Prof. Dr. Geraldo Filho – UFPI
O episodio das queimadas na Amazônia (que são comuns anualmente, variando de intensidade conforme o clima esteja mais ou menos quente, portanto nada de anormal!) serviu como indicativo de fenômeno comportamental típico de uma sociedade cujos indivíduos não têm consciência de si como componentes de um Estado nacional! Fato que se comprovou com a sucessiva manifestação de brasileiros que na mídia em geral fizeram caras e bocas de revolta com a tal devastação da floresta e disseram estar envergonhados com o Brasil!
Sem dúvida que pelas deficiências crônicas da educação e pela falta de tradições centenárias que tivessem enraizado o sentido de nacionalidade no cotidiano dos mais simples cidadãos (o Brasil sequer tem 200 anos como Brasil!), não poderia esperar muito da maioria quanto à consciência de pertença a um Estado Nação. Por outro lado, para uma minoria letrada, que tem acesso às universidades e se destaca nos meios de comunicação, artístico, acadêmico e político, o que os qualifica como formadores de opinião, deve se exigir percepção mais elaborada do que significa o Brasil como Estado Nação.
O que parece é que esta minoria não é capaz de como uma elite imprimir sua consciência sobre o resto da sociedade e conduzi-la por caminhos que levem ao crescimento e desenvolvimento para todos os segmentos sociais. Por quais razões isto acontece?
Como profissional de ciência fui treinado para procurar padrões, consequência do trabalho de observar, descrever, explicar e, sobretudo, comparar (esqueça o manual de metodologia científica ensinado na faculdade, aquilo não lhe prepara para a ciência!) comportamentos que sedimentam uma sociedade. Assim, sei que durante a história humana os contatos de sociedades tecnologicamente complexas e expansionistas com sociedades simples resultaram para estas em comportamentos de subserviência em relação às primeiras (quanto a este tema indico o livro de Jared Diamond: Armas, Germes e Aço).
O ritual de subserviência ante o dominador é coreografado universalmente pela postura cabisbaixa, ombros curvados, as mãos frente ao corpo segurando alguma coisa (geralmente um chapéu) e a fala e o olhar nervosos. O grande mestre Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes me lembrou da consagração da subordinação no personagem mexicano dos filmes americanos de cowboy: sombrero agarrado com as mãos na altura do peito, cabeça curvada dizendo sim senhor! O estereotipo se repete como padrão pelas sociedades!
Dois projetos de expansão formaram o Brasil: um secular, com a conquista portuguesa; e um religioso, com a catequese Católica. A mistura que aqui se processou, adicionada das matrizes indígenas e africanas, até hoje não criou nada de absolutamente original, autóctone, a ponto de galvanizar um espírito de nacionalidade cuja síntese fosse um Estado Nação forte. Com efeito, os brasileiros tendem a se encantar com tudo aquilo que vem de fora, que se lhes afigura naturalmente como bom e melhor. No máximo eles adaptam às características locais, degradando muitas vezes, o que é importado, por isso se tem uma república que não é república; uma democracia que não é democracia; um judiciário que não faz justiça; um rock que não é rock; um gospel que não é gospel; um funk que não é funk; uma pizza que não é pizza (pizza de frango e carne-de-sol?!); um sushi que não é sushi (sushi de camarão e chocolate?!)... e... poderia ir à exaustão nesse exercício!
Até o futebol (esporte britânico), uma das melhores assimilações feita pelos brasileiros, acomodada com as características locais da agilidade e criatividade, depois da Copa de 82, com o fracasso do “futebol arte” da seleção de Telê Santana progressivamente abandonou a efêmera singularidade nativa, a ponto de em 2019 o melhor futebol praticado no país ser comandado por um técnico europeu, ironicamente português!
Nada disso seria negativo se os brasileiros reconhecessem o fato de que por terem se constituído historicamente assim isso não implica necessariamente condenação eterna à servidão, que se não é mais política e econômica (posto que o país não é mais colônia de uma metrópole) não deve ser tampouco mental! No entanto, o comportamento dos brasileiros vai na direção oposta! O de aprofundar a subserviência mental.
