Prof. Dr. Geraldo Filho
Na semana passada senti-me numa máquina do tempo que, numa fração de segundos, tivesse me enviado para meados dos anos 80, quando ainda jovem aluno de sociologia (a partir de 1984), da Universidade Federal do Ceará – portanto mais de 30 anos –, ao ouvir chavões batidos, brandidos por professores da UFPI – alguns encenando pantomimas ridículas –, repetindo que defendiam o ensino público e gratuito contra o ataque do imperialismo e da burguesia financeira internacional, que deseja privatizar as universidades federais, mancomunados com o governo Temer, cujo instrumento é a PEC (proposta de emenda constitucional) do controle de gastos públicos e a MP (medida provisória) que reformula o Ensino Médio.
A memória de longo prazo me fez recordar que já ouvira os mesmos gritos naquela época (excetuando os referentes à PEC e à MP, pois era outro tempo!), e muitas vezes depois durante todo esse período, no qual de estudante passei a professor universitário e testemunhei vários movimentos grevistas, envolvendo docentes e alunos. Ora, em 2016, 32 anos decorridos de minha estreia como calouro da UFC, nada aconteceu que sequer se aproximasse de algo parecido com privatização do ensino público em nenhum dos níveis (fundamental, médio e superior)! Pelo contrário, ele se expandiu – na maior parte, com vergonhoso sacrifício da qualidade! Haja vista professores com enormes dificuldades de se expressar, escrevendo ou falando corretamente na língua-pátria.
Então, por que continua o movimento sindical docente e estudantil a repetir a mesma cantilena ano após ano, greve após greve?! Decorre da mentalidade dos líderes, que foram moldadas por leituras socialistas que propõem ideias do século XIX, em oposição às sociedades de mercado livre (capitalistas), e os fazem compreender sindicatos não como associações de defesa dos interesses estritos dos profissionais que representam, mas como aparelhos políticos a serem conquistados, para que possam servir de instrumentos de desestabilização dos governos estabelecidos, que eles considerem representantes da “burguesia capitalista e imperialista”, daí o recurso permanente à greve. Sustento essa afirmação recorrendo à prova empírica (dos fatos): quase todos os sindicatos brasileiros, ou associações de estudantes, são comandados por partidos de esquerda ou facções internas destas organizações.
A cegueira ideológica os faz criar um mundo paralelo, à parte da realidade, encastelado nas universidades, disseminando entre alunos a crença de que as desgraças do Brasil não são resultado dos próprios erros e más escolhas – como as eleições de Lula e Dilma – mas da trama maligna dos governos imperialistas estrangeiros e dos conglomerados empresariais globais. Como se existisse alguma preocupação no mundo com o descalabro endêmico da corrupção e do crime que assolam a sociedade brasileira ou com o fracasso avassalador do seu sistema educacional!!! É um caso típico de narcisismo patológico, de quem se acha mais importante do que todos e não consegue enxergar sua pequenez! A culpa é sempre dos outros!
Por outro lado, para além da cegueira ideológica – mas intrinsecamente a ela vinculada, o que ajuda a explica-la – há o encontro do cérebro de professores novos (e outros nem tanto, mas que ficaram parados na adolescência, sem conseguir envelhecer!), alguns ainda sequer venceram a barreira dos 30 e outros recém a ultrapassaram, com o cérebro de milhares de jovens que adentram semestralmente nas universidades. Venho explorando nos últimos anos a relação cérebro e comportamento, própria do campo de estudo da neurociência e da sociobiologia, como perspectiva de análise comportamental de indivíduos e grupos.
Assim, cérebros que são reprocessados durante os anos de adolescência e juventude – por força da natureza da espécie humana (sapiens) – preparando-se para a vida adulta, apresentam comportamentos característicos, tais como insegurança, medo do futuro, depressão, revolta com os pais, vontade de salvar o mundo, crises de fé, etc. Isso cria o contexto propício para que qualquer idiota oportunista, para esconder a miséria da sua vida interior (seus traumas psíquicos de ordem diversa), apresente utopias de natureza religiosa e política que acenam com um mundo paradisíaco, modelado por certezas absolutas, nos quais não existam sofrimentos, desilusões, desigualdades e preconceitos, etc. Ou seja, um mundo ideal!
