uma sociedade, ou qualquer relação humana consistente como a representada pela família ou um par romântico, por exemplo, sem considerar a continuidade e a estabilidade (mesmo que passageira) dessas relações no decorrer do tempo.
O grande Primeiro Ministro inglês Winston Churchill, no magistral Memórias da Segunda Guerra Mundial v. 2 (livro que todo aluno de sociologia e ciência política e os políticos em geral deveriam estudar durante a vida), membro da aristocracia britânica e, em relação a sociedade inglesa, uma minoria, fez considerações sobre o verdadeiro sentido da democracia, o que para a posteridade representa uma aula soberba de sabedoria sobre a regularidade do padrão e da rotina vivida pela maioria das pessoas:
“(...) como interpretar a palavra “democracia”. A ideia que faço dela é que o homem simples, humilde, comum, homem do povo que sustenta mulher e filhos, que sai em luta por seu país quando este se acha em dificuldades, que comparece às urnas nas ocasiões adequadas e coloca seu X na cédula eleitoral, mostrando o candidato que deseja eleger para o Parlamento, minha ideia é que esse homem constitui o fundamento da democracia. E é também essencial para esse fundamento que tal homem ou tal mulher faça isso sem medo e sem forma alguma de intimidação ou coação.” (CHURCHILL, 2017, p. 1032)
Estes homens e mulheres é que formam a regularidade padrão das sociedades democráticas ocidentais, é no entorno deles que essas sociedades constroem suas perspectivas de permanecia para o futuro e estabilidade, nada mais rotineiro de acordo com a perspectiva humana.