Claro que, pelas razões expostas, a maioria tem dificuldades de romper as correntes da servidão do espírito quando as elites do seu povo se entregam alegremente e sem pudor à macaqueação de projetos civilizatórios complexos, ostentando mentalidade (provavelmente inconsciente) subdesenvolvida e inferior, que se traduz assim: “Olha, vocês são ricos e desenvolvidos, mas, nós, mesmo pobres, somos também avançados, vejam nossa legislação ambiental (a mais avançada do mundo, mesmo que crie problemas para o principal setor da economia do Brasil e beneficie os competidores externos: a agropecuária!); vejam nosso Estatuto da Criança e Adolescente (um dos mais avançados do mundo, mesmo que seja um protetor de criminosos e psicopatas contumazes!); vejam nossa liberdade sexual (uma das mais avançadas do mundo, debatida e ensinada até nas escolas do Fundamental!); vejam nossa legislação penal (uma das mais avançadas do mundo, prevê progressão de pena e visita íntima, transformando cadeia em spa, se você foi condenado a 30 anos rapidinho sai com 6, pois prisão não é para punir e sim “ressocializar”!).
Quem conhece meu trabalho como sociólogo e professor universitário sabe que sou ferrenho defensor das matrizes da civilização ocidental (filosofia grega; direito romano; o método científico de pesquisa; e o liberalismo político e econômico capitalista), portanto, longe de mim o ufanismo nacionalista ingênuo e pirotécnico do personagem Policarpo Quaresma, do genial Lima Barreto, perspicaz escritor brasileiro, verdadeiro “outsider”, que no início do século XX identificou a tendência “vira-lata” das elites pátrias! Porém, ao recordar a magistral letra de My Way, interpretada pelo excepcional Frank Sinatra, penso que o Brasil, no âmbito da tradição civilizatória ocidental pode fazer as coisas ao “seu modo”. A China, por exemplo, ao “seu modo”, importou o capitalismo ocidental e o implantou no seio de uma longa tradição milenar de hierarquia ditatorial de imperadores e mandarins (que de comunista só tem o nome de fantasia!) e se tornou uma potência em 40 anos, com as reformas de Deng Xiaoping, a partir de 1979.
Há uma grande “bolha autoalienada” do país sob a qual vive a maior parte de jornalistas, artistas, professores universitários e políticos profissionais, constituindo sim grupos elitistas que não aceitam o qualificativo, o que revela sua autoalienação. É um mundo à parte da nacionalidade pedestre no qual, como os argentinos, teatralizam que são europeus ou norte-americanos exilados na América do Sul. É daí que emana a formação de uma mentalidade dependente de “pobre comportado”, que preocupado em se igualar aos europeus e norte-americanos não ousa contraria-los, mas imita-los e bajula-los.
Esta consciência alienada ou decorre da ignorância de conhecimentos (o que é uma ironia trágica, uma vez que os habitantes da “bolha” em tese são “inteligentinhos”, como diz Luís Filipe Pondé, mas não constitui novidade pois nas faculdades que frequentam os professores, mesmo com pomposos títulos de doutor, efetivamente pouco estudam e pesquisam de “verdade”!); ou decorre da má-fé estimulada pela militância política de esquerda, que historicamente, em diversos países, sempre buscou tomar o poder do Estado, por quaisquer métodos, dentre eles a ocupação dos espaços profissionais onde se formam as opiniões, as direcionando para destruir as crenças nas instituições nacionais, ainda que isso signifique macular e ridicularizar a imagem do país.
No episódio das queimadas a primeira causa da consciência alienada explica as manifestações daqueles que imaginam que as girafas e leões estão morrendo na Amazônia! Quanto à segunda causa aqui se explica a aliança natural forjada entre setores da imprensa, das universidades, do meio artístico e do meio político sob a nefasta condução da esquerda da pior espécie, que ainda não aceita a derrota de seu projeto de poder, depois de 14 anos a começar de 2003, engolido pela corrupção autodestrutiva que caracterizou os anos de presidência.
Com efeito, não é de surpreender que dessa aliança tenha partido o coro de condenação do Brasil no exterior, com assinaturas de parlamentares brasileiros de esquerda em panfletos europeus acusando o Brasil de crime ambiental. De jornalistas como Guga Chacra dizendo ao vivo na Globonews (lá do conforto e segurança de Nova York, onde é correspondente) que estava com vergonha do Brasil, que no passado acolheu seus antepassados libaneses refugiados; ou da deputada Tábata Amaral, que se elegeu choramingando o passado de pobreza (tal qual o presidiário de Coritiba!), que em evento paralelo à reunião da ONU este ano, na Universidade de Nova York, disse que se envergonhava do Brasil não está participando de um evento sobre o clima onde se abordava pela enésima vez as questões ambientais, etc.