Ora, o “eu narcísico” desses idiotas oportunistas têm o ego massageado e inflado pelos aplausos e ovações que recebem dos tolos em êxtase que lhes concedem plateia, que os louvam como os “bons caras”, desapegados dos bens materiais e preocupados com as questões sociais que afligem os mais pobres, os discriminados e excluídos! São os “inteligentinhos politicamente corretos”, na ironia fina de Luiz Filipe Pondé! Com efeito, o idiota oportunista assim consegue realizar tardiamente o seu intento, viver a fantasia adolescente de herói ou heroína salvador, sentindo-se aceito no grupo, sentindo-se importante, um macho ou uma fêmea alfa (líderes), que todos querem imitar e seguir... mesmo que as custas dos prejuízos e da infelicidade dos outros!
Meu grande amigo Benedito Carlos de Araújo Júnior, sociólogo da UFPI, em Teresina, comentando em rede social o incentivo de professores à ocupação da universidade por alunos ilustra a análise que estou desenvolvendo (não é transcrição literal): “... gente que fica insuflando os despossuídos a apostar suas vidas em causas perdidas, instalados no conforto de casarões e dos seus carros de luxo... quero ver se vão acampar e dormir na UFPI”! Acrescentaria as palavras do amigo: “... e sem largar mão dos smartphones Samsung de última geração ou dos notes da Apple, que tal qual os carros de luxo, são símbolos do consumo capitalista, esta sociedade que odeiam tanto mas, que, em franca contradição com o que pregam para os “outros”, não conseguem viver sem ela!
Fico a me interrogar: como alunos não conseguem ver essa contradição aberrante escancarada a seus olhos? O mecanismo de autoengano é o mesmo que não permitiu que milhões de brasileiros vissem que Lula e Dilma eram uma farsa, um engodo, uma mentira! A manipulação de mentes simples, ingênuas (sei que é muito difícil alguém admitir para si que “é” uma mente simplória!), a partir de propostas populistas (que angariam simpatia e votos!), vendidas como soluções elementares e miraculosas para problemas complexos. Por exemplo: É preciso aumentar o número de jovens com curso superior? Criam-se universidades e faculdades de qualquer jeito e bota todo mundo para dentro, mesmo com baixa qualidade!; É preciso melhorar a saúde da população, mas a infraestrutura hospitalar é cara e custosa? Importam-se médicos cubanos, pois como no país deles a infraestrutura de tudo é precária e aqui vivem vigiados, não vão reclamar mesmo!; É preciso combater a pobreza, mas a dinâmica da economia gera empregos lentamente? Custeiam-se Bolsas de todo tipo, Família, Gestante, Presidiário e todo mundo fica feliz!; É preciso melhorar o índice de aprovação no ensino fundamental, como fazer? Passa-se todo mundo de ano, sem reprovação!
Porém, por que estas pessoas são tão vulneráveis à manipulação? Provavelmente os processos socio-históricos que constituíram o Brasil desde a colonização tenham produzido um ambiente cultural desfavorável para a expressão de cérebros (comportamentos e atitudes) saudáveis, cujas consequências resultem em benefícios para a maioria da população, tais como a valorização do estudo, da disciplina, do respeito a lei e ao que é público, por exemplo. Estou aprofundando essa perspectiva de análise na sociobiologia em conjunto com a neurociência. Mas desconfio que esteja certo! Pois como entender os comportamentos que se repetem no cotidiano da universidade, que surpreendeu negativamente uma amiga que, ao visitá-la, imaginou que estivesse numa feira ou numa colônia de férias?! Como entender que pouco se vejam jovens estudando, porém muito jogando games e tocando música durante os três turnos?! Como entender que gerações que logo estarão à frente do país não tenham a mínima noção de público e sejam incapazes de manter os banheiros limpos (incluindo professores), obrigando os outros ao mau cheiro e à visão repugnante dos seus excrementos?! Como entender a falta de respeito de alunos para com o silêncio sagrado necessário ao clima de estudo, ao passarem pelos corredores gritando ou falando alto, assim atrapalhando as aulas?! Como entender a falta de decoro para com a liturgia mínima da cátedra universitária quando um professor vai dar aula de bermudas? Tudo isso seria cômico se não fosse trágico! Mas explica a razão do porque continuamos como sociedade a persistir no atraso, tomando decisões equivocadas ao elegermos governos esquerdistas.