Surgiu uma plêiade de celebridades internacionais acompanhada por brasileiros falando mal do Brasil, sem nenhum conhecimento de causa! O estarrecedor é o apoio dos brasileiros, reproduzindo no extremo a mentalidade do “pobre comportado”! No fundo odeiam seu país, gostariam de ser europeus ou norte-americanos, mas como não podem modificar o fato biológico determinante de terem nascido aqui não perdem a oportunidade de denegri-lo ou se mostrarem subordinados. Dia após dia as Organizações Globo, mal escondendo o viés oposicionista ao atual governo, repetiam “a imagem do Brasil no exterior está em baixa”! Chegaram a postar imagens de queimadas de 2003, “fake news”, que descobertas tiveram que desmentir com sorriso amarelo!
Geralmente os habitantes da “bolha” se autodenominam “progressistas”, o que na prática é sinônimo de simpatizantes (“isentões”!) ou adeptos da esquerda! O entanto são pessoas sobre as quais deve cair a carapuça de traidores, que no auge de sua autoalienação sequer percebem o que de fato são, e se autoenganam imaginando que o disfarce encobre seus crimes de lesa-pátria!
Impressionado com o que assisti nas últimas semanas, nas quais o país era vilipendiado e enxovalhado por brasileiros como os citados, que fazem o jogo do agronegócio estrangeiro ao atacar os produtores locais, fui buscar na minha biblioteca um parâmetro de comparação! Como sociólogo e conhecedor de outros fazeres da ciência pouco ligo para modismos irrelevantes como pós-modernismo e pós-estruturalismo, rematadas tolices de “masturbadores intelectuais”! Portanto, escoro minha pesquisa acadêmica na experiência concreta dos fatos e na de quem os viveu. Assim, recordei de Memórias da Segunda Guerra Mundial, vol. 1, livro de Winston Churchill, o grande Primeiro-Ministro que conduziu a Inglaterra no conflito.
Em 1940, a França já derrotada pelos alemães, se aproximava a Batalha da Inglaterra, na qual os ingleses enfrentaram sozinhos o fenomenal poderio bélico nazista! Churchill, consciente de que a monarquia na figura do Rei e o governo na figura do Primeiro-Ministro eram a expressão viva do Estado Nação inglês naquele momento histórico crucial, preocupado em manter o estado de ânimo dos britânicos, diante da iminência da batalha, leu, diante da Câmara dos Comuns (portanto um recado também para o povo!), a advertência que mandara circular por todos os escalões da maquina governamental:
“No que pode ser a véspera de uma tentativa de invasão ou de uma batalha por nossa terra natal, o primeiro-ministro deseja sensibilizar todos os que ocupam cargos de responsabilidade, no governo, nas forças armadas ou nos departamentos civis, para seu dever de manter um espírito de alerta e uma energia confiante.
O primeiro-ministro espera que todos os servidores de Sua Majestade em posições elevadas deem um exemplo de equilíbrio e determinação. Devem reprimir e repreender a expressão de opiniões equivocadas e maldigeridas em seus círculos, ou por parte de seus subordinados. Não devem hesitar em denunciar ou, se necessário, afastar qualquer pessoa, seja oficial ou funcionário, que comprove estar conscientemente exercendo uma influência perturbadora ou deprimente, e cujo discurso espalhe o medo e o desânimo.” (CHURCHILL, 2017, p. 383)
É claro que os ataques contra o Brasil orquestrados por ambientalistas de ONGs europeus, que escondem os interesses dos produtores do agronegócio (principalmente franceses), não se equivalem com a calamidade de uma guerra vivida pelos ingleses. Mas se comparam, até porque o representante do Estado Nação francês não fez cerimônia em insinuar em um foro internacional uma proposta de “iternacionalização da Amazônia”, um evidente atentado à soberania do Brasil e seu território. Agora vem a Igreja Católica, tomada novamente pela Teologia da Libertação, sentada no Trono de Pedro (desfazendo o laborioso legado de João Paulo II e Bento XVI!), discutir problemas internos do Brasil no “Sínodo da Amazônia”, onde?! Na Itália!
O grave é que contam com o apoio aliado de tipos como Guga Chacra e Tábata Amaral, que se “envergonham do Brasil”, que refletem com suas cabeças de jovens “inteligentinhos” sua autoalienação e a exaltação da mentalidade de “pobre comportado”!